Feliz Aniversário

[dropcap style=’circle’]V[/dropcap]olta e meia a Nação faz anos, ora por que lhe são atribuídas burlas Papais, ora porque foi ali que fora fecundada, ora pois porque gritou em galaico-português uma qualquer: EUREKA.
Há ainda o esotérico que remete o nascimento para posições mais drásticas, só para alinhar com os astros de forma a ficarem de feição e nesta intempestiva tendência para o nascimento múltiplo se anda enredado nos dados históricos disponíveis, pois que há dados históricos indisponíveis, tal qual como o entendimento do chamado texto litúrgico, onde se deseja saber o quando e onde e quem, dado que entre o factual e a parábola há subtis distâncias que a mente materialista não processa e datas que nem são mencionadas em repositório de dias.
Ora a Nação parece ter nascido em muitas datas, não se sabendo qual é a mais nascitura. Se fosse no mesmo ano teríamos o chamado parto fraseado, só que por vezes nem os anos coincidem, e com tanta data, legislação, código penal e nascimentos, deveria um Estado ter um desenvolvimento psíquico e social conforme a quantidade destes elementos civilizacionais, mas não! Entre um autóctone da Idade da Pedra e um Cibernético, vai um segundo no acelerador de partículas e, enquanto Deus assim quiser, haverá um hastear de bandeira, dado que estas coisas acontecem concomitantemente à perda de chão, de autonomia e de identidade, não se sabendo a razão para festejar um, por parcelas várias, ao tempo do moribundo.
Há coisas que viramos e reviramos e não sabemos mais para o que servem: é este o caso, quando de alto-abaixo se olha para um país, e das faltas de consideração a que se está sujeito por diversas tentativas da vontade. Educadores do Povo, urgem! O Povo é malcriado e não raro ofende os seus poetas e ao fazê-lo, de seguida, claro está, merece a ruína. Mas para se vingarem dos poetas arranjaram uma manobra delatória: publicarem e dizerem que também o são. E vai disto, aquela verve toda emplastrada de nada e com a inventividade a zeros, para não esbarrar, é assim que a vingança se faz! Todos somos poetas. Todos sabemos escrever. Todos fazemos anos só que não é no mesmo dia. Não há como ocultar o riso sardónico entre estas opulências genuínas, nem como muito bem viu quem não estava cego, fazer disto um grande ensaio, eu só queria silenciar o tempo e entrar pelo sonho adentro dormindo entre beirais de aniversariantes.
«Desiste e sê rei de ti mesmo»sim, por mim, e sabendo já o sucesso dos livros culinários, vou editar «A alimentação do poeta», gastronomia para os que não devem comer ou que comem tanto que parecem outra coisa. A rábula de Afonso Lopes Vieira entrará de soslaio para testemunhar a delícia e a elegância da falta de alimentos: batendo-lhe à porta, vinham então para jantar, pois ele, num arremesso de grande envolvência diz isto: só tenho massa de estrelas! Em vez de dizer com tom prático – então, vão aí comprar uns frangos! Pois não, não, nem só de pão vive o Homem, o homem e a mulher, que é género que habita no mesmo invólucro sem recipientes para os Bloquistas.
Nós sabemos o quanto a fome nasce da concupiscência e de uma certa avidez descontrolável, do ente e do doente capitalista, pois que ao distribuir-se a vontade pelo todo nada mais fica em nós como ideia fixa esperando que o nível de entulho alimentar se transforme um dia em tubos tão gentis como os de oxigénio, com todas as vitaminas e composições para que ninguém mais passe por ela.
Nós sabemos como corre o tempo e sabemos de tal ordem identificá-lo que as datas de nascimento se entrelaçam como a corda manuelina numa janela ou jangada que dá sempre para o mar. Só que nem sempre se nasce de uma só vez, com mais tempo e sempre nascemos tanto, que da morte já não nos lembramos, mesmo que tudo tenha fenecido, tal como Portugal, irá um dia alguém dizer que nascemos em tal e tal data, nunca as mesmas, alternando assim o mote e o modo de uma natureza vária onde permanece uma enigmática vitória. É com estas alucinações que se constrói imortalidade, senão quando mais vontade de estar vivo, pois que ninguém se lembra quando é feliz, os laços que o fizeram desabrochar até aí. A felicidade gera um esquecimento tal, que tudo o mais não existiu.
Num certo espectro visual e documentário passam enfileiradas datas de cuja autenticidade duvidamos pela noção única do nascer mas, se se quer estar vivo, temos de partir necessariamente de algum número do calendário romano. Neste caso, que não sendo ainda Nação à época da sua invasão, passou a contar nos registos da nacionalidade, bem como Cristo que se impôs à Roma Imperial e fundou na terra inimiga mais um marco civilizacional. Por cá, eramos girinos sem forma que só começaram a sair das águas com o ribombar das trombetas que traziam Apocalipses, Direito Penal e outras civilidades. Depois de termos passado a batráquios tínhamos de nos tornar mamíferos e fundar a partir das fundições de outrem ou de alguém, um nascimento rigoroso que é difícil acertar.
Nestas cosmopolitas e maravilhosas demonstrações se anda entretido a procurar o embrião e também o cordão umbilical cortado para absorver o sopro de elemento novo. É quando se dá a primeira respiração fora do útero que se nasce e absorvemos aquele registo que será doravante a anima, a alma, aquilo que anima, e num último instante expiramos a depô-la. É certo que um longo período de decrepitude pode gerar alienação de fronteiras, não se sabendo já da própria morte, mas, por ganância, nem a alma entregámos, ficando ela num Limbo inqualificável que apela ao nascimento.
Mas os bons dos romanos também disseram: os deuses, esses, enlouquecem antes os que desejam perder. Pois bem, são magnânimos! Matar a frio é para cruéis e sanguinários, mas pode haver alguém que não enlouqueça e veja o mundo passar como um filme a várias dimensões e até exclame como Pessoa: sou lúcido, merda, sou lúcido; pois era, e depois? A data dele era 8 de Março e esta sim, festejo-a sempre, porque foi um poeta que a decretou. Quanto às” burlas” e bulas Papais está para ser inventada outra data mais a preceito. Vinte e cinco de Outubro também tem a envolvência do homem adâmico , diz-se que foi nesse dia que fomos expulsos do Paraíso e por aí fora até ontem.
Espaço e tempo são matérias cientificas de monta que só Einstein conseguiu desvendar, e… levantam-se véus e não os vestidos das belas deidades.
Por isso quero desejar a todos felizes aniversários em qualquer calendário litúrgico e soberanas independências, não vá a Terra mudar o eixo dos seus vastos equilíbrios e andarmos para trás à velocidade do som. Quando chegarmos à pedra façamos como os palestinianos, e se houver pedras, construamos muros, e também apedrejamentos vários por causa do adultério. E posto isto, só as pedras e as baratas, creio, sobreviverão ao caos que se adivinha, e por isso não é de bom tom comer insetos. Alguém tem de cá ficar! Que não testemunhe jamais a realidade de um tempo de pólvora, e secas as fontes, nos retiremos daqui como o último dos Mistérios.

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M C
M C
8 Jun 2016 23:16

De facto celebram-se aniversários a mais, como se fizessem falta nas escrituras.