11.11

[dropcap style≠‘circle’]D[/dropcap]iria que há locais, socialmente falando, favoráveis à condição de vida solteira. A China talvez não seja um desses lugares se nos relembrarmos da denominação nada carinhosa de shengnu, ‘left-over woman’, quando se tem 28 anos e ainda não se casou. Há uma falsa crença que a vida não-casada é uma vida de desastre, mas o conceito começa a ser menos categoricamente quadrado. Neste caso, vamos agradecer ao consumismo económico pelo nascimento de dias dedicados à vida solteira, e que o fazem em tom de festa. Ora aqui está uma criação chinesa, 11.11 – 11 de Novembro – de composição numérica que reflecte os números da solteirice: um(a).

Este dia é no fundo um dia de saldos online dedicado aos mimos que os solteiros deveriam oferecer-se, seja isso roupa ou outro tipo de objectos mais ou menos úteis à vida diária. O marketing para esta campanha que anualmente faz com que milhões de yuan se mexam na China é surpreendentemente eficaz. Quando o conceito foi originalmente pensado, partiu de um grupo de pessoas que queria um pretexto para celebrar a sua condição solteira, desejando, contudo, um parceiro para a vida – não é por acaso que o dia dos solteiros se celebra no dia 11.11 e não no dia 1.1 – e alguém pegou na ‘neo-celebração’ para criar o maior dia de compras online.

Agora com uma ambição de fazer o dia 11.11 um fenómeno de compras global, a imprensa internacional tem realçado a importância do ‘mimo ao solteiro’, como se esse fosse realmente o objectivo máximo do evento. Não vou entrar em reflexões de como é que certas políticas económicas são importantes para a projecção no mercado internacional – porque o CEO do Alibaba sabe bem como fazê-las – mas gostaria de reflectir sobre os solteiros, o mimo, e as formas que utilizamos para chegar lá.

O dinheiro não compra a felicidade, mas deve comprar qualquer coisa. Ninguém é ingénuo para pensar que vivemos num mundo de valores morais em que o dinheiro não serve para nada. Nem 8 ou 80. A linha que separa a importância do dinheiro na felicidade relacional com a felicidade livre de financiamento, não existe verdadeiramente. Por vezes cai-se numa dicotomia moral que não serve de muito à experiência humana. Tomemos o exemplo do 11.11 que em vez de ser sobre pessoas, é sobre coisas. Eu podia dizer isto sobre qualquer celebração que envolva o consumo, que é um assunto mais do que batido.

O que me parece discutível, é que a vida solteira, que pode ter o seu q.b. de estigma em certas sociedades, possa ser ‘compensado’ com umas comprinhas. Todos nós gostamos de uma boa promoção, não digo que não, mas que mensagem é nos transmitida, a do dia 11? Milhares que se preparam (com dias de antecedência!) para estar à frente do computador a partir da meia-noite, para poder aproveitar os descontos e comprar todo aquilo que verdadeiramente desejam. Uma ‘festividade’ dedicada à ausência de amor romântico, e por isso um canal de gasto monetário. É claro que não se pinta assim, de forma tão pura e dura, o dia dedicado a estas promoções são simplesmente uma estratégia de suspense de vendas. Um dia dos solteiros a sério teria promoções em dildos ou outros brinquedos sexuais, em produtos de cozinha para uma maior autonomia doméstica, ou se quiser ser mais sha-la-la, teria à venda experiências que estimulem o amor de e para nós próprios. Porque o grande desafio da vida solteira não são só as expectativas socais, mas a criação de amor pessoal e íntimo, para nós mesmos.

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