Os bichos

[dropcap style=’circle’]P[/dropcap]or mais que espante não me espanto que o Secretário Raimundo do Rosário tenha dito não ter condições para fiscalizar obras, que estas têm vindo a piorar ou que tenha metido Fong Chi Keong e Au Kam San na ordem apelando à necessidade de cumprir a lei a um e pedindo propostas ao outro.
Espanto é a raridade desta clareza vinda de um membro do governo. Espanto é não entender como Macau continua a balancear-se entre a psicose da conquista do mundo e as gangrenas internas. A fase de improviso insustentável, da falta de visão global têm de acabar, para o bem de todos. Até dos néscios.
Por outro lado, ao não ter pejo em mostrar como o rei vai nu, Raimundo do Rosário dá um golpe fresco de sanidade a todos aos que há muito estavam certos disso, convictos de não terem caído no buraco da Alice.
Rosário queixou-se da falta de mão-de-obra especializada na fiscalização das obras públicas e confessou não se admirar se acontecessem acidentes. Muitos de nós também não.
A seguir atirou no forte no estado de laxismo em que estão as vistorias de edifícios, apesar de obrigatórias por lei. Espanta? Só o facto de o dizer, claro.
Mas não se ficou por aqui e ainda lembrou Fong Chi Keong da necessidade de cumprir a lei, quando o assunto era Lei das Terras, e deixou Au Kam San à procura de palavras quando lhe pediu uma proposta concreta. Falavam de táxis, penso.
Ou seja, Raimundo do Rosário vestiu a roupa de trazer por casa e atirou-se às teias de aranha do sótão.
Ou seja, gerir uma proto candidata a destino mundial com mentalidade de terra pequena é um espartilho incomportável.
Apontar o que está mal e, pelo menos tentar corrigir é apenas sinal de progresso. Macau tem de incorporar isso, mais cedo melhor do que mais tarde.
Esta mesma semana, também soubemos que os Serviços da Protecção Ambiental (DSPA), por acaso também sob a alçada de Raimundo do Rosário, assumem candidamente não encomendarem estudos de impacto ambiental há anos fiando-se nos comprados pelos interessados nas obras.
Esta, ao subverter todos os princípios do que deve ser um estudo de impacto ambiental, é tão absurda que quase não dá para acreditar, especialmente ao ser proclamado como sendo a coisa mais normal.
Corrupção? Alguma, talvez, mas parece-me mais falta de compreensão, de capacidade de entender coisas.
Mas tem vantagens a declaração da DSPA, tal como a de contribuir para a descrição literária de uma qualquer República das Bananas e por provar, para além de qualquer dúvida razoável, que a realidade é sempre mais espantosa do que a ficção. Mesmo a realidade de Macau. Ou especialmente a realidade de Macau.
Tudo isto também não deixa dúvidas (existissem elas) que a maioria dos cancros desta sociedade macaína estão ligados ao “real estado”, esse regime alternativo, essa região administrativa demasiado especial, e ao estado mental dos que berram sem propostas, dos que ainda instam em resolver tudo nos corredores… ‘à Macau’.
A melhor imagem que alguma vez descobri para ilustrar o que aconteceu à terra com a liberalização do jogo e a entrada de outros “jogadores” na dança, é a de quando viramos um penedo num zona escondida da floresta. Daqueles no mesmo sítio há anos. Se já virou um sabe que a primeira imagem é a de uma série de criaturas estranhas que disparam numa correria à procura de novo abrigo. A única dificuldade que tenho com esta alegoria é a velocidade com que os bichos fogem. É muito superior.

Música da Semana

“Unwashed And Somewhat Slightly Dazed”  David Bowie (1969)

!I’m the Cream
Of the Great Utopia Dream
And you’re the gleam
In the depths 
of your banker’s spleen

I’m a phallus in pigtails
And there’s blood on my nose
And my tissue is rotting
Where the rats chew my bones
And my eye sockets empty
See nothing but pain
I keep having this brainstorm 
About twelve times a day
So now, you could spend the morning walking with me, quite amazed
As I’m Unwashed 
and Somewhat Slightly Dazed”

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