A Torre do Inferno

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o dia 14 deste mês, o website da BBC divulgava uma notícia sobre um incêndio que tinha acabado de deflagrar em Londres. A Torre Grenfell, situada no Norte de Kensington, estava a arder. No dia 19, um porta voz do Governo veio comunicar que se presumia que o número de vítimas mortais ascendesse a 79, 74 das quais estavam desaparecidas, estando 5 cadáveres já identificados. Este incêndio já é considerado o mais grave de sempre no Reino Unido desde que há registos conhecidos, ou seja, desde o início do séc. XX.

A Torre Grenfell foi renovada em 2016. Foram instaladas novas janelas e foi colocado um revestimento de alumínio sobre as placas de isolamento térmico que, supostamente, se destinava a embelezar o edifício.

Os peritos afirmaram que este revestimento pode ter estado na origem da propagação muito rápida do incêndio. O espaço que existia entre o revestimento e as placas de isolamento criou uma espécie de chaminé por onde o fogo alastrou. A cobertura ardeu e derreteu, o que prova que era feita de material inflamável.

No dia 23, a Superintendente Fiona McCormack comunicou que a polícia tinha provas de que o incêndio não tinha origem criminosa e que teria começado com a combustão de um frigorífico, modelo Hotpoint FF175BP. McCormack acrescentou que, “As amostras do revestimento recolhidas para análise chumbaram em todos os testes de segurança.” A investigação prossegue para a apurar responsabilidades pelos crimes de homicídio por quebra de normas de segurança.

Por enquanto ainda é cedo para apontar culpados. No entanto, se se vier a provar de forma inequívoca que o revestimento de alumínio esteve na origem da propagação incontrolável do incêndio, os seus fabricantes virão a ser acusados. Será também acusado de cumplicidade quem contratou esta empresa e decidiu revestir o edifício com o referido material. É sabido que essa responsabilidade pende sobre a construtora. Neste caso poderá a construtora ser acusada de homicídio? À luz da lei do Reino Unido, a resposta é “sim”.

No Reino Unido, e não só, um homicídio pode ser considerado voluntário ou involuntário. Considera-se homicídio involuntário quando as mortes são provocadas por irresponsabilidade ou negligência. Neste caso é muito provável que se estabeleça uma acusação de homicídio involuntário, devido à utilização de materiais altamente inflamáveis para o revestimento do edifício.

Segundo a lei inglesa, o responsável directo e o indirecto respondem pela mesma acusação. Ou seja, quer o fabricante quer o construtor estão sujeitos à mesma pena.

O responsável da construtora estará pessoalmente sujeito a acusação idêntica. A figura jurídica que suporta esta acusação é designada por “desconsideração da personalidade jurídica empresarial” e permite responsabilizar as pessoas que estão por trás da empresa e, desta forma, obrigá-las a cumprir a lei.

Se uma empresa for acusada de um crime, mas os seus responsáveis não forem, a punição não fará sentido porque a empresa não é uma pessoa real; responsabilizar as pessoas que a dirigem é a única forma de prevenir o crime.

Esta tragédia é um aviso claro para Macau e para Hong Kong quanto ao perigo do uso dos revestimentos de alumínio em edifícios. Ninguém quer assistir a casos idênticos. A prevenção é sempre o melhor remédio. É necessário tomar medidas imediatas para garantir que este material não venha a ser usado. Macau é uma cidade pequena. Se uma situação destas aqui viesse a ocorrer, é fácil imaginar as consequências que teria.

Sabe-se que no edifício Wing On em Hong Kong foram usados estes materiais. Será bom que o seu proprietário e quem o administra tomem medidas para evitar uma tragédia.

No entanto, parece que ainda não é chegada a altura de legislar sobre a utilização de revestimentos de alumínio na construção. Teremos de escutar as opiniões dos peritos em segurança, das construtoras e do público em geral antes de ser tomada a decisão final.

Professor Associado do IPM

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

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