Rota das Letras | Portugal desconhece restrições a liberdades e lamenta eventual cancelamento do festival

O Ministério dos Negócios Estrangeiros português desconhece restrições por parte das autoridades chinesas ao exercício das liberdades e garantias dos participantes no Festival Literário de Macau – Rota das Letras, pelo que apenas “lamenta a eventualidade do cancelamento” da “muito meritória” iniciativa

 

[dropcap style≠’circle’]“O[/dropcap] Ministério dos Negócios Estrangeiros não tomou conhecimento de restrições por parte das autoridades chinesas ao exercício das liberdades e garantias dos participantes no referido Festival no espaço do Território”, afirmou a diplomacia portuguesa ao HM. É a primeira reacção de Lisboa ao cancelamento da presença de três escritores pelo Rota das Letras após indicação de que a vinda de Jung Chang, James Church e Suki Kim “não era considerada oportuna”, pelo que “não estava garantida a sua entrada no território”.

Segundo o director do Festival Literário de Macau, Ricardo Pinto, essa indicação veio da parte do Gabinete de Ligação, embora o chefe da representação da República Popular da China em Macau, Zheng Xiaosong, tenha afirmado desconhecer o caso em torno da Rota das Letras. A situação, “especialmente desconcertante”, levou a organização a cancelar a presença dos três autores para não colocar os convidados na situação de serem eventualmente barrados na fronteira.

Este episódio, sem precedentes na história do Festival Literário, criado em 2012, vai levar o Rota das Letras a reflectir sobre a continuidade de um evento que conquistou um lugar no calendário cultural de Macau. “Depois do que aconteceu, obviamente tudo terá que ser reflectido, repensado e discutido” para “ver até que ponto faz sentido continuar com o festival, em que termos, em que circunstâncias, em que condições”, reconheceu Ricardo Pinto.

“O Festival Literário de Macau, Rota das Letras, é uma iniciativa muito meritória da sociedade civil da Região Administrativa Especial de Macau, que conta com o patrocínio do Instituto Português do Oriente, com o objectivo de desenvolver a cultura e a promoção dos escritores”, pelo que o Ministério dos Negócios Estrangeiros “lamenta a eventualidade do cancelamento desta iniciativa”, diz a resposta escrita, sem mais. Sobre os princípios acordados na Declaração Conjunta ou eventuais diligências a respeito do caso, como consultar a parte chinesa, o MNE nada diz, atendendo a que garante, desde logo, desconhecer restrições a liberdades e garantias.

Indiferença desaconselhável

O historiador Rui Tavares, actualmente em Macau a participar da sétima edição do Rota das Letras, que decorre até Domingo, defende que Portugal não pode fechar os olhos ao que aconteceu. Num artigo de opinião, publicado na Sexta-feira, no jornal Público, é assertivo a comentar o caso. “Isto não é qualquer coisa a que Portugal possa ficar indiferente, desde logo porque o estatuto especial de Macau, incluindo as suas liberdades, está consagrado em garantias e protecções que obrigam tanto à China quanto ao nosso país”.

“No caso de Hong Kong, por exemplo, o parlamento britânico tem uma comissão de acompanhamento que realiza relatórios regulares a respeito da autonomia e liberdades nesse antigo território britânico”, sublinha Rui Tavares. “Em Portugal, infelizmente, a nossa Assembleia da República desligou-se completamente das suas obrigações perante estes temas em Macau”, observou o ex-eurodeputado.

“Podemos dizer que factos como estes empalidecem em comparação com a gravidade de situações de violação de direitos humanos no resto da China. Mas a verdade é que com Macau temos obrigações morais e políticas especificamente portuguesas e, se ficarmos passivos agora, não nos admiremos que a situação se torne mais grave depois. Fica o alerta e a garantia de continuar a seguir este assunto”, escreveu.

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