Os caladinhos

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] uma boa notícia: há duas listas candidatas às eleições para a Associação de Pais da Escola Portuguesa de Macau. É uma boa notícia por várias razões, a começar pelo facto de dois, neste tipo de situações, ser sempre melhor do que um.

Dois significa possibilidade de escolha, é sinónimo de pluralidade de ideias, oferece debate. Dois é um número que vem para a rua e traz com ele aquilo que não deve ficar dentro de portas, no segredo de deuses empedernidos. Dois é bom porque é mais – e há alturas em que ser mais é ser saudável, forte, visível. Quando se é apenas um, corre-se o risco de se ficar esquecido, escondido, perdido na unitária solidão.

A existência de duas listas candidatas é também sinal de interesse visível pelo projecto da Escola Portuguesa. Acredito que todos – ou pelo menos a grande maioria – dos pais que tiveram filhos no estabelecimento de ensino ao longo destes anos se interessaram pela escola. Mas todos sabemos como é que as coisas são: os dias passam depressa, os anos também, há o trabalho e há os filhos, os que andam na escola e os outros, há tudo e não há tempo para tudo. Há que fazer escolhas e essas opções passam, muitas vezes, por deixar de fora uma certa participação cívica que faz bem e que, acima de tudo, é necessária, muito necessária.

O facto de haver pessoas suficientes para a constituição de duas listas revela uma dinâmica interessante numa comunidade que nem sempre tem espaço, oportunidade e margem de manobra para trabalhar por ela e para ela.

É uma comunidade – e é da minha comunidade que falo – que também falha por, frequentes vezes, emudecer perante as coisas que lhe estão mais próximas e pelas coisas de Macau, aquelas que são transversais a questões identitárias. Faz parte do modo como se organiza – ou como não se organiza, porque não tem necessariamente de se agrupar. Faz essencialmente parte da maneira como se tem constituído: de forma esparsa e provisória, como se Macau fosse um favor, como se fosse um acto de caridade, como se fosse uma realidade temporária, com os dias contados.

Nota-se isto em quem chega agora, em que tem chegado nos últimos anos. Com os dias da Administração portuguesa cada vez mais distantes, com os obituários que se vão acumulando sobre pessoas da comunidade que, numa e noutra área, pelas mais diversas razões, deixaram marcas na cidade, o grupo (em sentido alargado) vai crescendo de forma desencontrada. De forma silenciosa.

O silêncio deve ser respeitado – mas não é necessariamente bom se for justificado com o medo de, o receio de, os problemas com, o não tenho nada que ver com isto. Toda a gente tem tudo que ver com isto, porque é aqui que vive. O silêncio deve ser respeitado, mas virar as costas ao exercício da cidadania e querer que os outros façam o mesmo é um caso mais complicado.

A cidadania assume muitas formas. Tem muitos contornos. O associativismo é só um deles, mas é importante. Dois é melhor do que um porque nos obriga a tirar a poeira dos ombros. Que haja sempre tudo em duplicado, que o silêncio da solitária unidade tem dias é que é insuportável.

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