O respirar de Portugal como território

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap] Bispo Idácio de Aquae Flaviae no século V mencionou a povoação de CALE, como o castro chamado Portucale, aparecendo documentalmente pela primeira vez este nome e onde não se faz referência a nenhum burgo ou povoação na margem direita e fronteira a Portugal. No concílio em Lugo, no ano de 568, Portugal, o Castelo antigo dos romanos, ficava sujeita à “Sé de Coimbra, a qual, jamais, superintendeu em igrejas além da margem esquerda do Douro”, Resenha Histórica de CALE, Vila de Portugal e Castelo de Gaia, na separata de Comunidades Portuguesas de 1970, onde não aparece o autor.
No século III fora constituída a província romana de Gallaecia et Asturica na Península Ibérica, tendo em 409 os Suevos ocupado a Galiza, onde estiveram até 585, e a Lusitânia passava em 409 para os Alanos, que oito anos mais tarde, em 417, foram derrotados pelos Visigodos.
Os suevos destruíram Conímbriga em 468, ano da morte do Bispo Idácio, o que faz Aeminium, situada na Via Olisipo-Bracara Augusta e a ocupar a Colina da Universidade, onde se situava o forum, ficar capital da região, ascendendo no século VI a sede do bispado de Conímbriga, ficando assim com esse nome.
Os Visigodos, povos germânicos cuja civilização era dominada pela guerra e armas, aos poucos expulsaram do Norte da Península Ibérica os Suevos e as tropas Romanas, ficando os únicos senhores dos territórios da actual Espanha e Portugal. O rei visigodo Leovigildo (569-586) realizou a unificação peninsular, vencendo em 586 os suevos e os bizantinos ficaram reduzidos a uma estreita franja do litoral Mediterrâneo. Este rei visigodo dividiu o reino em seis províncias e centralizou os serviços reais em Toledo.
Mas em 711, toda a Península Ibérica caiu em poder muçulmano.
A reconquista do Portus aos mouros em 868 pelo conde Vimara Peres, referida no Códice de Lorvão, Liber Testamentorum, antecedeu a de Braga e seguiu-se à conquista e despovoamento de Coimbra, cujos habitantes vieram repovoar a parte sul do Rio Douro.
“Não muito tempo depois, foram enviados outros condes ou os seus delegados para reorganizarem novos territórios, como os de Braga, Orense, Chaves, Emínio (ou seja, Coimbra), Viseu e Lamego. Conhecemos o nome do conde Odoário, que tomou conta de Chaves, e o conde Hermenegildo Guterres, que ocupou Coimbra em 878”, e prosseguindo com José Matoso, “Reconstituíam-se assim as bases nucleares da rede administrativa na antiga província da Galécia e ocupavam-se algumas das cidades do Norte da Lusitânia, que outrora tinham pertencido ainda ao reino suevo”.
“Transferida a corte régia para a cidade de León no início do século X, o agora reino de Leão (910-1037) foi-se expandindo e organizando muito para além dos limites asturianos iniciais. Em termos políticos, administrativos e militares o seu território dividia-se em condados, à frente dos quais se encontrava um conde (comes), com poderes delegados pelo rei. Isso mesmo ocorreu em Portucale, aí se formando um condado à frente do qual estiveram membros de uma mesma família, descendentes de Hermenegildo Gonçalves e de Mumadona Dias (926-968?), até 1071”, citado de Bernardo Vasconcelos e Sousa.

