Melinda Chan, deputada: “Nós, as mulheres, temos as mesmas capacidades”

A deputada Melinda Chan ainda não dá certezas quanto à sua candidatura nas próximas eleições para a Assembleia Legislativa. Ao HM, falou do caminho que percorreu e das suas prioridades. E apontou ideias pelas quais quer continuar a lutar

 

É candidata às próximas eleições legislativas?

Ainda estou a pensar. Tenho de reunir uma equipa e depois tenho de verificar o mais importante: saber se as pessoas também querem que eu continue. Não sou só eu que tenho de querer, o mais importante é sentir que sou apoiada.

Passou a ser deputada quando o seu marido, David Chow, deixou a Assembleia Legislativa (AL). Sente que foi um legado que herdou?

Candidatei-me pela primeira vez em 2009. O meu marido tinha sido deputado desde 1996, ainda antes da transferência de Administração. Eu já estava, desde 2002, à frente da associação de beneficência Sin Meng. Em 2009, existiram duas razões para que me sentisse motivada a candidatar-me à AL. Por um lado, David Chow reformou-se da função de deputado. Com a sua saída, as pessoas que ele representava ficariam sem um porta-voz que protegesse as suas opiniões. Era minha responsabilidade continuar o trabalho, até porque muitos dos problemas da altura ainda estavam sem solução. Por outro, ao lidar com os membros da associação que representam diferentes classes da população com necessidades também diferentes, senti que tinha a responsabilidade de trabalhar com eles.

Na altura, que necessidades exigiam uma intervenção mais urgente?

A segurança social, especialmente no que dizia respeito às pensões dos idosos. O montante era então de 1700 patacas e, na minha opinião, tinham de ser aumentadas para, pelo menos, três mil patacas. Ouvi dizer que seria uma missão impossível por ser um aumento muito grande. Mas certo é que consegui. Os cuidados hospitalares também eram urgentes. A população idosa tinha de esperar muito tempo para ser atendida. A lei do erro médico, recentemente aprovada, também foi uma luta. Outra causa que sempre tive foi a legislação contra a violência doméstica. O início da discussão na AL foi muito difícil e o mais importante era fazer entender aos deputados o que estava em causa.

Tem lidado com portadores de deficiência na sua associação.

As necessidades com os deficientes também são muitas. A ideia de aumentar os seus rendimentos ou os apoios financeiros do Governo não é suficiente. O cuidado para com esta população deve ser tido desde que nascem e começa no rastreio. É necessário formar equipas médicas capazes de os acompanhar e ajudar a obter ferramentas para que um dia possam ser o mais autónomos possível. O sistema educativo deve acompanhar estes cuidados e fornecer meios para acolher portadores de deficiência. Deve existir um ensino especial munido de profissionais e especialistas. Também acho que temos feito muitos progressos, mas o Governo deveria investir mais recursos financeiros na criação de toda uma estrutura capaz de ajudar esta população. Deveria ser dada em dois sentidos: cuidados médicos e educação especial. A percentagem de fundos dirigida a esta população em Macau ainda é muito reduzida.

Em 2013, dizia que uma das suas prioridades era a reforma de Administração Pública. Como correu este trabalho?

O problema da Administração Pública de Macau é, acima de tudo, a lentidão. Tudo o que se pretenda fazer implica demasiada burocracia. Precisamos de mudanças no sentido de diminuir o número de procedimentos. As decisões têm de ser mais rápidas na base. Por exemplo, a ponte Hong Kong-Macau- Zhuhai, irá abrir, em princípio, no final deste ano, mas, dadas as complexidades burocráticas, temo que o troço de Macau não possa estar aberto ao mesmo tempo que os outros. Macau vai ficar mais tempo isolado e gostava que isto não acontecesse. Já vivo aqui há cerca de 50 anos, já é a minha terra e gostava de ver o seu desenvolvimento mais fluido porque Macau é um bom sítio. Outra questão que não me agradava, por exemplo, há 30 anos, era a comparação de Macau a Hong Kong como se o território vizinho fosse a cidade grande e Macau um pequeno lugar. Mas penso que isso está a mudar. No entanto, tem de ser uma mudança apoiada e com consciência por parte de todo um Governo e de políticas que o permitam.

Como é que vê Macau enquanto “plataforma”?

Macau é muito especial porque temos vários contrastes que dificilmente se encontram noutros lugares. Temos a cultura chinesa e a ocidental dentro de uma cidade pequena. Temos património mundial a conviver com os casinos e hotéis de cinco estrelas. As pessoas podem ter contacto com coisas muito diferentes num pequeno espaço. Faz parte da identidade de Macau e até o Governo Central dá ao território uma denominação especial enquanto plataforma. Não nos podemos também esquecer que, aqui, convivemos com a língua portuguesa, pelo que temos uma situação privilegiada e que devemos usá-la da melhor maneira.

Como?

