China: Um olhar desassombrado | 1972年

* por Julie O’yang

[dropcap style=’circle’]C[/dropcap]hung Kuo, Cina é um filme realizado por Michelangelo Antonioni. Em 1972, o primeiro-ministro Chu En-lai convidou o realizador italiano, conotado com a esquerda, a deslocar-se a Pequim para produzir um documentário que viria a ter uma duração de 217 minutos.
Em declarações posteriores Antonioni afirmou: “Pretendi focar-me nas relações humanas e nos comportamentos, no povo, nas famílias e na vida comunitária. Este objectivo foi a minha linha condutora durante a realização do documentário. É uma observação material e cultural a partir do olhar de um estrangeiro vindo de muito, muito longe.”
Antonioni e a sua equipa filmaram em cinco locais diferentes, Pequim, Lin County, Suzhou, Nanjing e Xangai. Encarados com desconfiança, durante as deslocações foram constantemente vigiados e controlados e foram necessários três dias para discutir o guião com as autoridades chinesas. Por fim, o realizador desistiu do plano inicial de filmar durante seis meses e terminou o projecto em apenas 22 dias.
Contudo, o documentário oferece-nos uma visão clara e detalhada das escolas, das fábricas, dos jardins de infância e dos parques. O rigor dos exercícios matinais, pessoas a correr, mulheres a trabalhar, rostos jovens iluminados por sorrisos confiantes e crianças entregues aos seus cânticos. Descobrimos ainda, no pátio de uma fábrica, um grupo de operários têxteis que após um dia de trabalho árduo em vez de irem para casa ficam para aprender citações de Mao e para discutir a situação política. Antonioni também nos leva a visitar uma sala de cesarianas onde as parturientes são sujeitas a anestesia por acupunctura, com detalhes visuais extraordinários. A câmara dá-nos imagens tão verdadeiras como se dum filme científico se tratasse, pormenorizadas e respeitadoras. O documentário termina com uma exibição de acrobatas ao longo de 20 minutos.
O filme de Antonioni, um diário da vida chinesa, foi posteriormente proibido pelas autoridades por ser considerado uma apresentação injusta do “atraso” nacional. Antonioni contrapôs nunca ter sido sua intenção ser ofensivo. Afinal de contas o realizador italiano não sabia nada sobre a China nem sobre a sua História. Este projecto tinha uma perspectiva puramente etnográfica. Podemos por isso concluir que, para Antonioni, Chung Kuo foi uma forma de compreender a China, de aprender sobre o País e o povo através da sua câmara.
Antonioni: “Fiquei muito desapontado por as autoridades chinesas terem avaliado o meu filme de forma tão ríspida e me terem sujeitado a críticas tão intensas, compararam-me mesmo aos “maus da fita”, como Confúcio e Beethoven!”
Em baixo transcrevo um poema chinês dos anos 70 que ilustra a desilusão chinesa com o simpatizante de esquerda Antonioni:
红小兵,志气高,
要把社会主义祖国建设好。
学马列,批林彪,
从小革命劲头高。
红领巾,胸前飘,
听党指示跟党跑。
气死安东尼奥尼,
五洲四海红旗飘。

Somos jovens Pioneiros Vermelhos com enormes ambições,
Iremos construir a nossa Pátria socialista.
Aprendemos Marxismo e Leninismo e condenamos Lin Biao,
Somos jovens, mas o nosso espírito revolucionário é indomável.
Com os lenços vermelhos ondulando ao peito,
Escutamos as instruções do nosso Partido e seguimos o seu caminho.
Faremos com que Antonioni fique verde de raiva,
Até ao dia em que ele veja bandeiras vermelhas desfraldadas,
por esse mundo fora.

Penso que para nós, que vivemos num mundo assombrado por “glamorosas” selfies, assistir ao realismo fotográfico de Antonioni é de certo modo outra forma de “violência”. O REAL torna-se um mito que fere como uma mentira.
Esse mundo, essa raça, há muito que morreram.
Veja fragmentos em:
bit.ly/1Ou55rr
bit.ly/1TeuIyr

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