Doações do Rei ao Bispo de Coimbra

O segundo Rei de Leão, D. Ordonho II (914-924), que no ano de 913 realizou uma incursão com um grande exército até Évora, provavelmente fazendo pilhagens em grande escala, veio em 922 a Portugal e daqui em barcos foi até Crestuma, a fim de visitar o Bispo de Coimbra, D. Gomado, que se encontrava no seu Mosteiro. Seguindo a Resenha Histórica de CALE, “Estando o bispo no seu convento, veio o Rei (Ordonho) a Portugal, e mandou dizer ao próprio bispo que viesse ter, com ele, Rei. O mesmo bispo não saiu do seu convento, como manda a regra. E o próprio rei, para lhe fazer mercê, e a rainha, armou navios em Portugal (Gaia) e, com os seus condes Lucido, Vimarano e Rodrigo Luci, foram em barcos à ermida do bispo, visitar o dito e fazer oração naquele lugar santo. Fizeram solenes festas em honra do bispo e de seus frades e sorores e permaneceu com sua comitiva no próprio mosteiro. Ainda naquele dia, o rei, com a sua comitiva reuniu em concílio, Mauro, os frades e a abadessa Elvira e se informou sobre a vida dos confessores e da congregação, onde eram servos pacientes no mesmo lugar. O rei e a sua comitiva decidiram oferecer-lhes a vila de Fermedo com os seus antigos limites. E deu-lhes o rei a navegação e portagem do rio Douro, no dia de sábado, do porto de qualquer rio e por todos os seus portos até à Foz do rio Douro, onde entra no mar, quanto o Senhor der naquele dia para remédio de suas almas e para as de sua geração. E no mesmo concílio, Lucido Vimarano deu vilas e igrejas ao mesmo mosteiro, na margem do rio Douro e outra, na margem do Mondego, creio, doada pelo Rei, que ali mesmo ofereceu-lhe muitas outras terras, tanto a Norte como a Sul do Rio Douro.
Verifica-se, pois, em face do documento da doação feita no ano de 922, pelo monarca de Leão, D. Ordonho II (914-924), que, naquela época, existia a povoação Portugal, a qual, entre as outras terras, foi doada àquele prelado, o Bispo de Coimbra, D. Gomado. Segundo a Resenha, “A Vila de Portugal estava dividida, pelos seus antigos termos, com a Vila de Mafamude e daí, pelo monte, desde o termo de Coimbrões, até Gaia. Aquela foi metade de seus parentes, Fulderon e Palma, e a outra metade a comprou por seu preço e suas cartas”.
Do Livro Preto da Sé de Coimbra, “Não, sofre dúvida e pelo contrário é bem manifesto e conhecido de muitos, que por ordem de Deus e para remédio da sua alma, o próprio Rei Ordonho deu ao grande Gomado o episcopado da Sé de Coimbra, com a sua diocese, como a obtiveram os outros bispos que antes dele tiveram o episcopado, por muitos anos, até Portugal. E, depois de algum tempo, foi o bispo à corte; e, ante o rei, despediu-se e deixou o grande episcopado para entrar no convento. E o próprio bispo procurou uma ermida, e a encontrou no lugar de Crestuma, junto àquela foz em que o rio cai do Douro. E entrou nela por mão de Arias Abederahemem e de Mauro, confrades, e de Elvira, abadessa, para ali passar a vida religiosa, e onde repousasse, à sua vontade, seu corpo, no lugar em que são venerados Santo Estevam, São Martinho, Santa Marinha, Santa Maria Virgem e São Salvador; e onde, na mesma ermida, estão sepultados companheiros mártires. E o mesmo bispo adquiriu o termo da mesma vila e do próprio mosteiro, de Crestuma, cujas demarcações do grande centro se estendia à margem direita e esquerda do rio Douro no ano de 922.
Fruela II (924-925) pouco tempo reinou e sucedeu-lhe D. Afonso VI (925-931), o Monge, que reconduziu no mesmo cargo (Bispo de Coimbra), D. Sisnando. Já toda a região entre os rios Mondego e Douro, era conhecida e designada como território portugalense e, também, como território de Portugal, consoante se comprova com bastantes documentos de escrituras de doações espécies, inseridos no Porto Mon. Hist. Dip. et Chart”.

Os normandos na Península

O Rei Ramiro II (931-951) de Leão protagoniza uma história, cerca de 932 com o mouro Al Boazar al Bucadan, emir de Gaia. Época já do Califado de Córdoba, da dinastia dos Banu Umayya (Omeya) (912-1031) cujo seu primeiro califa foi Abd al-Rahman III al-Nasir (912-961). Cristãos e muçulmanos mantinham uma boa convivência realizando festas e torneios em que participavam cavaleiros de ambas as fés. Certa vez, em 932, D. Ramiro II disfarçado de trovador numa dessas festas, raptou a irmã do emir, Zahara e converteu-a em cristã. Quando Al Boazar soube, resolveu fazer o mesmo e disfarçado também de trovador vai a Leão e rapta a esposa de Ramiro, D. Urraca. Esta enamorou-se verdadeiramente pelo emir muçulmano e com ele ficou a viver em Gaia. Só muito mais tarde o Rei Ramiro ficou a saber do paradeiro da sua esposa e chegado a Gaia, disfarçado entrou no castelo e após um enredo de filme, conseguiu-o conquistar num ataque surpresa. Aqui a lenda reconstituída pelo brazão da cidade, que tem um corneteiro no castelo. Entre duas colinas na margem esquerda do Rio Douro, reconhecidas como Castelo de Gaia (Gaia) e Serra do Pilar (Vila Nova), ficava a vila denominada Portugal.
Segundo José Matoso, “Os principais factores desta multiplicação da violência foram, em primeiro lugar, as incursões normandas, que se iniciaram já em meados do século IX, se intensificaram entre os anos de 961 e 971, e se prolongaram depois durante dezenas de anos, até meados do século XI. Os Normando trouxeram a insegurança a toda a antiga Galécia, penetrando ao longo dos rios, roubando, incendiando e matando sem dó nem piedade, e obrigando todos os chefes militares e eclesiásticos a organizar a defesa e a construir novas fortificações. Em segundo lugar, as revoltas de vários condes e magnatas contra os reis de Leão, ao longo da segunda metade do século X, e as guerras civis entre os pretendentes ao trono, que se intensificaram entre 953 e 960. Estas lutas atingiram o nosso território com as revoltas do conde Gonçalo Mendes de Portucale contra o rei de Leão, por volta de 962, e do conde Gonçalo Moniz de Coimbra, algum tempo depois” e cujos seus descendentes, depois vieram a colaborar activamente com Almançor, tendo com ele participado nas pilhagens a Santiago de Compostela, que foi incendiada.

