Afastados 排华 Julie O’yang

[dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]uem havia de dizer que nos nossos dias as notícias sobre refugiados e chacinas étnicas voltavam a encher páginas de jornais, fazendo-nos recuar a um passado por demais sinistro. Neste mundo de Deus já só há reedições.  Seguindo esta linha de pensamento, veio recentemente parar-me às mãos o livro Afastados: A Guerra Esquecida contra os Americanos Chineses de Jean Pfaelzer. Trata-se de uma história chocante que ainda continua por contar, senão mesmo escondida. Nos finais do séc. XIX, inícios do séc. XX, milhares de imigrantes chineses foram alvo de motins e de outros actos de violência que tinham como objectivo afastá-los das cidades americanas da costa oeste. A história pouco conhecida sobre a qual o Professor Pfaelzer escreveu ensinou-me duas coisas: 1. Neste mundo já foi tudo visto. 2. Os chineses não se deixam ficar. E também serve para que os milhares de chineses apoiantes de Trump, que bradam sobre o “autoritarismo carismático” da personagem”, pensem melhor. Há pouco tempo recebi pelo Wechat a imagem de uma pedra tumular que tinha gravada uma mensagem que gostava de partilhar com os meus leitores.

“Primeiro vieram buscar os comunistas. Como não era comunista, não protestei.

“Depois vieram buscar os judeus. Como não era judeu, não protestei.

“A seguir vieram buscar os sindicalistas. Como não era sindicalista, não protestei.

“Depois vieram buscar os católicos. Como não era católico, não protestei.

“No fim vieram buscar-me a mim e ninguém protestou.”

Por isso da próxima vez tentem ser um bocadinho menos egoístas, está bem?

E agora um excerto de Afastados: A Guerra Esquecida contra os Americanos Chineses:

Às 9.00 da manhã de 3 de Novembro de 1885, as sirenes apitaram em todas as fundições e fábricas de Tacoma, para anunciar o início da expulsão dos chineses da cidade. Os bares fecharam e a polícia montou guarda, enquanto quinhentos homens, brandindo cacetes e pistolas, se dirigiram ao bairro chinês para despejar todas as casas e atirar os seus conteúdos no cais. No início da semana, quando se aperceberam do clima ameaçador que pairava no ar, quinhentos chineses fugiram de Tacoma. Aos que ficaram foram dadas quatro horas para deixar a cidade. Em desespero, tinham de guardar anos de vida em sacas, trouxas e cestas, penduradas em varas apoiadas nos ombros— com colchões, roupas, tachos e alguma comida. Ao meio-dia, a multidão começou a arrancar os trabalhadores chineses das suas casas, a pilhar as roupas e a atirar as mobílias para o meio da rua. Os comerciantes chineses rogaram ao Mayor e ao Xerife que lhes dessem mais 24 horas para desmontar as lojas.

Ao início da tarde daquela fria terça-feira, vigilantes armados escoltaram duzentos homens e mulheres chineses até às docas. O Governador do Distrito de Washington, Watson C. Squire, fez vista grossa aos muitos telegramas vindos da China, que solicitavam a sua intervenção. O Mayor e o Xerife fecharam-se no edifício da Câmara enquanto a multidão conduzia os chineses, debaixo de chuva torrencial, ao longo de uma linha de comboio lamacenta que se estendia por 15 quilómetros para lá da cidade. As mulheres dos comerciantes, impossibilitadas de fazer o percurso a pé por causa dos pés enfaixados, foram atiradas para vagões.

Lake View Junction era uma estação da linha ferroviária do Pacífico Norte, que tinha sido construída por trabalhadores chineses. Um pequeno número de desalojados encontrou abrigo nas barracas de armazenamento, nos estábulos, ou dentro do exíguo edifício da estação. A maioria pernoitou ao ar livre. Durante a noite, que estava fria e chuvosa, dois ou três comboios pararam na estação. As pessoas que tinham algum dinheiro pagaram seis dólares para apanhar o comboio para Portland e para Oregon. Outros apinharam-se num comboio de mercadorias. Os restantes iniciaram uma caminhada de 150 quilómetros para sul, em direcção à Chinatown de Portland, onde esperavam encontram refúgio numa comunidade que se tinha recusado a obedecer à ordem de abandonar a cidade. Durante vários dias foram vistos a seguir a linha do comboio. Houve também quem tivesse fugido para o Canadá.

Dois dias mais tarde a Chinatown de Tacoma foi destruída pelo fogo.

Jean Pfaelzer, “Afastados: A Guerra Esquecida contra os Americanos Chineses Comunicado da Universidade da Califórnia”, 2008

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