Rose Neng Lai, professora Universidade de Macau, sobre o imobiliário: “Somos asiáticos: gostamos de tijolo e cimento”

A académica da Universidade de Macau, Rose Neng Lai, não considera que as medidas para controlo de subida de rendas sejam eficazes. A professora de finanças, especialista em imobiliário, acha se deve olhar para a oferta de casas e para os aspectos que a influenciam

 

Na Assembleia Legislativa, quando se fala em mercado imobiliário ou de arrendamento, é frequente dar-se o exemplo de Hong Kong, onde a especulação e os preços batem records. Porquê esta comparação?

É algo muito fácil de fazer, são ambas regiões administrativas especiais. Há a ideia de que tudo o que o Governo Central impuser em Hong Kong provavelmente será também aplicável em Macau. Hong Kong enfrenta problemas graves no seu mercado imobiliário, e aqui o mercado de habitação está demasiado caro para a maioria das pessoas. Acho que a única razão para esta comparação é a proximidade de Hong Kong.

Qual o risco de rebentar uma bolha imobiliária na China, ou mesmo em Hong Kong?

Do ponto de vista académico, nunca podemos definir algo como uma bolha até que rebente, somos bastante conservadores. Nem temos uma definição concreta do que constitui uma bolha. Que provas, factos, precisamos reunir para dizer que estamos perante um fenómeno desses? No caso da China, Hong Kong e Macau fala-se muito em bolhas imobiliárias mas, do ponto de vista puramente académico, não concordamos com isso. Mas podemos dizer que há, definitivamente, um movimento em crescendo. Temos de ver se os preços das casas podem ser explicados por alguns factores concretos, como os rendimentos das pessoas, o PIB da economia, oferta e procura, etc.

Sofia Margarida Mota

Uma vez que estes factores não consigam explicar as razões pelas quais os preços das casas estão tão caros, o resto, a que chamamos residual, pode ser parte da bolha. Se este residual for acumulando preços, temos possibilidade de ter uma bolha. No caso de Macau, podemos ver que as rendas acompanham as subidas dos preços das casas. Mas se pensarmos em todos investimentos, quem investe numa acção é porque espera dividendos, lucros, perspectivas de futuro. Se falarmos de casas não há ganhos futuros em termos de maiores volumes de negócio, portanto, a única coisa que se pode tirar de um apartamento, ou uma casa, é a renda. Mas se a renda não conseguir explicar o seu preço, então há potencial para uma bolha.

Em Macau e em Hong Kong não vemos muito disso, porque as rendas também aumentam à medida que o preço aumenta. Como há procura nos mercados da China, Hong Kong e Macau, teria grande cuidado identificar aqui bolhas. A procura ter origem no investimento ou no consumo são coisas diferentes. Se forem investimentos verdadeiros isso significa que o mercado é saudável, mas o caso muda de figura se o mercado for dominado pela especulação. Há muita gente em Macau que quer comprar uma casa mas que não tem poder de compra suficiente. As pessoas querem ter um apartamento, querem ser proprietárias. Mas se lhes disser que nos próximos 10 anos os preços não vão subir será que ainda querem comprar? Talvez comecem a pensar que arrendar é melhor. É por isso que os preços das casas em Macau, e mesmo Hong Kong, são altos, porque as pessoas querem investir.

Algo que não acontece, por exemplo, em Detroit onde abundam as casas devolutas, uma cidade sem revitalização, morta. Isto acontece porque as pessoas não vêm perspectivas de futuro naquela cidade. Se as pessoas estiverem muito confiantes em Macau e Hong Kong vão investir e nós devemos estar contentes por Macau atrair investimento. Outra razão pela qual os preços em Macau são tão altos é porque aqui as pessoas gostam de canais de investimento. Somos asiáticos e nós gostamos de apartamentos, gostamos de tijolo e cimento. Se tivéssemos de investir em acções corremos sempre o risco de no dia seguinte cair tudo.

Acha que as medidas que o Governo pretende implementar para controlar os valores das rendas tem hipóteses de sucesso?

O Governo tem de fazer alguma coisa, porque é o que lhe é exigido, mas estou céptica quanto à taxa de sucesso porque temos de ver qual o derradeiro problema dos valores das rendas. Porque são tão altos? Acho que a razão é simples, muita procura e pouca oferta. Nos últimos anos, com alguns incidentes que resultaram na falta de oferta privada, as pessoas competiam pelos apartamentos. Ficavam com receio de que se não comprassem os preços poderiam aumentar ainda mais.

Então, isso levou as pessoas a comprar cedo, um sentimento que toda a gente sentiu, daí a corrida à compra. Nos últimos tempos o mercado acalmou, vemos isso todos dias pelo menos nos jornais de língua chinesa onde há sempre anúncios de pré-compra de fracções. Isso quer dizer que os empreiteiros querem meter casas no mercado. Já não é necessário comprar precipitadamente porque há mais apartamentos, os compradores podem ter mais calma na escolha, olhar com cuidado, esperar por apartamentos novos. Com tanta oferta, o mercado pode-se ajustar um pouco e posso ter melhor qualidade pelo mesmo preço. Por outras palavras, a solução é a oferta.

