Colagens

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]m texto sobre partes da carne e fragmentos. É do “corpo-aos-pedaços” de que se trata. “Este texto é feito de impressões, sobretudo visuais, que resultaram [da] infância”.

[…] “O texto tenta fixar algumas interrogações para tratar um assunto concreto: a representação dos fragmentos.” […] [É] tentar pensar essas imagens ‘aos bocados’. O fragmento, […] miniatura, isolado … e …inteiro em si mesmo (Schlegel). “São Vicente é o paradigma do corpo fragmentado, a sua expressão extrema”. [N]ão era senão aos pedaços”. […] “queimado, rasgado e despedaçado. […] [L]ançado às feras para estas o devorarem. [M]as são impedidas de o fazer. [I]ntervenção de um corvo. […] “[S]éculos mais tarde, [dá]-se um naufrágio e toda a tripulação soçobra.”[…] “[E]stratégias de recuperação das relíquias de um mesmo santo espalhadas pelo mundo. Com vista [à] reconstituição coesa.” “Mas [a]s nossas experiências da dor e, consequentemente, as representações do corpo a ela associadas, alteraram-se radicalmente.” […] “Hoje, [há] químicos.” […] “O contrário de uma imagem fragmentada do corpo [pode] ser simplesmente a parte da representação (da parte) do corpo que falta para investir de significado, […] complemento simétrico dessa parte no contexto do corpo, geralmente estruturado por dualidades simples (diretas: mão esquerda/mão direita, ou indiretas: peito/costas; ou , ao nível da linguagem, uma parte que se lhe oponha (cabeça/pés); ou sujeito a uma dimensão performativa do corpo (boca/ ânus ou boca/orelha); ou social, ou moral). Ou, ainda, em última instância, o salto que vai do fragmento do corpo biológico ao corpo cósmico ou divino.” (PHILIP CABAU)

“A paisagem é a natureza? Se a paisagem for o que o meu olhar abarca, que papel desempenha o meu corpo na apreciação de uma paisagem? São Vicente a caminho de Lisboa teria tido uma experiência da paisagem?” […] “A visão terá porventura primazia, mas a paisagem não é apenas o visível, ela reclama […] cheiros, sabores, sons, a sensação de frio, calor, humidade ou secura do ar, ao vento ou sua ausência, a percepção táctil da suavidade ou firmeza do solo e dos elementos que a compõem.” A experiência é “a reunião de todos os elementos percepcionados “existencial[mente]”: “[o] ciclo das estações do ano […] vegetal, mineral, animal, vital” (MOIRIKA REKER).

“A nau é um símbolo da segurança possível na travessia perigosa que é tanto a vida quanto a morte, remetendo no Antigo Testamento para a Arca da Aliança e no Novo Testamento para a Igreja. Muito profunda é a observação de Bachelard de que a barca simboliza simultaneamente um berço redescoberto, o seio ou a matriz e o caixão, que considera ter sido porventura a primeira barca (além de ser a última). Seja como for, quem embarca não desembarca igual. A barca é símbolo da mais profunda e constante viagem, a do espírito ou da consciência, aquela “na qual nasce o próprio viajante”, como escreveu José Marinho. A barca é símbolo de transição e passagem, de metamorfose, de conversão de um limite em limiar.” (PAULO BORGES)

“À flor da pele, bem te quero” (NELSON GUERREIRO)

“[N]os alvores do cristianismo, as relíquias de partes dos corpos de mártires eram importantes, pois considerava-se que seriam estes os primeiros a levantar-se no momento da ressurreição, liderando os fiéis a caminho da vida eterna.” É, pois, por isso, que “[n]a génese da visão de todo este Projecto está o cartografar dos farrapos de um mito que sobrevivem na memória colectiva (pavimentos em calçada portuguesa, candeeiros urbanos), mas igualmente a promoção de uma sensibilidade sempre emergente.” (MÁRIO CAEIRO)

“A referida proliferação de escritos íntimos e memórias, e não questionação do significado disso, vão contribuindo para reduzir a realidade a um conjunto de aparências nas quais nenhum objeto se inscreve, na medida em que o objeto é justamente o-de-fora-de-aparência, o seu vazio, aquilo que se inscreve nela como a sua eternidade, ou a sua desaparição.” […]“É na desaparição — dos objetos, que estão aí diante de nós carregados da morte com que os fixamos — que se guardam os vestígios da aparição do Outro, daquilo que no objecto é sem medida comum” (Mallarmé).” (NELSON GUERREIRO)

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