Taça do Mundo de GT em Macau não gera consensos

[dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]uando o Eurosport Events e então Comissão do Grande Prémio de Macau não renovaram o contrato para o regresso em 2015 do Campeonato do Mundo FIA de Carros de Turismo (WTCC) ao Circuito da Guia, a Taça do Mundo de GT da FIA foi apresentada com pompa e circunstância como “cabeça de cartaz” do evento. Todavia, depois de duas edições, ambas disputadas em Macau, a prova, que ainda não consta do calendário internacional da Federação Internacional do Automóvel (FIA), está sob fogo cruzado.

No seguimento do aumento do envolvimento dos grandes construtores automóveis na categoria GT3, a FIA achou por bem criar um troféu para colocar as marcas frente-a-frente numa categoria inicialmente concebida para pilotos e equipas privadas. Quando Baku, a capital do Azerbaijão, optou por acolher o Grande Prémio da Europa de Fórmula 1, em vez desta Taça do Mundo, a FIA encontrou em Macau o palco ideal para a sua realização. “O objectivo da Taça GT Mundial da FIA é trazer os carros de GT melhores e mais rápidos, bem como acolher equipas e pilotos para correrem num local com prestígio. Quando a FIA considerou pensar num circuito para realizar o primeiro evento mundial, pretendíamos atrair o melhor, tinha que ser apelativo para os fabricantes e para os pilotos, e poder oferecer algo especial”, proferiu Christian Schacht, Presidente da Comissão de GT da FIA, no dia da apresentação da taça.

Contudo, após duas edições, a localização da prova está a ser posta em questão pelos intervenientes. Para se perceber porquê é preciso recuar até Novembro de 2016. A corrida de 18 voltas teve apenas quatro e terminou com o carro vencedor virado ao contrário e o público a assobiar a decisão de dar por finalizada a corrida com apenas quatro voltas cumpridas. Um acidente logo na volta inicial, que danificou as barreiras de protecção na Curva dos Pescadores, obrigou à amostragem da bandeira vermelha. No recomeço, e como a reparação necessária foi longa, apenas 15 minutos extra foram atribuídos à corrida. Earl Bamber, em Porsche, colou-se ao então primeiro classificado Laurens Vanthoor e passou-o. Na vã esperança de recuperar o lugar, o piloto belga exagerou na Curva do Mandarim. O piloto da Audi passou por cima do corrector interno, perdeu o controlo do carro, bateu nas barreiras de protecção do lado oposto e o Audi R8 levantou voo, terminando de rodas no ar. Apesar do aparatoso acidente, intensamente partilhado nas redes sociais, Vanthoor não se aleijou, saiu pelo próprio pé e ainda celebrou o triunfo.

O resultado não foi de todo do agrado das marcas rivais, tendo a Porsche e a Mercedes-Benz mostrado o seu desagrado pela decisão da direcção de prova, ameaçado até não regressar e levar a prova a discussão no próximo Conselho Mundial da FIA.

Infelizmente, até ao fecho desta edição, e mesmo após várias insistências do HM, não foi possível obter um comentário sobre o assunto da federação internacional.

Em 2016 construtor de Weissach foi o primeiro a assumir a participação oficial na prova. Este ano, a Porsche, a principal derrotada em 2016, ainda não confirmou se regressará ao Circuito da Guia. Primeiro, porque a equipa oficial do construtor de Weissach está de volta ao Campeonato do Mundo FIA de Endurance (WEC), cuja prova do Bahrein coincide mais uma vez na data com o Grande Prémio de Macau. Segundo, a Porsche, que apostou forte em 2016, não gostou do final desse fim-de-semana.

Para Frank-Steffen Walliser, o responsável máximo da Porsche Motorsport, se a prova recebeu o título de Taça do Mundo da FIA, então “deve ser claro que é o acto principal e que há tempo suficiente para fazer o que é necessário. E ficar sem tempo numa Taça do Mundo FIA não é apropriado”, disse o responsável germânico. Questionada pelo HM, sobre se tem planos para voltar à RAEM em 2017 ou a comentar o que pensa da própria corrida, a Porsche Motorsport ficou-se por um lacónico “não comento”.