Reino de Castela e Leão

“Não foram só os delegados régios asturianos e depois leoneses que impuseram uma certa organização às comunidades humanas do território português. O clero monástico e diocesano também contribuiu para isso”, segundo Matoso, mas refere que, “a vigilância episcopal sobre as igrejas paroquiais devia ter sido quase inexistente, antes da restauração definitiva destas dioceses (Porto Coimbra, Viseu e Lamego), nos séculos XI e XII”.
No reinado de Ramiro III (966-985), refere Matoso, “A partir de 978, prevaleceu de novo a guerra externa, com os violentos e destruidores ataques de Almançor, o hachib do califa Hisham II, às principais cidades dos reinos cristãos. Estes ataques atingiram o nosso território com a sua conquista de Coimbra, em 987, e com a sua grande expedição a Santiago de Compostela, em 997, com o apoio de vários magnates portugueses. Esta fase da guerra cessou praticamente com a morte de Almançor e pouco tempo depois, em 1008, com a morte do seu filho Abd al-Malik”. A assinalar, como caso curioso, o conflito sobre a tutela do condado de Portucale entre Afonso V e o conde Sancho Garcia de Castela ter sido arbitrado por Abd al-Malik. Ainda anteriormente, Bermudo II (985-999, o Gotoso) foi reconhecido no ano 982 Rei da Galícia e do Norte de Portugal.
“O reino de Leão estava profundamente desorganizado e foi necessário ao rei Afonso V (999-1028, o Nobre) reunir uma grande cúria na cidade de Leão” segundo refere Matoso, que segue, “o chamado Concílio de Leão de 1017, cujas decisões foram promulgadas em 1020 e que emitiram numerosas prescrições com o evidente intuito de reordenar uma sociedade perturbada por transformações profundas. Nesse ano de 1017, os Portucalenses davam provas da sua capacidade de reacção, pois o conde Mendo Luz (…) estabeleceu a sua autoridade efectiva sobre a região do Vouga e da Terra de Santa Maria”.
O Rei D. Fernando I (1035-1065), o primeiro do Reino de Castela e Leão (1035-1157), com as suas agressivas campanhas, fez a ocupação definitiva de Coimbra e “só a partir de então a fronteira se deslocou de maneira decisiva para além do vale do Douro e se iniciaram expedições de grande envergadura com o propósito de ocupar definitivamente as principais cidades do território andaluz e os seus respectivos alfozes. Se os primeiros reis asturiano-leoneses sempre se haviam ocupado intensamente da guerra, é duvidoso que se considerassem investidos na missão de recuperar para o Cristandade a maior extensão possível da Hispânia islâmica e tomassem tal missão como o mais importante dos seus deveres”. Coimbra, que caíra em poder muçulmano no ano de 711, fora em 878 reconquistada pelo Conde Hermenegildo Mendes, mas logo aí apareceu em 987 o Almançor a caminho da Galiza, que varreu com o seu grande exército os cristãos que se aventuraram a instalar a Sul do Rio Douro.
O Rei D. Fernando, o Magno, após reconquistar Coimbra em 1064, deu ao conde D. Sisnando a mesma jurisdição territorial, da Sé de Coimbra, que governava, eclesiasticamente, em todas as terras desde o Mondego a Portugal, e entregou-lhe o governo da cidade de Coimbra. Já os combates para Sul do Rio Douro iam fazendo variar o tamanho do condado de Portugal à medida dos avanços e recuos dos cristãos e partindo das margens desse rio variava o território nos seus limites até Coimbra.
Afonso VI (1072-1109) reinava Leão, Castela, Galiza e Portucale, quando em 1073 dividiu o seu reino pelos filhos. Em 1096, após o conde D. Henrique (sobrinho do Conde de Borgonha e do monge Hugo, o Abade dos Abades da comunidade do mosteiro de Cluny) casar no ano anterior com D. Teresa, filha ilegítima de Afonso VI, este Rei de Castela e Leão (1035-1157) incumbiu-o como seu vassalo da governação da Galiza, esta dividida em Condados, sendo um deles o Condado Portucale.
Pelo que acima ficou registado, a terra entre os rios Douro e Mondego era já conhecida como território portugalense e de Portugal, muitos anos antes da fundação da nacionalidade portuguesa. Tal é corroborado por Alexandre Herculano, que refere estar demonstrado, por autênticos documentos, que a região entre Coimbra e a margem esquerda do Douro, era conhecida e designada como território de Portugal e também que a margem direita do rio Douro limitava a Galiza, antes da fundação da nacionalidade portuguesa. «É vulgarmente sabido que desta povoação veio o nome do nosso país».

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