Sufrágio Universal

[dropcap style≠‘circle’]S[/dropcap]omos todos nós periodicamente chamados a manifestar-nos a propósito das questões essenciais do nosso tempo, nos bastidores compomos as “trovas” e os “versículos” indispensáveis à causa que devemos abraçar e de tal forma empenhados que pensamos lutar como nos antigos ideais de Cavalaria. Só que estes ideais não são ideológicos, mas sim e apenas a nossa convicção de como deve ser distribuída a riqueza. No patamar das grandes trocas de pareceres há afinal, e só, um denominador comum: a economia. Deixamos para a livre escolha e sem sufrágio algumas outras componentes do tecido social que são falências em relação às matérias que elas próprias já representam. A livre escolha passa rapidamente a natural extinção por falta de tempo, de preparação, ou vantagens que possam demonstrar. E assim entendido, colidimos de frente com o «Sufrágio Universal» que para clarear a denominação, bom será saber que o universo não tem qualquer noção do que seja. Muito humanamente sabemos que designa uma imponente teomania da espécie que ao destronar Deus ocupou esse espaço deixado no seu centro imperecível.

Na robusta dinâmica daquilo que nos mantém vivos, temos visto como tudo se anula na voragem do tempo e a nossa energia transformável, fruto da nossa opacidade, é tanta que precisamos de um alicerce louco, que é sempre a megalomania, que se projecta face a uma grandeza que não há, revertendo os factos para a sua real importância, neste caso a nossa, onde só os Sufrágios e as Declarações estimam ser maiores. Uma visão olímpica de nós mesmos não é nefasta desde que não anule a capacidade de contestar tão fabulosa evidência, que com temor afirmo, parece estar toldada nas nossas vidas como se caminhássemos numa plataforma de quimeras. Caminhamos agora os ainda jovens passos da conquista espacial, indagando com cautela outros irmãos estelares, e a vida informa-nos de uma espécie de Diáspora que talvez não muito longe daqui tenhamos que fazer, tentamos corrigir a herança genética para evitar doenças, somos aqueles que anseiam pela imortalidade, sem dúvida, ela está nos nossos sonhos colectivos mais profundos e devia por si mesma constituir um poderoso encantamento dado que chegámos lentamente a coisas extraordinárias. Mas para que a travessia se faça, precisamos de rever o conceito temporal, daí que só esse dado forneça tempo suficiente para pensarmos como, e o que vamos fazer com ele e em que estrutura social pode ter um dia lugar.

Todos concordamos que é uma caminhada gigante e seria grosseiro levar o nosso tempo como medida de comparação, pois que pode ser um caminho deveras universal o futuro que nos espera, e não podemos levar as regras da nossa imprecisão das Eras agora e antes vividas. Calderon de La Barca achava, sim, que os sonhos tinham sempre razão e a maior dor era a de não poder amarporque toda a vida é sonho e os sonhos, sonhos são: e se os sonhos não nos enganam, enganamo-nos nós com a grandeza deles que nos impele para uma flagrante falta de amor para com a sua gratuitidade e alcance. Devíamos amar os sonhos e não o retábulo da nossa grandeza neles. Por ora a imortalidade é uma visão do Inferno de Dante sem capacidade de ser revertida para extinção, o castigo da soberba que funciona como única noção providencial. Há quem fale em colapso planetário alertando para a insuportabilidade de um planeta que se transforma, mas o que é certo é que ele nunca foi um local deleitoso, apenas a nossa noção de prazer mudou e os nossos equilíbrios, também, vendo em leis naturais inimigos insondáveis, pois que o destino humano ainda se encontra mergulhado na incerteza porque a natureza ripostará num momento imprevisto e de uma maneira inesperada. E quando nos propusermos indagar uns aos outros não sejamos tão cegos, nem arrastemos para o universo o caudal das nossas legislações, pois que nada sabe delas, que afinal se saiba, ou dizemos saber, daquilo que não conhecemos.

Não! Não somos os causadores de tudo, nem legislamos para o universo: somos a consequência de algo ou de alguma coisa e a era das nações também é relativamente recente, logo após a revolução industrial e a ascensão do capitalismo. Anteriormente, era mais uma manta de retalhos feita por condados, principados, feudos, burgos, onde o poder local permanecia e os reis andavam desgovernados na incidência da unidade. As Nações Unidas estão moribundas e já não parece haver sufrágio que impeça um governo único mundial para o qual não votámos, pois que a autonomia dos Estados também é agora um acerto de contas e não um legado a manter. O que nos pedem para fazer – o que pedimos uns aos outros – é uma ilusão muito pouco universal na conduta visível do encaminhamento das coisas. O Universo é um Verso Uno. Unido. Nós encetamos simples diálogos com a separação e em todas as formas manifestas parecemos criar divisões.

Quando nos perguntarem doravante seja o que for, já não vamos poder responder. As nossas noções encontram-se em via de transformação para dar seguimento a factos tão novos que ficaremos para trás como as estátuas de sal. Dos nossos interesses, e leis, e tratados, ditos universais, ficará um risco na memória das coisas. Eles não eram nem universais, nem existia neles a perenidade da noção de Universo. E recordando Novalis: o amor é o fim último da história universal. O ámen do universo.

E para a Terra a minha «Vela Verde»:

Vês que vejo a vela verde. E tem que sou o tempo claro. Hoje sou gelo, amanhã abraso.

Tens que tenho o tempo a teia, mas que importa o anelo se nada sou neste interregno com a vida na ideia!

 Sabes que sou uma onda de sal, e que importa se és ou se já foste uma estátua de areia? 

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