Podemos pensar em formas de melhorar o conceito de plataforma, tendo em mente a utilização da língua portuguesa. Na China Continental, mesmo em Cantão, há muitas fábricas que exportam os seus produtos. Macau podia ser o local de excelência a considerar na exportação dos produtos entre o Continente e os países de língua portuguesa enquanto plataforma logística. Hong Kong, por exemplo, tem um porto marítimo conhecido historicamente pelas trocas comerciais. Macau tem uma grande vantagem linguística e como tal podia investir no desenvolvimento de estruturas logísticas. Isto é só um exemplo de como podemos tirar o maior partido da “plataforma”. O território pode ter o mesmo papel que Hong Kong, mas enquanto o território vizinho leva muita coisa para o Continente, nós podíamos fazer o inverso: levar para os países de língua portuguesa. Posteriormente, poderíamos aproveitar os mercados em desenvolvimento e que estão muito perto de nós, como o Camboja e o Laos. Além de um porto para o efeito, podemos ainda usar a ponte que está a ser construída, desde que salvaguardemos a liderança nos processos logísticos. Também existe o problema do aeroporto. É muito pequeno e já não se adequa nem às necessidades turísticas enquanto centro de turismo mundial, nem às necessidades para transporte de cargas. Macau deveria ser uma plataforma comercial e logística.

A lei sindical não tem chegado a consensos. A sua opinião também não tem sido clara. Como é que vê uma futura implementação do diploma no território?

Sou a favor da criação da lei sindical, mas temos de resolver outro tipo de problemas antes para que seja viável. Macau é diferentes de outras regiões porque tem muitas associações de trabalhadores. No mesmo tipo de emprego, há várias associações. Este é um dos problemas. Há cerca de 700 associações neste momento, não seria fácil ter uma entidade de defesa, como um sindicato que agradasse a todas elas porque têm ideias e interesses diferentes. Por exemplo, só para os enfermeiros há várias e a questão é: quem é que os passaria a representar? Outra questão tem que ver com os financiamentos. Noutras regiões, os sindicatos não são subsidiados pelo Governo e têm de ir buscar os fundos aos associados. O que é que se pode fazer em Macau neste sentido, sendo que as associações são financiadas pelo Executivo? Em terceiro lugar, também gostaria de ver claro um outro assunto: se existirem associações sindicais e estas terminem a actividade, para onde vai o dinheiro que lhes pertence? Vai ser dividido pelos seus membros? Seria justo dividir o património pelos seus membros. Isto tem de estar definido por lei. Quando estas questões estiverem devidamente clarificadas, votarei a favor do diploma. Não sou em nada contra os princípios sindicais, mas tem de existir um limite nas associações sindicais e não sei como isso iria acontecer em Macau. Se vamos ter uma nova lei, deve ser justa para ambas as partes.

Se se candidatar nas próximas eleições, quais serão as suas prioridades?

Em primeiro lugar, estarei sempre junto daqueles que têm mais dificuldades em expressar-se. Por isso, estarei, mais uma vez, a lutar pela inserção da população portadora de deficiência. Esta população não tem capacidades para lutar pelos seus direitos. Penso também que Macau precisa de algumas mudanças e continuarei a reivindicar mais rapidez na administração pública. Quero, se possível, trabalhar na área dos negócios, essencialmente na variedade de emprego. Este objectivo está associado a um bom funcionamento da segurança social. Para termos um bom sistema, temos de garantir uma economia viva e diversificada. O Governo já disse que não podemos estar apenas dependentes dos casinos e que temos de ser diversificados. Eu quero pegar nesta ideia e promovê-la. Lido com muitos jovens que, depois de irem para a faculdade, regressam a Macau e não têm trabalho nas suas áreas porque não existem. Acho que é muito importante alargar os sectores de empregabilidade além do jogo e do turismo. É preciso promover mais escolhas e mais tipos de negócios.

Considera que a imigração rouba empregos aos locais numa sociedade em que o desemprego é residual?

A mão-de-obra estrangeira é importante para o desenvolvimento de Macau No que respeita a quadros especializados, o território precisa de chamar peritos de fora para trabalhar e, ao mesmo tempo, formar os nossos residentes. Precisamos de tempo para desenvolver as nossas capacidades. As pessoas saem da universidade sem experiência, é necessário que a adquiram com pessoas que a tenham, e ter peritos de fora a dar formação ajuda muito. Por outro lado, no que respeita a trabalho ligado ao serviço na hotelaria e construção, Macau precisa de importar mão-de-obra porque não temos pessoas para esse tipo de serviço.

No domingo passado, Carrie Lam venceu as eleições em Hong Kong. Que comentário faz?

Fiquei muito contente. Penso que é uma mulher muito trabalhadora e boa para as pessoas. Tendo em conta o seu trabalho nos últimos anos, tem mostrado que é responsável. Muitos países começam a ter mulheres como líderes. Penso que é muito positivo que a tendência esteja a acontecer em Hong Kong. Nós, mulheres, temos a mesma educação e as mesmas capacidades, pelo que espero que esta igualdade se comece a sentir na política. Também penso que as mulheres têm sensibilidade para coisas que os homens não têm.

O que acha da possibilidade de existir em Macau a eleição do Chefe do Executivo através de sufrágio universal?

Macau irá ter o sistema de voto universal, só não sabemos quando.

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