Alfredo Ceyna, artesão de lanternas de coelhos | Manter viva a tradição

Foi professor do ensino primário nas Filipinas e agora é mestre da arte de construir lanternas. Alfredo Ceyna passa todos os anos o conhecimento da tradição a quem quiser aprender. Este ano, o workshop tem lugar de 17 a 28 de Julho

Como é que aconteceu a passagem do ensino de artes industriais no seu país à mestria na construção das lanternas típicas do território?

Nunca tinha pensado nisso. Quando o arquitecto Carlos Marreiros me pediu para fazer este trabalho pensei que teria de fazê-lo e não via nenhuma razão para que isso não acontecesse. Foi a partir de 2009, quando participei com o arquitecto na construção do Pavilhão da Lanterna do Coelhinho, na Expo de Xangai de 2010. Na altura, o arquitecto quis começar com o festival das lanternas em Macau por ser uma tradição local, nomeadamente com as lanternas do coelhinho. Pediu-me para aprender o ofício. Aprendi tudo o que sei com o Carlos Marreiros. Foi ele o meu mestre. Mostrou-me como se fazia, como se construía, como se podiam fazer estruturas e forrar com vários materiais. A partir daí desenvolvi as competências necessárias para poder construir as lanternas do coelhinho. Apesar de não esperar vir a tornar-me um artesão e dominar este ofício, acabei por perceber que é um trabalho muito bonito e que fazia peças também muito bonitas. Foi ainda uma prova que dei ao Carlos Marreiros que sempre me apoiou e incentivou a fazer mais e melhor.

O que vê nestas lanternas?

Do que sei, penso que simbolizam prosperidade. Na sua origem, acho que serviam para iluminar os caminhos quando as pessoas saíam de casa. Com o passar do tempo foram sendo desenvolvidas as técnicas e as formas: no início era usado o bambu para fazer a estrutura, e depois era unido e coberto com papel de arroz. Este método tradicional tem agora variações. Pode ser usado o arame e o ferro, por exemplo, e vários tipos diferentes de papel ou mesmo outros materiais sintéticos. Mas não há nada como a construção tradicional. O papel de arroz é um material muito frágil e delicado, mas especial quando falamos de textura e de cor.

Tem um workshop marcado para o próximo mês. A iniciativa tem lugar todos os anos. Qual é a importância da sua realização?

Fazer estes workshops anualmente é fundamental. As lanternas já começam a ser esquecidas em muitos locais, nomeadamente na China Continental. Em Macau, as lanternas do coelhinho são uma demonstração da cultura local que não podemos deixar desaparecer. Queremos mostrar, a quem estiver interessado, como podem fazer estes objectos. Por outro lado, é uma forma de alertar as pessoas para a importância das lanternas em Macau. Tecnicamente, ensino as competências a ter, como fazer as estruturas depois da ideia, e de como juntar e pintar o material que as vai cobrir. De facto, não é muito complicado fazer estas lanternas desde que se saibam as técnicas mais básicas. Claro que inicialmente é uma coisa difícil, principalmente a materialização da ideia em estrutura. Apesar de gostar mais do bambu, aqui aprendemos a usar o arame e penso que esta é a parte mais difícil.

Porquê?

É como uma escultura. As pessoas começam sem saber ao certo o que vão fazer. Tem de ser feito primeiro um plano e depois conseguir materializar a ideia em arame. Isso tem sido o mais complicado.

Este workshop é dirigido a um nível avançado. Porquê?

Sim. Chamamos de avançado porque não são dadas orientações. O processo é acompanhado, mas as pessoas fazem o seu próprio projecto. Fazem a sua estrutura e depois cobrem-na com o material que preferirem. É avançado porque deixo os alunos decidirem tudo o que tenha que ver com o que vão fazer. Não sou eu que controlo o resultado ou que forneço os esboços. Se assim fosse, seria tudo muito uniforme e eu quero que sejam todos diferentes.

Qual é a sua opinião acerca da adesão a esta iniciativa?

A adesão aos workshops vai variando de ano para ano. Às vezes temos mais participantes, outras menos. Tive uma vez uma criança, mas é uma arte muito difícil de ensinar quando as pessoas são muito novas. Do que tenho notado, é que são os mais velhos que, por vezes, se mostram mais interessados, sendo que a faixa média de idades não aparece tanto. Não sei porquê, talvez achem aborrecido. No entanto, os que frequentam os workshops terminam a formação muito satisfeitos. No final conseguem ver o produto que lhes saiu das mãos e que foi fruto de um trabalho duro. Também temos um limite de dez participantes, o que faz com que não possam integrar as formações muitas pessoas. Mas também não podem ser mais, para que seja um trabalho bem feito. Por falar em participantes, recordo uma senhora que vem todos os anos. Acho que ela gosta realmente deste ofício.

Pode ser um dos últimos mestres desta arte em Macau. Como é que vê o futuro da tradição no território?

Penso que esta é uma forma de manter a tradição viva. Por outro lado, o apoio de patrocinadores, especialmente para a construção de lanternas tradicionais em bambu, pode realmente ser um contributo importante para que o conhecimento e a construção se mantenham. É ainda importante o contributo do Governo. Se isso acontecer, a tradição não estará ameaçada e continuará. Macau é um lugar bonito e está cada vez mais a ter em conta o património e as tradições. Não acho que ainda esteja a ser feito tudo o que é possível para a sua preservação, mas está a ser feito um trabalho nesse sentido.

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