Sem oferta adequada, o Governo só pode dar alguns choques temporários ao mercado. Queremos continuar a atrair investidores estrangeiros, se isso continuar não esperamos que o mercado imobiliário caía. A solução é aumentar a oferta. Mudar as estruturas das hipotecas, se eu tiver muito dinheiro posso pagar o apartamento a pronto, então essa medida não tem qualquer efeito para mim. Em última análise, os jovens que procuram comprar a primeira casa serão os afectados. Têm de cumprir as mesmas regras além de terem de pagar entradas, hipotecas, aumento de taxas de juro, etc. Não sei se a solução para o mercado imobiliário passa pelo Governo, a não ser que construa.

O que acha da medida que prevê o aumento dos contratos de arrendamento para três anos?

Pensei nesta medida tanto da perspectiva dos senhorios, como dos inquilinos. Acho que nenhum lado ganhou muito com esta medida. Tenho familiares que têm fracções para arrendar. Dois anos é o tempo que têm de esperar para aumentar a renda, mas se o mercado de rendas estiver a aumentar, esperar dois, três ou quatro anos será igual. Vão ter de aumentar na mesma. Qual o grupo que o Governo está a tentar ajudar? De acordo com agentes imobiliários, as leis do Governo favorecem sempre o inquilino. Os inquilinos têm medo de aumentos de renda, enquanto que os senhorios, se tiverem problemas com um inquilino, não têm muito a fazer. Se mandar uma carta registada, a pessoas pode recusar-se assinar ou fingir que não estão em casa.

Se tiver menos de três meses de aviso, então o inquilino pode permanecer no apartamento para sempre. Qual é a protecção do lado do senhorio? Esses são os assuntos que devem ser alterados, em vez das medidas que o Governo quer implementar e que podem complicar ainda mais o processo. Não me parece que estas medidas sejam eficazes e podem mesmo reduzir a oferta de apartamentos para arrendar. O rendimento das rendas em comparação com o preço da casa é tão baixo, um ou dois por cento acumulado por um ano. Que tipo de investimento é este? Se depositar dinheiro em dólares da Nova Zelândia, ou renminbi, tenho taxas de juro maiores. Porquê arrendar? Se não o fizer tenho um apartamento novo para quem o quiser comprar e posso vender a qualquer altura. Se posso ganhar 20 ou 30 por cento e vender logo, para quê arrendar?

Não há em Macau uma política de controlo de rendas e deixa-se o mercado regular os preços livremente. Isso não é contrário à natural missão de um Governo num regime socialista?

Sou a favor do capitalismo. Não é assim tão surpreendente esta aparente contradição. Se pensarmos na qualidade de vida, não estou a falar de uma vida luxuosa, por exemplo, um apartamento no One Oasis custa mais de 10 milhões de patacas. Eu sou professora de finanças. Nós nunca queremos meter o dinheiro debaixo da almofada. Tendo em conta aquele preço, preciso dar uma entrada de 50 por cento, o que representa cinco milhões de patacas debaixo da almofada. Nem pensar. Como vou comprar essa casa? Isso leva a que muitas pessoas vivam amontoadas num apartamento. Este é um problema que devia ter mais acção do Governo e aí voltamos à conversa da intervenção de um Governo mais socialista. Mas Macau nunca foi assim. Não estou a dizer que não devemos ter uma abordagem mais socialista, mas não me parece que estejamos preparados, pelo menos a curto prazo.

Por exemplo, em alguns países europeus o Governo tem algum controlo em zonas chave da economia. Algo que não acontece aqui.

Agradeço a influência de Portugal porque ajudou Macau a ser o que é hoje em dia. Como alguém de Macau, dou graças a Deus por essa influência. Nós tivemos a oportunidade de respirar ares diferentes. Sem dúvida que a economia chinesa cresceu a um ritmo fenomenal, mas se recuarmos aos anos 80 era péssimo. Nessa altura era um alívio ser de Macau. Acho que agora Macau está óptimo porque o Governo Central não nos quer controlar de uma forma muito apertada, querem que tenhamos a nossa liberdade. É algo que me agrada porque estamos tão habituados aos tempos passados. Viemos de um modo de vida tão livre que é difícil ir na direcção oposta.

Os nossos professores estrangeiros ficam sempre tão surpreendidos com os impostos que se pagam aqui. As pessoas de Macau estão habituadas a ter tanto que por vezes não conseguem ver aquilo que os Governos têm feito. O Governo precisa de melhorar em muitos aspectos, por exemplo na cidade inteligente. Não me digam que estão a trabalhar numa cidade inteligente quando só querem instalar uma data center para o Governo e não para a cidade inteira. O Governo mostra tanta atenção àquilo que a população prefere, têm tantas consultas públicas, ouvem tantas opiniões, mesmo em assuntos em que precisa agir rapidamente.

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