Entrevista | Ren-He Xu, professor da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Macau

Depois de 20 anos em universidades norte-americanas, Ren-He Xu vem estrear a Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Macau. Em três anos orientou uma pesquisa que promete revolucionar o mundo das células estaminais e meter Macau no mapa da investigação científica. O momento “eureka” poderá tornar desnecessária a criopreservação e aumentar a longevidade das células estaminais

[dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]ual a magnitude desta descoberta para o campo das células estaminais?

É uma descoberta que tem impacto ao nível mundial, especialmente no campo da criopreservação biológica. Tradicionalmente, tínhamos de recorrer a um tanque de nitrogénio líquido, ou uma caixa de gelo seco para enviar células estaminais para longas distâncias. Agora não é preciso, só é necessário fazer esferas de células, metê-las no bolso e ir para qualquer lado, desde que seja dentro de dez dias.

Esferas de células?

Sim, são como bolas de células. Normalmente, uma bola contem centenas, ou milhares, de células. A esfera é formada quando se deixam as células estaminais precipitarem e juntarem-se por umas horas. Então formam uma esfera, dessa forma reduzem a proliferação e o metabolismo. Ficam num estado de repouso como animais em hibernação, é por isso que duram mais tempo. É um processo muito simples e as células estaminais preservam todas as suas propriedades sem necessidade de recurso a incubadora. As condições ideais para este tipo de material, na incubadora, são 37 graus com cinco por cento de dióxido de carbono. Mas agora conseguem aguentar a temperatura ambiente, podemos levar células estaminais para a rua. Testámos temperaturas entre dez graus a 30 graus e não houver nenhum problema, desde que as células permaneçam juntas e mantenham o metabolismo baixo.

Esta descoberta é também importante em termos de custos.

Este método poupa dinheiro em comparação com o uso de nitrogénio líquido ou caixa de gelo seco. Quando vim dos Estados Unidos para cá trouxe material em nitrogénio líquido, o que acabou por me custar dois mil dólares americanos. Com esta descoberta só preciso de um tubo de um dólar no meu bolso e posso ir a todo o lado, poupando significativamente.

Qual a aplicação prática desta tecnologia para a melhoria de vida das pessoas?

Se alguém precisar de um transplante de medula óssea, por exemplo. As células estaminais do cordão umbilical podem ser usadas para tratar doenças auto-imunes, doenças inflamatórias ou mesmo cancro do fígado como terapia complementar. Nesses casos é necessário que um centro de células estaminais envie esse material, por exemplo, de Pequim ou Xangai. Com distâncias curtas não há problema, a prática normal é congelar e enviar para as clínicas em caixas de gelo. No final escolhem as células e injectam intravenosamente nos pacientes. Normalmente, é preciso uma pessoa para carregar a caixa para a clínica. Agora basta meter as células num frasco.

Como surgiu esta descoberta?

Foi uma história interessante. Pedi a um dos meus estudantes uma cultura em três dimensões de células estaminais, ou seja, deixar as células agruparem-se e testar as suas funções para depois comparar com grupos de células arranjadas de forma linear, com o objectivo de estudar os comportamentos diferentes das células. Depois da experiência, o estudante deixou as esferas no balcão do laboratório, fora da incubadora, porque o teste estava feito. Passados dez dias, reparou que ainda ali tinha as esferas de células e resolveu dar uma vista de olhos. Pensou que todas as células estariam mortas e dissociadas, mas constatou que estavam intactas. Foi falar comigo e disse-me que as células ainda estavam vivas. Disse-lhe para as voltar a meter na incubadora para ver se estavam mesmo vivas. No dia seguinte voltámos a tirá-las e todas as células estavam vivas. Foi uma surpresa. Claro que lhe disse para repetir a operação com diferentes linhas de células e continuou a resultar. Depois disse-lhe para experimentar com outros tipos de células estaminais pluripotentes, o que resultou com menor durabilidade. Pensei: “Isto é excelente, vai mudar o jogo, talvez não precisemos mais de criopreservação, portanto, não podemos publicar só assim, como um fenómeno”. Mandámos as células para sequenciação, para ver o perfil do genoma, e no final verificámos que todas as células desaceleraram de metabolismo.

Qual a sensação de conseguir uma descoberta desta magnitude? 

O sentimento foi de orgulho. Senti que deixámos a nossa marca no campo das células estaminais, fica lá o nosso nome, o nome da universidade e de Macau. Todo o mundo vai reconhecer que isto foi feito na Universidade de Macau, na Faculdade de Ciências Médicas. Além disso, a nossa faculdade é muito recente, começou há três anos, e toda a gente quer trabalhar com afinco e conseguir resultados bons para a universidade e também para Macau.

Acha que esta descoberta mete Macau no mapa da investigação científica?

Sim. As pessoas reconhecem que estamos a contribuir significativamente com mérito e valor para o campo, que avançámos a ciência das células estaminais e tornámos mais fácil traduzir a ciência para a clínica.

Qual o feedback internacional desta descoberta?

