China | História de um designer português ao serviço da IKEA

[dropcap style≠’circle’]R[/dropcap]adicado na China desde 2012, o português Filipe Martins trabalha para a multinacional sueca Ikea em Tianjin, cidade portuária do nordeste chinês, onde aprendeu a viver com uma “raiz humana completamente diferente da nossa”.

“Tem sido muito interessante: ver a cultura corporativa sueca aplicada a um contexto do norte da China, que é bastante particular”, conta à agência Lusa o designer de 33 anos. “Sinto que a minha cultura está um pouco entre estas duas culturas”, diz.

Natural de Lisboa, Martins desembarcou em Tianjin há quatro anos para estudar chinês. “Cheguei a uma altura em que queria mudar de vida”, recorda.

A primeira visita ao país asiático ocorreu em 2009, numa viagem organizada pelo Instituto Confúcio, organismo patrocinado por Pequim para assegurar o ensino da língua chinesa.

“Foi um admirável mundo novo”, recorda. “Viver na China é capaz de ser das experiências mais semelhantes a viver noutro planeta”.

“Com pessoas que são iguais a nós e que têm os mesmos prazeres na vida, mas que fazem isso de uma forma muito diferente da nossa e que agem por princípios completamente distintos”, diz.

No ano passado, foi contratado pelo grupo de mobiliário Ikea como designer da loja em Tianjin: “Sou responsável por tudo o que estimula a visão”, explica.

A partir da sua experiência no país, Filipe Martins contraria a ideia de que os chineses são pouco criativos.

“A criatividade existe. Simplesmente, não têm muito à-vontade”, afirma. “Os chineses temem muito o erro, devido à responsabilidade que não querem assumir”.

Nas lojas do Ikea na China é frequente ver pessoas que recorrem aos móveis expostos para descansar, em lazer ou até para dormir.

Em Outubro passado, a direcção do grupo em Xangai proibiu mesmo os clientes de permanecerem muito tempo no restaurante da loja sem consumirem, depois do espaço se ter tornado local de convívio entre idosos.

“Os chineses estão muito à vontade para na loja do Ikea se sentarem, deitarem ou adormecerem”, conta Filipe Martins. “Não têm as mesmas inibições sociais que nós temos”, explica.

Influências limitadas

A conversa com a agência Lusa decorreu na zona antiga de Tianjin, cidade outrora sob domínio estrangeiro e hoje uma das quatro cidades com estatuto de município – as outras três são Pequim, Xangai e Chongqing.

Em Tianjin, a China foi forçada, no final do século XIX, a conceder uma área com oito quilómetros quadrados às principais potências estrangeiras, criando uma malha urbana de raiz europeia que ainda hoje se mantém.

Os edifícios, de traço arquitectónico alemão, francês ou italiano, servem agora como restaurantes, cafés ou galerias, onde ocorre a emergente classe média local.

No entanto, Filipe garante que a influência estrangeira na cidade se ficou pela arquitectura. “O ‘software’ é ainda muito tradicional”, diz.

Quanto ao que sente mais falta em Tianjin, o designer responde sem hesitar: “O mar”.

“Tianjin tem um mar, mas é um mar interno. Não tem ondas. Sinto muitas saudades das ondas da costa da Caparica, da espuma, da ferocidade do mar no inverno”, afirma.

“Quando descrevo aos chineses o mar de onde venho, o oceano, eles ficam assustados e maravilhados ao mesmo tempo”.

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