Pyongyang | Pequim entre interesses económicos e ideológicos

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] professor chinês de Relações Internacionais Wang Li considera que a questão nuclear norte-coreana coloca a China perante um “dilema”, apontando as divergências entre os interesses económicos, ideológicos e de segurança de Pequim.

“Da nossa perspectiva geopolítica, não seria inteligente abandonar um país vizinho, cuja economia e segurança dependem da China, e que se opõe aos Estados Unidos”, diz Wang à agência Lusa.

Formado em Ciência Política pela universidade inglesa de Aberdeen, Wang Li dá aulas na Universidade de Jilin, província chinesa situada junto à fronteira com a Coreia do Norte.

Apesar do distanciamento dos últimos anos, Pequim continua a ser o principal aliado diplomático e maior parceiro comercial do regime de Kim Jong-un.

Nos anos 1950, os dois países lutaram juntos contra os EUA. No entanto, volvidas quase três décadas, o Partido Comunista Chinês desistiu de “aprofundar a luta de classes” e escolheu o desenvolvimento económico como “tarefa central”.

“A China quer desenvolver-se, precisa do mundo exterior, de estar envolvida na globalização. Não se pode isolar por razões ideológicas. Por isso, a China é o maior parceiro comercial da Coreia do Sul e ao mesmo tempo um dos poucos grandes países que apoia a Coreia do Norte”, afirma Wang.

No caso norte-coreano, o “dilema” chinês parece reflectir os contrastes internos do país.

A China é hoje a segunda maior economia mundial e principal potência comercial do planeta, mas o “papel dirigente” do Partido Comunista continua a ser um “princípio cardinal” e, em teoria, o país é governado sob a égide da doutrina marxista-leninista, tornando Pyongyang no seu único aliado ideológico no nordeste asiático.

E apesar de, em muitos aspectos, as economias chinesa e norte-americana serem complementares, historicamente Washington sempre foi antagónico a regimes comunistas, lembra Wang Li.

“Por isso, China e Coreia do Norte são próximas: partilham questões de segurança”, afirma.

Sob a direcção de Kim Jong-un, Pyongyang efectuou três testes nucleares. O último, realizado em Setembro passado, foi o mais poderoso até à data, e levou o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a ameaçar, perante a Assembleia Geral da ONU, “destruir totalmente” o país.

Wang Li, lembra, porém, que “a Coreia do Norte não é a Líbia nem o Iraque”.

“Apesar de estes países serem bem mais ricos, os regimes comunistas são muito determinados e sabem mobilizar a população”, afirma o professor, que cresceu durante o reinado de Mao, o fundador da República Popular.

Não há misturas

Na Universidade de Jilin, estudam 26 estudantes norte-coreanos, cujos hábitos parecem ilustrar o carácter hermético do seu país de origem.

“Os estudantes norte-coreanos têm a sua própria comunidade, o seu próprio líder da organização estudantil. Não se envolvem nas actividades dos outros estudantes estrangeiros. São muito bem organizados e sujeitos a um controlo rigoroso”, descreve Wang Li.

“Vivem no edifício para estudantes estrangeiros, mas têm um piso só para eles. Não se misturam e não falam com outras pessoas sem autorização”, acrescenta.

O académico chinês diz que “o povo e o Governo norte-coreano consideram o mundo exterior uma ameaça”, um sentimento de insegurança que os leva a insistir no desenvolvimento de armamento nuclear e mísseis balísticos.

“Se os EUA e a Coreia do Sul, e mesmo o Japão, dialogarem com a Coreia do Norte e garantirem a sua segurança, caso abandone o programa nuclear, acho que é possível chegar a um acordo”, defende Wang.

“A questão é que, neste momento, os norte-coreanos não confiam em ninguém, nem mesmo na a China”, conclui.

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