Relatório | Congresso dos EUA alerta para proibições na fronteira entre Hong Kong e Macau

O mais recente relatório do Congresso norte-americano chama a atenção para os últimos casos de proibição de entrada em Macau de jornalistas e deputados de Hong Kong, sem ignorar a ausência de um calendário para a implementação do sufrágio universal. Sonny Lo e Leonel Alves alertam para as especificidades do território. Governo rejeita acusações

[dropcap style≠’circle’]J[/dropcap]ornalistas que queriam cobrir o impacto causado pelo tufão Hato, deputados do Conselho Legislativo de Hong Kong do campo pró-democrata, que vinham passar férias ao último enclave português a oriente e que viram a sua entrada negada. Estes foram alguns casos de proibições na fronteira que aconteceram nos últimos meses e que são citados no último relatório do Congresso dos EUA, que fala nas ausências de definições na lei em vigor.

“Durante este ano, o Governo de Macau continuou a negar a entrada a alguns políticos do campo pró-democracia e activistas de Hong Kong. A lei de segurança interna permite às autoridades a recusa da entrada de não residentes ‘que sejam considerados inadmissíveis ou que possam constituir uma ameaça para a estabilidade da segurança interna’. Contudo, a lei não define essa inadmissibilidade ou o que é que pode constituir uma ameaça à segurança de Macau”, pode ler-se.

O Executivo de Macau, contudo, já veio rejeitar estas acusações em comunicado oficial, afirmando repudiar “terminantemente o relatório”. O mesmo documento frisa também que o território pertence à China e “nenhum país estrangeiro tem o direito de ingerência nos seus assuntos internos”.

“Desde o regresso de Macau à Pátria, o princípio de ‘Um país, Dois sistemas’ e a Lei Básica têm sido implementados em pleno, no território, e a RAEM desenvolveu-se e registou resultados notórios”, sublinhou, considerando que o relatório “tece comentários irresponsáveis”.

Interferência indesejada

Ao HM, o deputado e advogado Leonel Alves também considera tratar-se de uma interferência nas questões internas de Macau. Em jeito de resposta, o último massacre ocorrido em Las Vegas, que vitimou cerca de meia centena de pessoas, surge-lhe imediatamente no discurso.

“Gostaria de questionar quando é que o governo norte-americano decide banir a venda de armas. Há uma ingerência nos assuntos internos de outro país. O que causa um grande espanto a nível mundial é a venda de armas a toda a gente, o que constitui um perigo. Penso que é uma ingerência. Porque é que os EUA se hão-de intrometer nos assuntos de outros países?”, questionou.

O deputado, que assume essas funções até ao próximo dia 15 de Outubro, deixando depois a Assembleia Legislativa, recorda que Macau “tem a sua própria contextualidade e características do sistema político”.

“Este tem de evoluir de forma gradual e harmoniosa e a imposição de valores norte-americanos, num território como Macau, pode trazer muitos problemas para a população.”

Sobre as proibições na fronteira, Leonel Alves defende que deve existir “bom senso”.

“Tratam-se de questões de segurança interna, não sabemos os estudos ou as informações que o Governo tem, barrando a entrada de determinadas pessoas. Em alguns casos haverá um exagero, uma vez que chegou-se a proibir a entrada de uma criança cujo nome tinha algumas parecenças com alguém suspeito. O bom senso tem de imperar.”

Leonel Alves alerta ainda que, quanto à proibição de jornalistas e deputados, “não sabemos qual o relatório que as autoridades têm e qual o grau de perigosidade dessas pessoas”. “Mas para que tudo corra de uma forma satisfatória o bom senso deve imperar e devem ser implementadas medidas concretas”, frisou.

Uma questão de perspectiva

Sonny Lo, analista político baseado em Hong Kong, adiantou que, no que diz respeito às proibições na fronteira, tudo depende da visão de cada território.

“Se olharmos para a perspectiva da aplicação da lei em Macau, essas pessoas foram proibidas de entrar por razões de segurança. Mas, da perspectiva estrangeira, e uma vez que a democracia se refere à ampla liberdade de movimento das pessoas de um lugar para o outro, então estas restrições de entrada em Macau são curiosas e intrigantes para a perspectiva dos norte-americanos.”

Por outro lado, Bill Chou, activista e académico na área da ciência política, também baseado em Hong Kong, acredita que estas proibições à entrada de Macau “são, de certa forma, uma violação da liberdade dos jornalistas e de expressão”. “Sem os media de fora, muitas coisas nunca teriam uma cobertura”, concluiu.

