Alexandre Marreiros expõe no MAM: “Uma leitura do tempo com T maiúsculo”

Arquitecto, mas apaixonado por desenho e pelo trabalho manual desde pequeno, Alexandre Marreiros foi para o Rio de Janeiro estudar os grandes arquitectos brasileiros contemporâneos mas acabou apaixonado pelas favelas. Um lugar onde “as coisas vão-se aniquilando mas sempre com um final feliz”. O resultado é “um registo documental que acabou na pintura”

[dropcap style=’circle’]“C[/dropcap]omo arquitecto interessa-me a arquitectura que se desenvolve de uma forma vernacular. A casa, o lugar onde nós como humanos nos sentimos seguros”, começa por nos contar Alexandre Marreiros.

Foi para o Rio de Janeiro estudar os grandes arquitectos contemporâneos brasileiros mas acabou, como ele diz “fulminado, de uma forma quase alérgica” pelas favelas. Um fenómeno urbano que descreve como “um manto bordado que cobria aquelas montanhas”.

É também esta ligação quase natural do construído pelo homem com o disposto pela natureza que interessou Marreiros.

“O Rio tem aquela topografia especial, montanhosa, e é admirável como pessoas sem know-how conseguiram adaptar-se ao local e o deixam falar por si, como a acção do homem se adapta ao que já lá estava”, diz Alexandre, confessando mesmo que “não conseguiria fazer um manifesto arquitectónico melhor”.

Naturalmente, Alexandre não acha a melhor forma de vida mas considera que “à medida de que vai sendo construída a história bate sempre certo, há uma relação com o lugar. As coisas vão-se aniquilando mas há sempre um final feliz”
Curioso por saber como tudo aquilo se desenvolvia passou grande parte dos seis meses que esteve no rio de Janeiro a deambular pelo Complexo do Alemão (o maior complexo de favelas do mundo) e na favela do Tabajaras.

Indo às origens

“Cnidosculos Quercifolius”, assim se designa a exposição, é o baptismo latim para – a planta favela, endémica do Brasil, que deu origem ao termo “favela” como fenómeno de habitação marginalizada, ilegal. Uma definição que, garante Marreiros, “deve-se a ao regresso dos soldados ao Rio de Janeiro após a Guerra dos Canudos, onde encontraram condições miseráveis de habitação na primeira favela do Brasil, o morro da Providência.

Mas, para Alexandre, as favelas também “são cor e são luz”, que assim começa por explicar ao HM como chegou a este trabalho.

O objectivo não é o de gerar grandes reflexões mas sim o de “proporcionar algumas pistas que possam conduzir as pessoas a descodificarem as histórias que existem na arquitectura e que são transportadas para a pintura”, explica.

O particular que forma o todo

“Tento apresentar ao observador a ideia de espaço que começa com um registo de desenho e um registo fotográfico exaustivo e acabou, por minha necessidade, na pintura”, adianta Alexandre, porque só a pintura consegue “transportar o registo para uma composição de cor, de espaço, de vazio, de afastamento entre as coisas que também podem ser lidas como um todo”.

A sua sensação da favela. Um local delimitado, onde em que o particular forma o todo.

A fita cola colorida, que pode ser observada nalguns dos trabalhos, surge pelo interesse plástico que o material lhe suscitou e por lhe aportar a cor da favela.

“Aparece de uma forma tosca porque ou faço as coisas muito certinhas ou muito toscas. Ando nessa procura”.

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Para Alexandre, “as favelas são como a construção de um quadro”.
“Um lugar onde existe um espaço e um limite, em que as formas, as linhas e as manchas se vão adequando a esse limite”, explica.

“A preocupação foi transportar para esta exposição o que entendo ser a arquitectura hoje em dia”.

Ou seja, para Alexandre a arquitectura é “a história das coisas construídas, vividas, habitadas e que manifestam sempre a sua cultura”.

Para o artista, “através da arquitectura podemos ler o nosso tempo. A favela não fazia sentido há 200 anos mas hoje é necessária. É uma leitura do tempo com T maiúsculo”.

Transformação fulminante

Macau não podia fugir da conversa e aproveitámos para saber como Alexandre Marreiros vê a cidade. A resposta não tardou.

“É fulminante a forma como se transforma”.

A falta de planeamento, todavia, é algo que o preocupa esperando que este venha a existir pelo menos nos novos aterros.

“Ainda consigo ler muitas histórias nesta tradição de conquista de terras ao mar. Afastar tecido antigo do que se foi desenvolvendo menos bem. É uma cidade que ainda me conta histórias bonitas mas com alguns capítulos mais negros de permeio.”

Mas também existem vislumbres do futuro que, para ele, será “uma massificação de descaracterização”, com alguma pena sua mas, como não acredita que a arquitectura seja intemporal, mas sim “muito efémera”, entende que a descaracterização que se adivinha será apenas uma marca do que foi este tempo de agora.

“Não é mau nem bom, mas talvez outro tipo de estratégia fosse mais adequado”. Algo o anima, todavia, a recente abertura da faculdade arquitectura dá-lhe esperança.

“Espero que. daqui a uns anos, (os novos arquitectos) possam ter uma opinião clara e, acima de tudo, competente da cidade.”

A culpa é do desenho

Nascido em 1984 em Cascais, Portugal, Alexandre Marreiros estudou artes no liceu, formou-se em arquitectura pela Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa, onde posteriormente obteve o grau de mestre.
“O que me conduziu à arquitectura foi o desenho. Sempre gostei de desenhar. Fiz muitas cabanas , muitas árvores, muitos carrinhos de rolamentos. Tive um percurso de artes antes mas na altura de decidir optei pela arquitectura sem nunca me desligar muito das artes plásticas”.

Exibiu em exposições colectivas em Lisboa, individualmente na Galeria GivLowe e na Casa Lusitana. Recentemente, participou como artista convidado no Festival Silêncio de Lisboa e no Festival Literário de Macau. Em 2015 recebeu uma menção honrosa da Ilustração Contemporânea Portuguesa. Vive e trabalha em Macau.
A exposição inaugura hoje, pelas 18:30H no Museu de Arte de Macau.

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