Férias grandes do mundo

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]asso os dias a olhar para o Atlântico e o azul do céu. Não sei bem se há uma relação directa ou causal. Vim para um Hotel para recuperar. Nem sei bem do quê. Não leio, durmo e acordo para ir para a praia, para onde vou. Preciso agora de uma banda sonora. Já nem me lembrava do que tinha para ouvir. Gosto de tudo.

O ponto não é a música. É que nunca tive banda sonora, muito menos na praia. Agora, tenho. Estou numa praia diferente onde nunca tinha estado. E estou sozinho. Não que isso me importe. Mas sem trabalho, tudo muda.

Mas o ponto não é esse. É outro. São as famílias que vão de férias. Levam crianças. As crianças vão construir a sua história: numa família e numa paisagem. Haverá sempre o azul e a água fria. Se forem repetitivos regressam ao sítio onde estiveram. Nem sei como se constrói memórias. Sei que aconteceram.

Hoje, estive pela segunda vez na praia sozinho. Sempre de pé, porque não consigo deitar-me e a ouvir música porque não consigo ler. Escolho sempre um sítio distante das outras criaturas que lá se encontram. São famílias, uma mãe com um filho, uma família a ler. E depois o sol que persiste.

Nunca olhei uma praia a norte. Foi sempre a sul. Ou tão a sul que pensava em África, no Brasil, mas nunca em Lisboa, Porto ou no Norte.

Mas há o azul que é o plano de fundo da areia. É uma praia diferente de todas as outras. As pessoas serão as mesmas. Não ia à praia há tantos anos.

Caminho. E fico num sítio onde estendo a toalha. Não me deito nunca. Fico de pé. Troco os óculos. Não vejo bem ao pé e o sol cega-me.

Antigamente, vinha de casa cheio de carcaças com manteiga e as vésperas. Sabia para onde ia à noite. E dormia. Coisa que raramente acontece ou só com álcool ou comprimidos.

As férias antigamente eram gregárias. Agora, vim “descansar”, fazer não sei bem o quê. É bom sair. O azul ajuda.

Se tivesse ficado em Lisboa o azul não seria evidente e não tenho conseguido ter um quotidiano. São sempre os mesmos dias há muitas décadas.

As férias grandes do mundo acabaram. Lembro-me de jogos de bola na praia e de grupos de gente. Cocktails de hormonas juntos à beira mar. Lembro-me dos jornais lidos a seguir à revolução de Abril como se fossem bíblias. Lembro-me de rostos que envelheceram casados e outros que continuam por casar.

O azul vem do céu e vem do mar. Olho para o azul com tantas tonalidades que não consigo expressar, porque não sou músico nem poeta. Só analítico.

A praia era o dia seguinte e era o dia. Era de onde partíamos para a noite. Era onde regressávamos de manhã. Pequenos almoços tomados a cerveja depois da noite e antes de dormir o pouco sono que a juventude permite.

O azul da praia é diferente de manhã, à hora do almoço e ao entardecer. As pessoas que vão a horas diferentes têm praias diferentes. E nós tínhamos todos os momentos.

À hora do almoço e até à hora do lanche a praia é como um pesadelo: sol ao pino e água gelada. De manhã, espera pelo almoço com o sol a desenhar o seu dourado triunfante. Mas à tardinha, adivinha a calma da vila, sem som ou apenas com o do jantar.

O Azul transforma-se em negro. E a melancolia aparece não já só à noite, mas na tarde e na manhã que não existe.

Esperava os dias grandes do Verão e agora espero que eles tragam o Outono ou o Inverno. Mas no Outono ou no Inverno espero pelo Verão. Mas o Verão pelo qual eu espero é aquele outro das férias grandes do mundo. Não virão mais. Ou então eu sou incompetente para trazer essas férias.

Vejo o azul transformado em negro na noite e espero que seja azul negro, fundo.

Hoje, na praia, estiveram as famílias da infância. Estiveram todas. Estiveram as que se estão a fazer, com crianças e jovens pais e futuros mortos, já moribundos.

Como eu gostava de fazer parte não sei bem do quê que já não existe.

“Ainda vais ter saudades destes tempos”. Dizia o Beta.

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