Justiça ameaçada

[dropcap style≠’circle’]R[/dropcap]ecentemente soube-se por um jornal de Hong Kong que um homem, empunhando uma faca, tinha ameaçado um juiz no Supremo Tribunal.

Operário da construção civil, Yu Zulin, de 53 anos, foi acusado de ameaçar o juiz Wilson Chan Ka-shun, com insultos pessoais, numa tentativa de intimidação. Os acontecimentos ocorreram dia 17 deste mês, nas instalações do Supremo Tribunal. O homem, que se encontrava apenas a dois metros de distância do juiz, empunhava uma faca de 20cm de comprimento. O juiz estava no Tribunal para presidir ao julgamento de um caso de Direito Civil.

Por volta das 10h da manhã, Yu encontrava-se na galeria pública da sala de audiências nº 13, onde o juiz Wilson presidia ao julgamento. De repente, Yu puxou de uma faca e gritou para o juiz em mandarim:

“Vendido! Pensavas que eu não te ia encontrar!”

O juiz não respondeu e abandonou a sala de imediato. Nessa altura Yu também saiu a correr. Os funcionários do Tribunal chamaram a polícia. Quase de imediato chegaram ao local dezenas de polícias que se puseram à procura do homem.

Polícias à paisana fizeram buscas em todos os andares do edifício, inclusivamente no 5º andar, onde o antigo Chefe do Executivo  Donald Tsang Yam-kuen estava a ser julgado por corrupção. A audiência não foi interrompida.

O Inspector-Chefe Dilys Lo Shui-lin, da Polícia Central, comunicou que tinham revistado o edifício por duas vezes, mas que não tinham encontrado ninguém suspeito.

Yu acabou por se render ao fim de oito horas. Na esquadra explicou à polícia as razões do seu comportamento e foi conduzido ao Tribunal de Magistrados, no passado dia 19. O delegado do Ministério Púbico declarou,

“Este crime foi planeado, ao contrário de outras situações de ameaça.”

Yu foi preso pelo crime de intimidação. O apelo para sair em liberdade condicional foi rejeitado pelo Tribunal de Magistrados.

No entanto Yu afirmou que:

“Agi por impulso. Peço desculpa ao juiz e à população de Hong Kong pelos meus actos. Estou arrependido. Não vou oferecer resistência.”

Este caso resume-se à insatisfação de alguém com a sentença de um juiz e que, em consequência disso, o ameaça.

Em Hong Kong, existe um sistema bem estruturado que permite apresentar queixa da actuação dos magistrados, caso a pessoa se sinta lesada por uma decisão injusta. Nessa altura o juiz será sujeito a um inquérito. Teria sido melhor para Yu se se tivesse informado sobre o funcionamento do sistema legal de Hong Kong, antes de ter partido para acções desadequadas.

Agora Yu vai ter de enfrentar consequências graves. Como afirmou o delegado do Ministério Público, este caso excede a acção de intimidação habitual. Foi premeditado e houve intenção de agressão. Em causa está, não só, a ameaça feita ao juiz, mas também o estado de direito em Hong Kong. De acordo com a seriedade da situação, a hipótese de o réu vir a ser preso é elevada. A sentença não se limitará ao pagamento de uma multa. A data para o encarceramento do réu será anunciada posteriormente pelo magistrado.

Como já referimos por diversas vezes, condenamos em absoluto qualquer tipo de ameaças feitas a representantes da justiça. Devemos dar o nosso melhor para que sejam criadas todas as condições que permitam aos juízes deliberar de acordo com a lei. Qualquer demonstração de desagrado em relação às decisões do juiz, dentro ou fora da sala de audiências, ou qualquer tipo de ameaça, são comportamentos condenáveis.

Se o juiz:

for pressionado, ou
sentir que a sua vida corre perigo, ou
sofrer qualquer represália pós julgamento, ou
for despedido na sequência de uma sentença

acabará por ficar condicionado e deixa de haver garantias de que as suas decisões não estão a ser determinadas pelo medo. O interesse da justiça deixará de estar protegido. Será isto a que queremos assistir?

As situações que atrás mencionámos devem ser evitadas, porque só assim o juiz estará livre para deliberar de acordo com a lei, sem qualquer tipo de pressão. O interesse das partes envolvidas estará protegido e as pessoas acreditarão que a lei é um instrumento de que nos servimos para resolver contendas. Se a população confiar nas decisões dos juízes, o estado de direito fica garantido. É preciso que nunca nos esqueçamos que o “estado de direito” não se impõe pelas armas, mas sim pela nossa crença na sua necessidade.

Embora o caso relatado não seja complexo, não deixa de ser muitíssimo sério. Se toda a gente que fica insatisfeita com a decisão de um Tribunal agisse desta forma, imagine-se o tipo de sociedade que teríamos.

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