Desrespeito à autoridade

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] desrespeito à autoridade, ou “desprezo pela polícia” para seguir o jargão americano (contempt of cop), tem sido ultimamente um dos tópicos de discussão em Hong Kong, no seguimento da prisão de sete agentes condenados a prisão por assalto. Há quem ache que a polícia pode ser insultada durante o cumprimento do dever.

A “Wikipedia” define o “desprezo pela polícia” nos seguintes termos:

“Desprezo pela polícia é o termo usado nos Estados Unidos para descrever comportamentos que os agentes considerem ofensivos à sua autoridade…. Quando se discute esta questão associa-se muitas vezes a detenções arbitrárias e ilegais, que frequentemente ocorrem na sequência da expressão e do exercício de direitos garantidos pela Constituição dos Estados Unidos. A reacção dos agentes ao “desprezo pela polícia” aparece muitas vezes relacionada com más condutas policiais, como o uso de força excessiva ou mesmo violência policial, e não como uma resposta legítima para impor a Lei.

As prisões motivadas por desrespeito à autoridade podem ter origem em certos tipos de comportamento “arrogante” que, segundo o agente em questão, põe a sua autoridade em causa. Na perspectiva destes agentes o “desprezo pela polícia” implica desrespeito e falta de deferência (desobediência a instruções, manifestação da vontade de participar do agente). Fugir à polícia também é considerado uma forma de desprezo pela autoridade. Estas situações podem ser potenciadas se estes comportamentos alegadamente desrespeitadores forem presenciados por outros agentes.”

Mas o desrespeito à autoridade não está apenas previsto nos EUA, em Macau também é considerado na lei. Se repararmos nos artigos 129 (2) (h), 175, 176 e 178 do Código Penal, constataremos que uma ofensa a um agente da autoridade, que se encontre no exercício das suas funções, tem uma penalização 1,5 vezes superior ao normal.

A legislação sobre os actos de desrespeito à autoridade pode dar mais protecção à polícia e vir a evitar que os agentes sejam insultados durante o cumprimento do dever. Como podemos ver pelas notícias, actualmente em Hong Kong as relações entre aqueles que exercem o direito de associação e assembleia e a polícia não são as melhores. E isto porque a força pode estar envolvida. Mas mesmo que essa força não se faça sentir, os comportamentos dos manifestantes envolvem habitualmente gritos e insultos à polícia. Estas atitudes podem despertar ressentimentos nas autoridades. Depois da Fish Ball Riot (Revolta das Bolinhas de Peixe), no ano passado, e da recente condenação de sete polícias, não é de admirar que estas questões sejam assunto de conversa em Hong Kong.

Se o Governo de Hong Kong quiser manter este tipo de legislação as seguintes questões terão de ser consideradas.

Em primeiro lugar, é importante que os residentes de Hong Kong saibam o que cabe exactamente no conceito de “Desrespeito pela Autoridade”. Que tipo de acções podem ser consideradas insultuosas para agentes no exercício das suas funções? Por exemplo, utilizar uma linguagem vulgar pode ser considerado desrespeito pela autoridade? Gritar com o agente pode significar desprezo pela polícia? É preciso não esquecer que, de acordo com as normas da Força Policial de Hong Kong, mesmo que um agente esteja fora de serviço é sempre considerado um agente e terá de ser tratado como tal. Se usar uma linguagem vulgar e gritar com um agente pode significar desprezo pela polícia, então será sempre necessário dirigirmo-nos às autoridades de forma educada.

Em segundo lugar, se a legislação sobre esta matéria for aprovada, é preciso saber a que força disciplinar caberá a responsabilidade da sua aplicação. A resposta é: à Força Policial de Hong Kong. Se alguém se dirigir a um polícia de forma rude, este pode prende-lo por desrespeito à autoridade. Nesse caso que atitude deve a pessoa adoptar? Pode manter a atitude insultuosa, pois já que quebrou a lei uma vez, pode quebrar meia dúzia que vai dar ao mesmo. Saliente-se que, se a pessoa for presa por insultar um polícia, pode oferecer mais resistência. A legislação em casos de desrespeito à autoridade pode colocar numa posição injusta quer o agente quer o cidadão. Podem sair ambos a perder.

Em terceiro lugar é preciso perguntar porque é que esta legislação só contempla a polícia. E os outros funcionários públicos? É forçoso que nos lembremos que muitos funcionários do governo desempenham funções de atendimento ao público. Se a polícia precisa de protecção, porque é que os outros funcionários públicos não beneficiam de igual apoio? Parece ser um pouco injusto.

A ideia de penalizar o desrespeito à autoridade é boa. Dará mais protecção à polícia, sobretudo se algumas pessoas se portarem de forma irracional. Este tipo de legislação pode, em certa medida, travar os comportamentos desajustados. Mas como actualmente em Hong Kong os conflitos entre os residentes a polícia tendem a aumentar, não vai ser tarefa fácil. Se desta vez o projecto de lei for rejeitado pelo Conselho Legislativo, não parece que algum dia venha a passar. Neste sentido, é bom que o Governo de Hong Kong pese todas estas questões cuidadosamente antes de tomar qualquer decisão.         

Professor Associado do IPM
Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
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