Os pronomes importam-se

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]orque é que os pronomes haveriam de se importar? Os pronomes, com a sua capacidade limitada de reflexão, ainda assim, importam-se com o género das pessoas. Na língua inglesa os pronomes estão em especial destaque porque é das poucas ocasiões em que reflectimos sobre a identidade de género da pessoa com quem comunicamos. Pois ora bem, os pronomes importam porque, se usados incorrectamente, podem ser entendidos como ofensivos. É claro que ninguém se chateia com a criatura que está a aprender uma língua nova e troca os géneros de tudo e todos. Mas para os proficientes que comunicam de forma adequada com o mundo, confundir um ele com uma ela, não é muito simpático. De uma forma silenciosa reforçam-se pré-concepções de sexo e de género, reforçam-se exigências que todos nós, de uma forma ou de outra, estamos constantemente a prescrever.

Começa logo desde muito cedo, com as roupas cor-de-rosa para as meninas e azul para os rapazes, ou com as histórias que lemos aos nossos filhos antes de dormir – estive no outro dia a ver um exercício onde mostravam a percentagem de livros infantis onde há meninas-guerreiras-fortes-heroínas: sem grandes surpresas, a quantidade era pequeníssima. As mulheres têm que vestir certas roupas, têm que entrar nas casas de banho com o bonequinho de saias, têm de uma data de coisas – tal como os rapazes. O que dificulta a criação de um espaço intermédio, que não seja ‘carne, nem peixe’, vá. As pessoas que não se identificam com um género ou outro (não quer dizer necessariamente que queiram ser do género oposto, podem simplesmente não se identificar com nenhum dos dois) vêm-se despojados de um apoio formal, e de um apoio linguístico.

Como vivemos num mundo ainda mais consciente da identidade trans e do espectro (flexível) de género, os pronomes começam a importar(-se) cada vez mais. E para as cabeças que julgam que a identidade trans é uma modernice, as provas não são poucas de que sempre existiu, desde o início dos tempos. Parece que estou a bater no ceguinho com estas coisas de género, sempre a repetir-me a mim própria, mas não me canso: o género não é determinado biologicamente.

Não vou apontar o dedo às pessoas que se confundem com as identidades de género, porque até os mais conscientes e sensíveis ao tópico podem enganar-se (os famosos viéses, já falei disso?). Contudo, temos que saber lidar com o engano e temos que aprender a escutar e a observar as necessidades identitárias dos outros. Se tens dúvidas, pergunta. Se te enganas, pedes desculpa e pedes que te expliquem. Simples. Difícil é viver num mundo que reconhece pouco esta diversidade. A complexificação para fora do binarismo sempre existiu, e foi reprimida durante demasiado tempo. Tabu? Sermos nós próprios pode algum dia ser considerado tabu?

Infelizmente, os pronomes (ou o género dos vocábulos) não têm acompanhado a nossa consciência libertária de que a biologia não explica tudo, muito menos o sexo. Por isso é que há movimentos que apoiam e divulgam formas de como lidar com os pronomes (esses diabinhos linguísticos). Há propostas para formas de escrita, para uma linguagem mais inclusiva – certamente já viram Car@s, Car*s, Carxs ou Cares. Há quem identifique à cabeça os pronomes pelos quais desejam ser tratados, seja feminino, masculino ou neutro. Em português ainda não temos um pronome oficialmente neutro, mas em inglês há tentativas de implementar o pronome they/them na forma singular para quem não se identifique com nenhuma das formas disponíveis – feminina ou masculina. A Suécia já foi um passo à frente e oficializou a existência do pronome pessoal neutro – usando o ‘e’. Agora disponível na nova edição do dicionário de Sueco, é correcto (e incentivado) usar o género neutro quando nos dirigimos a quem não se identifica com este mundo aborrecido do binarismo. Os pronomes importam-se, as pessoas que sentem os desafios da diferença diariamente, ainda mais.

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