Autoridades | Membros da Novo Macau alvo de oito investigações

[dropcap style=’circle’] A [/dropcap] Novo Macau continua a somar casos nos tribunais. Scott Chiang e Jason Chao consideram que há a intenção de rotular a associação de forma negativa. Os analistas ouvidos pelo HM consideram que há uma postura mais dura do Governo face aos democratas.

Desde 2014 os membros da Associação Novo Macau foram alvos de oito processos na justiça, que envolvem mais de onze pessoas. O episódio mais recente envolve o ex-vice-presidente Jason Chao, que vai a julgamento para responder pela alegada prática de um crime de difamação. A acção foi colocada pelo académico Wang Jiangwei e é relativa a um artigo na publicação Macau Concealers.

Entre os processos, apenas dois estão encerrados. No primeiro, Jason Chao, Sulu Sou e Bill Chou eram acusados de difamação pela construtora Ho Chun Kei e foram ilibados. Em causa estavam declarações de benefício da empresa no âmbito do planeamento do Distrito Norte da Taipa. O Tribunal de Instrução Criminal considerou que não havia matéria de facto para irem a julgamento.

O segundo caso ocorreu em 2014. A Polícia Judiciária queixava-se da utilização indevida do seu logótipo no âmbito do “referendo civil” organizado pela Novo Macau sobre o sufrágio universal. O caso foi encerrado por falta de provas.

Scott Chiang é um dos envolvidos em três dos oito processos. Até ao momento, nenhum dos processos que o envolve está encerrado. Para o ex-presidente da Novo Macau, que recusa comentar os casos a que está ligado, existe uma intenção de passar uma imagem negativa da associação pró-democrata.

“Gostava de acreditar que os casos não estão relacionados com as nossas liberdades de participarmos em actividades políticas e nos debates. Mas, olhando para o mundo real, este tipo de casos reforçam uma certa imagem que somos pessoas à procura de problemas”, disse Scott Chiang, ontem, ao HM.

“Querem fazer de nós um exemplo. E para ser sincero acredito que muitos casos poderiam ter sido evitados. Parece que há o objectivo de silenciar-nos ou colocar-nos o rótulo de pessoas que causam problemas”, acrescentou.

Scott Chiang defende que a Novo Macau actua dentro da lei: “Até quando atravessamos a estrada, temos de olhar para a lei. Mas quando consideramos que actuamos de forma legal, eles encontram uma forma de dizer que nós infringimos a lei. É esta a minha experiência com base nos casos do passado”, frisou.

 

Rótulo de associação criminosa

Também Jason Chao, envolvido em dois processos, considera que há uma vontade de colocar um rótulo na associação pró-democrata.

“Eu diria que um dos objectivos deste esforço concertado passa por colocar o rótulo de criminosa à Associação Novo Macau e às suas actividades. Parece-me que há a intenção de criar um estigma em relação à Novo Macau”, considerou, em declarações ao HM.

Além de Jason Chao e Scott Chiang, Bill Chou, Roy Choi, Ray Leong, Alin Lam, o deputado suspenso Sulu Sou, Paul Chan Wai Chi, ex-deputado, e vários voluntários foram acusados em diferentes processo. O número total de envolvidos ainda não é totalmente conhecido, porque muitos dos casos ainda estão em fase de investigação.

Face ao número de processos, o analista político Larry So considera que há um esforço das autoridades locais para reagirem a qualquer movimento que considerem extremista ou que vejam como uma réplica da situação de Hong Kong.

“A atenção do Governo de Macau, assim como das forças pró-Pequim, está em harmonia com o Governo Central no sentido de garantir que nada parecido com o que sucedeu em Hong Kong acontece em Macau. Eles estão focados em impedir que qualquer pequena chama se possa transformar num incêndio”, disse o analista político, ao HM.

“A Associação Novo Macau não é independentista. Isso sempre foi muito claro. No entanto, o facto de ter uma liderança nova e jovem, que é vista como apoiante dos pró-democratas em Hong Kong, leva a esta reacção. O Governo prefere jogar pelo seguro. Pode dizer-se que se trata de uma postura mais dura contra os novos democratas”, opinou.

Tendo em conta o caso dos manifestante do Pearl Horizon, que agrediram agentes da autoridades, mas mesmo assim evitaram ser acusados, Larry So explica que o Governo local é tolerante em aspectos que considera pertinentes. Contudo defende que “essa tolerância não vai abranger o que o Governo considera ser manifestantes radicais”.

 

Rigor para os democratas

Já o politólogo Éric Sautedé acredita que dificilmente se pode falar preto no branco numa perseguição política aos jovens pró-democratas. Contudo, aponta que há um critério mais rigoroso na altura de aplicar a lei.

“Uma coisa é certa: a lei em vez de ser cega, é extremamente rigorosa quando se trata dos democratas. Utilizar a lei da protecção de dados pessoais como base para evitar um referendo, tem fundamentação legal. Mas é, claramente, contra o espírito da lei e das garantias de liberdade de expressão”, afirmou Sautedé, ao HM.

O investigador aponta também para o facto da justiça não ser independente, o que diz ter ficado muito claro com a caso à volta do deputado Sulu Sou, que enfrenta, pelo menos, uma acusação da prática do crime de desobediência qualificada.

“No caso do Sulu Sou, tanto a suspensão como a acusação de desobediência qualificada, são indicações claras que a justiça não é independente e que a maioria das deputados é inconsciente sobre o que deviam ser as suas funções de separação de poderes”, vincou. “É uma surpresa? Não, só mostra que a maioria não só é completamente incompetente, como também age por vingança e coloca os interesses pessoais à frente do bem comum”, acusa.

 

Olhar para os factos

Para o advogado Miguel de Senna Fernandes, os casos à volta de Novo Macau devem ser analisados com muito cuidado. O causídico recusa a ideia de perseguição política porque diz que há factos que justificam a abertura das investigações e os casos.

“Não está em causa a legitimidade da associação, o que está em causa são factos. Foram susceptíveis de procedimento criminal. Os cidadãos de Macau não podem sob a capa de membro ou simpatizante de uma força política, cometer actos que à luz da lei sejam passíveis de responsabilização”, justificou Miguel de Senna Fernandes, ao HM.

“Existem ou não factos que são passíveis de abertura de um processo? São factos que foram inventados? São factos criados à toa? Temos de olhar independentemente das simpatias. No fundo, isto são factos. Como no caso do Sulu Sou, ele nunca negou o que fez”, apontou.

 

Impacto para as autoridades

No entanto, o advogado mostra-se preocupado com uma certa imagem que as autoridades possam transmitir, com o facto de haver tantos casos à volta da mesma associação.

“Quando surgem tantos processos, que agora se tornam públicos, em relação a uma organização com um determinado tipo de cores políticas, isto leva as pessoas a questionarem-se”, indica.

“Tanto processo contra uma organização com determinada cor política pode causar algum incómodo ou incredibilidade. Parece-me que há muita coisa que, numa altura muito sensível, coloca em cima da mesa o risco de se cair na ausência de crédito”, vincou.

Também Larry So considera que os casos em curso podem levar a uma visão das autoridades menos tolerante, perante as opiniões contrárias. Mesmo quando não envolvam políticas independentista: “Espero que não se implemente uma visão em que se é a favor do Governo ou contra ele, sem haver um meio-termo. Mas em alguns momentos parece ser essa a atitude do Governo, parece que há um inclinação para definir as coisas em termos de branco ou preto”, afirmou.

Subscrever
Notifique-me de
guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
Ver todos os comentários