Em primeiro lugar quisemos testar. O meu estudante estava muito interessado e determinado em provar que as células podiam ser transportadas facilmente. Quis viajar com as esferas de células para testar se, de facto, sobreviviam a viagens. Foi até à Tailândia, não viajou muito longe, mas as células continuavam bem depois de alguns dias. Internamente queríamos ter a prova. Depois da publicação pedimos a contribuição de algumas universidades internacionais conhecidas, como a Universidade de John Hopkins, entre outras. Perguntei a alguns colegas se queriam testar o que tínhamos descoberto. O colega da John Hopkins disse, espantado, “wow, isto resulta”. Todos contribuíram com citações para a publicação.

Passou duas décadas da sua carreira profissional nos Estados Unidos, onde nasceu este campo de investigação científica.

Comecei em Israel, depois fui para os Estados Unidos, Maryland, e trabalhei durante seis ou sete anos no National Institute of Health. Depois fui para o Wisconsin onde estudei células estaminais na universidade onde começou a investigação científica deste ramo. O meu antigo supervisor foi capa da revista Time como o homem que trouxe as células estaminais para o mundo. Mais tarde, fui recrutado para ir para a Universidade do Connecticut como professor associado. Fiquei lá durante seis anos.

Como surgiu Macau no seu percurso profissional?

A Universidade de Macau estava prestes a criar uma nova faculdade. Conheci o reitor em Xangai e ele perguntou-me por que não vinha para Macau. Começou por me mostrar um vídeo da construção da universidade. De um pântano surgiram, de repente, 50 edifícios do nada. Fiquei impressionado. Depois disse-me que teria o mesmo salário que tinha nos Estados Unidos, mas com os impostos de cá, o que para mim foi um aumento salarial, e assegurou-me que havia dinheiro para investir em material de laboratório. Em seguida, vim cá pessoalmente dar uma vista de olhos, nessa altura a maioria dos edifícios estava quase pronta.

Que diferenças encontrou em Macau?

Na Universidade do Connecticut os estudantes entram com notas melhores, sem dúvida, e são oriundos de todo o mundo. Aqui são, sobretudo, do Interior da China e alunos a tirar licenciatura. São estudantes muito inteligentes, entraram com notas altas. Para estudantes pós graduados recrutamos estudantes ao nível global, mas a maioria vem do Interior da China e da Índia, os locais estão mais direccionados para a licenciatura. Se demonstrarmos que podemos fazer bom trabalho, que damos oportunidades de sucesso aos estudantes, acho que podemos atrair mais gente de qualidade.

A Universidade de Macau tem capacidade para atrair investigadores e estudantes do mundo inteiro?

Apesar de a faculdade ser recente, oferece condições atraentes. Os salários são semelhantes aos oferecidos nos Estados Unidos, mas lá as universidades oferecem condições para receber a família do investigador, isso não acontece cá. Se um doutorado vem para o meu laboratório, a sua família não pode vir automaticamente para Macau, não pode viver cá. Isso torna a vida familiar de quem vem estudar para cá muito mais difícil, é uma grande desvantagem.

Quais são os grandes desafios e esperanças para o futuro das ciências médicas?

Globalmente, ou na maioria dos países, a qualidade e esperança de vida aumenta, assim como em Macau. Como as pessoas vivem mais tempo, há uma tendência para se verificarem mais doenças relacionadas com a velhice, incluindo cancro. São precisas novas formas para tratar estas doenças. O reitor da nossa faculdade é um famoso investigador no campo das doenças oncológicas. Está a tentar encontrar um meio de adequar uma droga específica para cada doente através de um teste ao seu genoma, à inteira sequência genética das células cancerígenas. Esperamos que esta abordagem possa trazer terapias mais direccionadas a cada paciente. No campo das doenças degenerativas, como Alzheimer e Parkinson, a maior esperança é a investigação com células estaminais. Podemos obter células através de colheita de sangue ou de células da pele e convertê-las em células estaminais. Podemos regredir até às células que queremos para os órgãos ou tecidos que precisarmos. Este tipo de células estaminais já corresponde ao nosso genoma, portanto, não corre o risco de rejeição imunológica. Isto já resultou num Nobel para um cientista japonês.

Acha que é possível a atribuição de um prémio Nobel a alguém local?

Não me parece. Pelo menos para já, porque é preciso primeiro crescer. É preciso congregar muitas e boas mentes científicas aqui, assim como conseguir apoios. Pode ser que um cientista entre esse grupo de grandes mentes tenha tempo e dinheiro para pensar com profundidade, e meter mãos ao trabalho para provar hipóteses remotas. Estamos numa fase inicial em que temos de nos estabelecer. Usamos recursos limitados para crescer, para ter alguns sucessos iniciais, para anunciarmos ao mundo que estamos aqui. Mas temos de ter em consideração que este é um “negócio” que precisa sempre de muito investimento. Macau não tem muitas universidades. O jogo é o negócio principal, mas não acrescenta valor adicional a Macau. Se os líderes tiverem interesse em perseguir este valor adicional, podem apostar em tecnologia de ponta e na busca de avanços científicos.

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