Alguma mudança?

Scott Chiang, presidente da Associação Novo Macau, recorda que algumas das recomendações produzidas por este relatório não são novidade. Uma análise negativa por parte dos norte-americanos ao sistema político local pode, no mínimo, levar as pessoas a reflectir e a agir, defendeu o activista.

“O Governo, ligado a pessoas do campo pró-Pequim, mais uma vez criticou o relatório e afirmou que interfere com os assuntos internos do território. Penso que parte do que o relatório afirma é verdade e apreciamos que as pessoas fora de Macau tenham em consideração o que acontece aqui.”

“Há um feedback negativo deste circulo internacional e questiono se será ou não positivo. Penso que, de tempos a tempos, a existência de incentivos, criticismo ou opinião da comunidade internacional pode ajudar Macau a não ter a mesma posição.”

Bill Chou não espera grandes efeitos práticos com a publicação deste relatório oficial. “Não vai existir uma verdadeira pressão internacional junto do Governo de Macau. No que diz respeito a pressões internacionais, a China surgirá sempre em primeiro lugar”, concluiu.

 

 

 

Sufrágio universal: a ausência de um calendário

Outro ponto abordado no relatório produzido pelo Congresso norte-americano prende-se com a ausência de eleições mais democráticas em Macau. É recomendado que os governos da China e de Macau “estabeleçam um calendário para a implementação do sufrágio universal para a eleição do Chefe do Executivo e para os deputados da Assembleia Legislativa”.

O mesmo documento lembra que, apesar da Lei Básica não determinar a realização de eleições pela via do sufrágio universal, “as suas provisões garantem a aplicação do Pacto Internacional sobra os Direitos Civis e Políticos em Macau e que garante que Macau ‘tem um elevado grau de autonomia’ em relação à China”.

Os norte-americanos afirmam ainda que não observaram nenhum “progresso” em relação ao sistema político local. O relatório indicou que a revisão da lei eleitoral, em Dezembro de 2016, pela Assembleia Legislativa permite desqualificar candidatos ou deputados que não sejam leais a Macau. Os críticos da revisão questionaram a necessidade destas alterações e manifestaram a preocupação que a nova legislação ameace o direito a eleições livres e justas.

Na visão de Sonny Lo, “é compreensível” que as autoridades norte-americanas tenham essa visão, uma vez que apoiam “as questões do sufrágio universal e de uma completa democratização de Macau”.

Mas “Macau tem os seus constrangimentos estruturais e políticos devido ao facto da Lei Básica de Macau não determinar o sufrágio universal como um objectivo a atingir. [Esses constrangimentos advém] do facto das forças democráticas serem fracas, da pressão existente e da fraca vontade política de implementar um ritmo mais rápido nas reformas politicas”, defendeu ao HM.

 

A importância dos órgãos municipais

Para Bill Chou, ex-académico da Universidade de Macau, actualmente a dar aulas na Universidade Chinesa de Hong Kong, uma maior participação da população poderia materializar-se através da implementação dos órgãos municipais sem poder político, algo que o Governo quer tornar uma realidade.

“São desejáveis mais eleições directas e isso pode ser posto em prática através da criação dos órgãos municipais sem poder político. Tal poderia levar a mais opiniões públicas, que poderiam ser canalizadas para o processo de implementação de políticas.”

Quanto ao sufrágio universal, “é verdade que há pouco progresso quanto à sua implementação”. “O Governo poderia aumentar os assentos na AL pela via directa, o que faria com que a AL não fosse apenas um conjunto de carimbos de borracha”, rematou.

 

Hong Kong: Desqualificações e liberdades

Sobre Hong Kong, a comissão norte-americana denunciou a acção dos governos da antiga colónia britânica e da China para desqualificar os candidatos pró-democracia eleitos para o Conselho Legislativo (LegCo), em Setembro do ano passado, que alteraram o juramento durante a tomada de posse.

Em Novembro, a comissão permanente do Congresso Nacional Popular chinês divulgou um parecer sobre a Lei Básica de Hong Kong, de acordo com o qual os juramentos que os deputados prestam ao serem empossados são compromissos legais perante a China e a RAEHK, proibindo ao mesmo tempo a repetição de juramentos considerados inválidos pela Justiça. A decisão permitiu desqualificar seis deputados eleitos.

Por outro lado, a comissão alertou que os jornalistas de Hong Kong manifestaram o receio de uma diminuição da liberdade de imprensa no território, devido a uma crescente autocensura e restrições governamentais aos jornalistas.

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