Hallonia Lai: “Ninguém gosta deste Macau de agora”

[dropcap style=’circle’]P[/dropcap]ara quem se lembra das noites de Macau de há 15 ou 20 anos, no “Casablanca” (onde os 46 ou 47 portugueses restantes de 1999 se encontravam), e antes, do “Talker”, Hallonia Lai, Loni para os amigos, é uma figura icónica. Por cá cresceu e por cá passou grande parte da vida.
“Quando era pequena, as pessoas não eram ricas, mas remediadas”, começa por dizer ao HM. “O meu caso era especial porque o meu pai morreu quando nasci e não foi fácil para a minha mãe.”
Não era simples arranjar trabalho em Macau, “especialmente para mulheres de meia idade”, como diz Hallonia. Quando nasceu, a mãe tinha quase 40 anos. “Teve sorte de poder trabalhar em casa. Fazia partes de calças para uma pequena fábrica.”
O mais difícil acabava por não ser alimentar a criança, mas sim cuidar de uma ‘teen’ irrequieta. “Nunca me portei bem”, confessa-nos Hallonia. “Não era como as outras meninas, não cumpria ordens. Estávamos nos 70, percebe? Eu respeitava mas não ouvia”, diz-nos enquanto ri.
Aos 13 anos já desaparecia de casa para ir para a festa. “Sabia que ao chegar a casa a minha mãe me batia, mas não queria saber.”

Saudades do Macau antigo

As festas aconteciam em casa de amigos, muitas na zona da Coronel Mesquita. “Adorava”, diz, “não existiam estes prédios todos. Quase tudo eram vivendas, até nos Três Candeeiros onde só existiam prédios de dois andares”, recorda. Uma dessas vivendas serviu de palco a várias festas.
“Ouvia-se, música, namorava-se…”, frisa Hallonia, admitindo que não se lembra bem das músicas, “os hits de dança ocidentais”. Mas lembra-se bem dos Bee Gees, “para dançarmos agarradinhos”.
A casa da Coronel Mesquita deixou-lhe grandes recordações. “Era de uma família macaense”, adianta, “devia ir lá tirar umas fotografias senão ainda a deitam abaixo”, suspira, revelando saudades desse Macau perdido. “Agora detesto”, diz, “se as pessoas conhecessem o Macau antigo não iam gostar disto. Pode perguntar a qualquer pessoa que conheceu. Ninguém gosta.”
Voltámos à juventude. O grupo de amigos era quase exclusivamente chinês, alguns macaenses, mas os próximos eram chineses. “Os macaenses davam-se mas não havia muita intimidade. Só nas festas. Viviam no mundo deles”, diz.

Escolas de mulheres nem pensar

“Estudei na Leng Lam (perto da Guia), mas quando passei para a classe dos mais velhos a minha mãe tirou-me pois queria-me a aprender Inglês”. Foi o desastre. Acabou na Escola do Sagrado Coração. “Detestava”, confessa Hallonia, “mulheres por todo o lado, dava em maluca”, relembra divertida.
Não gostava das escolas unissexo e foi expulsa, como nos conta enquanto se ri muito. “A minha mãe ficou furiosa, claro.” Tentou a Luso-Chinesa mas “não a quiseram lá”. Foi para o Santa Rosa de Lima mas “era outra vez só mulherio”, diz, “e a reitora, uma freira sempre de nariz no ar. Detestava”.
Começou a trabalhar tinha 16 anos “num salão de beleza”. Gostou da experiência pois aprendeu muito e fazia dinheiro. Um ano depois engravidou, casou-se e trabalhou até a filha nascer. Depois teve de desistir.

Aventura em Hong Kong

“O meu marido era meio maluco como eu e andávamos aflitos com dinheiro”, conta a rir. Como não queria trabalhar para um casino, convenceu-o a ir para Hong Kong tentar uma vida melhor, pois lá podiam ter opções.
“Fui para um Night Club, imagine”, diz-nos, mais uma vez a rir. Fazia o papel de telefonista/recepcionista que conectava os clientes com as “mamasans”.
“Uma experiência incrível”, garante. “As coisas que se vê e ouve…”, relembra.
Lugar cheio de histórias e muito exclusivo, “enorme e para gente rica”, era um sucedâneo de um grande clube de Xangai que, à imagem da terra, tinha um perfil de opulência.
“Divertia-me com as histórias das raparigas. Ouvia coisas que… waaah!”, revela Hallonia recordando uma em particular: “Ia lá gente muito, muito famosa. Um desses marcou uma rapariga do turno da tarde.” As mais caras, soubemos, eram empregadas de escritório que ali faziam um dinheiro extra. O famoso marcou uma saída com a rapariga e “eram 500 HKD para irem jantar, dos quais 300 ficavam na casa”, como explica Hallonia, “e o fulano recusou-se a pagar”. Disse à rapariga que ser vista com ele em público era pagamento suficiente.
A experiência durou apenas um ano. O marido arranjou um bom emprego e Hallonia deixou de trabalhar. Mas aborrecia-se e um dia voltaram para Macau.

Mudando a noite

Pouco depois surgia o bar “Talker”, que viria a tornar-se numa lenda dos anos 90. Inaugurado em 1993, começou a reunir pessoas de várias origens. Ao princípio só ajudava aos fins-de-semana, mais tarde viria mesmo a tornar-se gerente. “Adorava a experiência de conhecer muitas pessoas e apaixonei-me pelo trabalho”, revela. Mas um dia o negócio começou a estiar “talvez por as pessoas quererem novidades.”
A zona dos NAPE estava a ser construída. “Eram apenas meia dúzia de ruas”, explica, e tinha aparecido o “Opiarium”, que estava a concentrar as pessoas.
“As lojas eram baratas, ninguém as queria, alugámos uma e montámos um bar que baptizei de 911”, diz a rir-se. O “Talker” acabou por fechar, o dono da empresa arrendou mais uma loja e assim apareceu o “Casablanca”.
Hoje está em casa “e trabalha mais que nunca”, garante, “a tomar conta da neta e do próximo neto que aí vem”. Se pudesse mudar algo na terra, “tornava as pessoas menos preguiçosas”, confessa-nos.
“Macau precisa de opções”, pois a excessiva dependência dos casinos não é boa para ninguém. “É tempo de trazer coisas novas para Macau. As pessoas gastam menos porque sentem-se inseguras. Não podemos estar dependentes disto. Temos de inovar”, conclui.

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