Que estamos nós aqui a fazer, tão longe de casa? | 19 – A viúva

* por José Drummond

[dropcap style=’circle’]M[/dropcap]al o líder entrou murmurou algo ao ouvido do homem de rabo de cavalo. Um sinal com a cabeça e fui de seguida enviada para o quarto e obrigada a esperar. Um dos outros subalternos entrou comigo e fechou a porta atrás de si. Sentei-me na cama. Não sei quanto tempo esperei. Esperei até que se fez noite. Esperei até começar a adormecer. De repente ouvi um som. Estava já deitada. Era o líder que entrava no quarto enquanto o subalterno saia. Pensei rapidamente no que fazer. Por nenhuma razão queria ter sexo com este homem horrível. “Posso fazer alguma coisa por si?” perguntei. “Antes de mais preciso de uma massagem”, disse ele esticando-se na cama. “Muito trabalho? Precisa de relaxar?”, digo eu. “Sim, tem tudo sido demasiado intenso”, responde ele. Sorri e aproximei-me dele. “Sinto muito em dizer isto, mas temo que não que eu possa fazer muito pouco por si nessa área. As minhas qualidades são especialmente expressas na mesa de jogo. Tenho, no entanto, a esperança de o poder agradar”, disse-lhe.
“O meu problema é que os meus músculos ficam frequentemente duros, especialmente nos momentos em que tenho que tomar decisões”, disse ele. “Por vezes é tão intenso que não consigo literalmente mexer qualquer músculo”, continuou. “E fico assim durante horas. Tudo o que posso fazer nesses momentos é arranjar um pretexto junto dos outros para me retirar e rapidamente vir deitar-me”, rematou. “Eu não sou para este mundo”, pensei.

Não feches os olhos. Esta história é importante e tenho que a contar antes de um cliente que estou à espera chegar. O líder, pessoa temível estava ali à minha disposição e em posição vulnerável. No entanto eu não conseguiria escapar aos seus rapazes na sala. Tinha que tentar com que ficássemos sozinhos na suite, coisa que parecia impossível de acontecer. “Não sinto nenhuma dor em especial. É mesmo um bloqueio terrível. Todos os músculos do corpo ficam rígidos e eu tenho simplesmente que passar a uma posição imóvel. Por vezes nem sequer consigo mover um dedo”, disse ele. Eu nada disse olhando para ele com a doçura mais falsa com que consegui. Não é difícil mentir mas fazeres-te passar por outro tipo de pessoa é extremamente exigente. Não é coisa para todos. Tentei fazer conversa. “Talvez precise de uma mulher a tempo inteiro. Uma mulher que o faça esquecer de todas essas tensões e decisões difíceis a que está sujeito no dia a dia”, disse-lhe enquanto lhe comecei a massajar as costas. Comecei a ter uma estranha sensação que me percorria o corpo todo. Enquanto o massajava nas costas a minha cabeça começou a trair-me e os meus pensamentos começaram a tentar encontrar saídas para um labirinto de emoções que me surgiram inexplicavelmente. Um fio de suor começou a correr na minha fronte. Os nervos passaram a ligeira excitação. Aquele homem, sem que eu desse por isso, tinha conseguido cativar outras energias dentro de mim. Energias, para as quais eu não estava preparada. Aquele homem que eu tinha que matar estava ali à minha mercê e, sabe-se lá porquê, havia despertado em mim pensamentos sexuais. Os nossos destinos cruzados como que por mera casualidade e o meu corpo a trair-me. E a minha cabeça a trair-me. Eu tinha um papel naquela história e não passava por desenvolver qualquer tipo de atracção. “Não há nada neste mundo que substitua o que sentimos. Nada que ultrapasse a voz do coração”, disse ele como se conseguisse pressentir o meu corpo a tornar-se quente. Como se conseguisse ler os meus pensamentos. “Reparei, quando sorriu, que a sua boca é realmente muito bonita, muito bem desenhada”, continuou. Sem perceber tinha parado de o massajar, ele havia se virado e estávamos a beijar-mo-nos. Lágrimas derramaram pelos meus olhos sem ordem alguma. Chorava por tudo o que tinha perdido. Chorava por tudo o que estava prestes a perder. Ele nada fez. Continuou a beijar-me e acariciou-me com ternura até que chegou um ponto no qual eu não podia chorar mais. As minhas defesas estavam completamente em baixo e a minha máscara prestes a cair. Uma voz no fundo da cérebro começou a ecoar relembrando-me da minha missão. As lágrimas secaram numa parede invisível e fria. A assassina estava de volta. Lutava com a mulher que eu sempre escondi existir em mim. Uma mulher frágil. Vulnerável. Que deseja ser feliz. Que deseja amar. Que queria aquele homem naquele preciso momento. Imensamente. Que queria embarcar numa loucura. Ele abraçou-me e começou a despir-me. Aquela voz começou a lançar um alerta. Uma alerta incessante. Do outro lado uma outra voz se opunha. Questionava a missão. Queria acreditar no mundo e nas pessoas. No amor. Queria acreditar na possibilidade do amor. Da felicidade. O alerta recordou-me, enquanto as suas mãos desciam para me acariciar o sexo, de que existia algo escondido no seu interior. Dei um salto para trás e quase deitei tudo a perder. O penso higiénico com o batom de segurança. Tinha que o tirar. Ri-me nervosamente. “Estamos a ir muito rápido. Deixe-me vestir uma lingerie mais sensual”, e fugi para a casa de banho. E o resto é um dos meus maiores erros. Retirei o penso. Vesti uma lingerie super sexy e voltei à cama onde me deixei prolongar em espasmos. Ele foi o melhor amante que alguma vez tive. Porque hei-de eu de ficar sozinha na minha miséria?

Como vez a vida está cheia de mistérios. Quando ele adormeceu dei-lhe uma morte indolor utilizando a agulha fina do pente que trazia. Na sala os seus acólitos viam futebol na televisão. A custo levei o seu corpo até à banheira e abri as torneiras. Ainda nua entreabri a porta e chamei pelo homem de rabo de cavalo. Deixei a porta entreaberta e quando ele entrou fechei-a atrás de si. Ele ficou nervoso ao ver-me nua e antes que ele fizesse qualquer som cortei-lhe a carótida com o batom. Ainda nua e com o silenciador na pistola entrei na sala e antes que qualquer um dos outros tivesse tempo para reagir disparei tiros certeiros na testa de cada um. Vesti-me e abri a porta da suite. Mais um acólito esperava do lado de fora. A surpresa foi o factor chave que me permitiu usar o fio de aço e acabar com ele que estrebuchou por minutos. Nunca pensei ser tão forte fisicamente. Por vezes somos capazes do impossível. Escapei-me sorrateiramente do hotel. Tinha que desaparecer. Sair de Macau o mais rapidamente possível. Afinal parecia que havia conseguido cumprir a minha missão. Mas a que custo? O líder. O homem que foi o melhor amante da minha vida é também o pai da minha filha. A felicidade é uma mentira que contamos a nós próprios. E desapareci na província de Cantão para só regressar a Macau cinco anos depois. Oiço passos nas escadas. São horas. Vem aí um novo cliente. Tenho que te amordaçar e levar-te para outro quarto. O teu silêncio será de ouro e poderá salvar-te. Silêncio absoluto. Nem respires.

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Anderson
8 Jul 2016 10:53

Muito bom!