Audi Alinha

A Audi foi das primeiras marcas a apostar na renovada prova de GT da RAEM, até mesmo antes desta ter o estatuto mundial que hoje tem. O sul da China continua a ser um mercado importantíssimo e não foi por acaso que 500 convidados estiveram presentes numa cerimónia realizada pela Audi no hotel JW Marriott durante o evento. “O Grande Prémio de Macau marca uma das datas mais importantes no nosso calendário e é um importante palco de testes para a nossa tecnologia de ponta”, disse o director da Audi Hong Kong, Rene Koneberg, na abertura desta mesma cerimónia. Portanto não é com surpresa que o construtor de Ingolstadt defenda o regresso às ruas do território da prova.

“Para um evento excepcional como a Taça do Mundo FIA de GT, precisas também de uma pista especial. Não há dúvida de que o circuito de Macau tem essa condição. É uma pista com o seu próprio ADN, como o Nürburgring Nordschleife na Alemanha ou Bathurst na Austrália”, afirmou ao HM, Chris Reinke, director da competição-cliente da Audi Sport. Contudo, o dirigente alemão realça que “a forma como a corrida se desenrolou em 2016 esteve longe de ser perfeita. Mas eu penso que devemos olhar para os procedimentos de corrida em primeiro lugar, em vez de questionar se Macau é o local certo para este evento”.

Mesmo depois ao escândalo das emissões poluentes que está a abalar o Grupo VAG e com reflexos negativos na competição automóvel, o autónomo departamento de competição-cliente da Audi mantém-se a funcionar e para tal, no fim do dia, o que mais importa para os alemães é que a Taça do Mundo  continue, independentemente do circuito ou país. “No final do dia, cabe ao promotor escolher a pista adequada para a Taça do Mundo da FIA, e depois nós iremos comprometer-nos com este evento, seja em Macau ou num qualquer outro lugar”, exalta Reinke.

A Mercedes-Benz, a Lamborghini, a Aston Martin e a McLaren foram os outros fabricantes que estiveram presentes nas edições passadas desta prova. Se para a Mercedes-Benz, vencedora da Taça em 2015 com Maro Engel, a prova de Macau é usada também com o propósito  de promover a marca desportiva AMG, já o mesmo não se pode dizer dos outros construtores.

“A Lamborghini só está envolvida na competição cliente, não entramos como equipa oficial”, esclareceu uma fonte oficial do construtor italiano ao HM. “Se uma das nossas equipas quiser participar na Taça do Mundo, como em 2016 a FFF Racing Team, então teremos todo gosto em apoiá-los, como é habitual”, informou.

Já os dois construtores britânicos não repetiram a experiência de 2015 em 2016 por falta de equipas parceiras na região, como noticiado anteriormente pelo HM.

Pilotos a favor

“É algo que nós temos que pensar no futuro com a FIA, se é que realmente querem continuar a fazer a Taça do Mundo nesta pista, porque o resultado não é representativo e não é bom para os fãs”, desabafava o francês Kevin Estre, piloto da Porsche e segundo classificado na corrida do ano passado, após a corrida. Apesar de todas as limitações do Circuito da Guia, para Álvaro Parente, o único piloto com licença desportiva de Portugal a ter participado nesta prova, em 2015, faz todo o sentido manter Macau como palco deste evento.

“O Circuito da Guia é muito exigente e muito diversificado e onde os pilotos ainda podem fazer a diferença. Acho que é um grande palco para realizar a Taça do Mundo”, disse o piloto da McLaren GT ao HM.  Contudo, para o portuense “talvez se tenha que dar mais alguma importância à competição – com mais tempo de pista – e talvez devam exigir pilotos mais experientes. No entanto, o ano passado foi um piloto muito experiente que causou a situação mais caricata”.

A opinião do piloto português é partilhada por vários colegas de profissão, a começar pelo próprio Laurens Vanthoor que acabou por ser o principal responsável por este debate.

“Esta é uma pista onde os melhores pilotos de GT e marcas devem competir”, disse aos jornalistas o belga vencedor da prova, momentos depois do episódio do fim-de-semana de Novembro. “Foi uma corrida infeliz e foi bom que a tenham parado”, lamentou, realçando que “no entanto, talvez devêssemos ter a certeza que haverá uma almofada maior de tempo para fazer a corrida. No final, foi o que aconteceu, não nos foi dada a oportunidade de ir novamente para a pista. É claro que haverá sempre “Safety-Cars” e bandeiras amarelas…”, conclui o vencedor da Taça do Mundo, que um mês depois do Grande Prémio de Macau trocou a Audi pela rival Porsche.

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