Estudo detecta contribuições de Hong Kong para maiores protestos em Macau pós-99

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s protestos de 2014 de Macau “não surgiram do nada”, numa cidade que “nasceu da corrupção”, e foram impulsionados pelos media de Hong Kong e redes sociais, conclui um estudo publicado este mês. Entre Maio e Agosto de 2014, Macau assistiu a três frentes de protesto que levaram milhares de pessoas à rua, numa das ocasiões gerando a maior manifestação (cerca de 20 mil pessoas) desde a transferência de Administração em 1999: um movimento contra uma lei que previa regalias para titulares dos principais cargos políticos, um referendo civil sobre a eleição do chefe do Governo (considerado ilegal pelas autoridades) e múltiplos protestos dos trabalhadores do jogo

Estes “foram únicos na história da cidade” desde a transferência, “em termos de escala, meios de participação e parcialmente devido à natureza das próprias exigências”, argumenta Albert Wong no estudo da Universidade de Macau “The Summer 2014 protests in Macau: their contexts and continuities”, publicado este mês na Asian Education and Development Studies.

Wong aponta para uma confluência de factores correntes e históricos numa cidade com “história de corrupção e protestos contra ela”. Macau, diz, “nasceu de corrupção”, indicando que quando os portugueses chegaram à cidade em 1553 “subornaram” um dirigente chinês para que os deixasse secar as mercadorias após uma tempestade, “e eventualmente acabaram por se estabelecer”.

O investigador refere depois as suspeitas de corrupção em torno do governador Carlos Melancia, nos anos 1990, e a condenação do secretário para os Transportes e Obras Públicas Ao Man Long, em 2008.

A este contexto, Wong adiciona o falhanço da reforma política de 2012, que não resultou numa maior voz dos eleitores, e elementos como a instalação de ‘conselhos distritais’ não eleitos.

Assim, “não é difícil perceber porque é que o público sentiu grande desespero e uma acção directa se tornou necessária pela altura dos protestos contra a lei das garantias”, uma proposta apresentada pelo Governo a três meses das eleições para o Chefe do Executivo e que previa elevadas compensações para os titulares dos principais cargos políticos após o fim das funções políticas.

O que o povo diz

Com as “sementes lançadas”, as redes sociais vieram dar um contributo essencial. Além de convocarem os protestos, plataformas como o Facebook foram usadas para pressionar os deputados a rejeitar a proposta de lei. Segundo Wong, alguns tiveram mesmo de encerrar as suas contas perante o influxo de mensagens.

Apesar de o descontentamento não vir expresso nos jornais chineses de Macau, o assunto era debatido “em restaurantes e autocarros, tanto entre a classe média, como na baixa”. Houve ainda outro empurrão fundamental: “Foram os jornais e revistas de Hong Kong, disponíveis nos quiosques e lojas de conveniência de Macau, que disponibilizaram uma fonte imparcial de comentário aos cidadãos de Macau”.

Apesar desta convergência de “precedentes e influências da actividade contemporânea acima do expectável”, o desenvolvimento social e político desde 2014 “não parece prometedor”, com a detenção temporária de alguns activistas, o afastamento de pelo menos dois académicos e a introdução de educação patriótica nas escolas, entre outros factores, remata Wong.

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