China | Deng Xiaoping morreu há vinte anos

[dropcap style≠’circle’]V[/dropcap]inte anos depois da morte de Deng Xiaoping, o líder que abriu a China à economia de mercado, resta em Pequim pouco de herança operária, arrasada para dar lugar a torres envidraçadas e complexos luxuosos. No centro da capital chinesa, porém, um prédio semi-devoluto de oito andares remete para a ortodoxia comunista que perdurou na China durante o reinado de Mao Zedong (1949 – 1976).

O edifício ‘Fusuijing’ foi construído em 1958, inspirado no “Grande Salto em Frente”, uma campanha lançada por Mao para “acelerar a transição para o comunismo”, através da colectivização dos meios de produção.

“Não importava qual a posição ou autoridade de quem vinha para aqui morar, as casas eram gradualmente ocupadas, sem olhar a classes”, conta Zhang Qiwei, 60 anos, que viveu quase toda a vida no prédio.
Nenhum dos apartamentos tem cozinha: os habitantes comiam juntos numa cantina comum, segundo o espírito revolucionário da época. Espaços para ler, jogar xadrez ou para as crianças brincarem eram também partilhados.
“Alguns populares viviam até em casas melhores do que membros da marinha, exército ou força aérea”, diz Zhang Qiwei.
“Agora, os funcionários do partido moram em vivendas, enquanto o trabalhador não tem onde viver”.
Hoje, emaranhados de fios eléctricos, paredes descascadas e tralha amontoada nas escadas ilustram a degradação do edifício, situado a poucos quilómetros do bairro de Fuxingmen, sede de algumas das maiores empresas da China.
Automóveis Porsche, Ferrari ou Maserati são ali às dezenas, enquanto espaços outrora associados a um estilo de vida burguês – centros comerciais ou lojas de luxo – se multiplicaram nos últimos anos a um ritmo ímpar.
Mas para os chineses da geração de Zhang Qiwei, formados num ambiente de extrema politização, a realidade gerada pelas reformas económicas promovidas por Deng Xiaoping é difícil de aceitar.
“O povo está dividido; existe um materialismo excessivo”, refere. “No período de Mao Zedong, trabalhava-se arduamente sem pensar em dinheiro: lutava-se por um ideal comum”. “Hoje, as pessoas ganham dinheiro, mas não dão o litro”, diz Zhang.

Prós e contras

Para os maoístas, Deng Xiaoping, que morreu a 19 de Fevereiro de 1997, é culpado por problemas como a corrupção e desigualdade social, as duas principais fontes de descontentamento popular na China actual.
Afastado duas vezes por Mao, Deng, um antigo “seguidor do capitalismo”, assumiu o poder poucos anos após a morte do fundador da República Popular.
O desenvolvimento económico – e não o “aprofundamento da luta de classes”, como no tempo de Mao – tornou-se “a tarefa central”.
A pobre e isolada China, que vivia até então num universo à parte, mergulhada em constantes “campanhas políticas”, converteu-se em 40 anos numa potência capaz de disputar a liderança global com os Estados Unidos.
“Após a China adoptar a política de reforma e abertura, o nível de vida do povo melhorou”, conta Zhang Yan, de 66 anos, e também residente de longa data no edifício.
“Quem foi perseguido [durante o maoísmo] tem de agradecer muito a Deng Xiaoping”, acrescenta.
Zhang e os pais foram vítimas da Revolução Cultural, uma radical campanha política de massas lançada por Mao para “aprofundar a luta de classes sob a ditadura proletária”.
Entre 1966 e 1976, dezenas de milhões de pessoas foram perseguidas, presas e torturadas sob a acusação de serem “revisionistas”, “reaccionárias” ou “inimigos de classe”.
Só no interior da China, estima-se que a violência tenha deixado 750.000 mortos.
Após a morte de Mao, contudo, os seus mais fiéis seguidores, incluindo a mulher, Jiang Qing, acabaram na prisão, e o próprio Partido Comunista Chinês classificou aquele período como “o maior erro e o mais grave retrocesso da história do socialismo na China”.
“Foi muito doloroso”, recorda Zhang Xiaoyan sobre a Revolução Cultural. “Sem a política de Deng Xiaoping, o meu pai ficaria para sempre marcado como um elemento negro”, conclui.

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