Lolita Hu Ching-fang, autora de ‘The Third Person’: “Espero que Macau pense na sua cultura”

Participou na primeira edição do Rota das Letras e cinco anos depois volta a ser convidada para partilhar os seus pensamentos. Lolita Hu Ching-fang, escritora de Taiwan, considera que o ambiente de Macau é apropriado para criar, sendo que até a autora conseguiu escrever uma obra inspirada no território. Numa conversa sobre o processo da escrita, Lolita fala ainda sobre a identidade dos chineses fora do continente
lolita hu
Lolita Hu Ching-fang, escritora de Taiwan

[dropcap]J[/dropcap]á é a segunda vez que está presente no Rota das Letras. Está a gostar de conhecer mais de Macau?
Sim, estou gradualmente a conhecer a cidade. Como vivi em Hong Kong há 11 anos, para mim Macau é a casa dos meus amigos, que visito sempre.

Como escritora como avalia o ambiente de Macau?
Hoje vejo Macau como um lugar cheio de casinos, hotéis e entretenimento, mas lembro-me do charme que Macau tinha antigamente. Era um sítio onde não era preciso muito dinheiro para se viver e bastante profícuo para o desenvolvimento criativo. Acho que é preciso encontrar um equilíbrio entre as duas realidades. Os artistas precisam sempre de parar antes de dar os próximos passos e pensar qual o significado da sociedade, qual o sentido da vida… isto depois torna-se o material para a criação. Nos bairros antigos [de Macau], existe a verdadeira natureza da cidade, que é, de facto, inspiradora para se escrever.

Costuma passear nos bairros antigos?
Sim, porque os casinos e hotéis são para um certo grupo de turistas, mas não são para as pessoas comuns, como eu. Gosto de passear nas ruas e travessas pequenas, sobretudo em Coloane, onde posso conhecer como era Macau originalmente. Aí encontrei intimidade, familiaridade e humanização.

Macau inspira-a para criar?
De facto, quando participei na primeira edição do Rota das Letras, escrevi um conto sobre Macau, que está no meu livro “Floating”, publicado em 2014. Chama-se “Spring Dream” e fala sobre uma mulher que tem um marido rico, e costuma passear em Macau antes de voltar para a China continental, mas um dia tem um encontro especial com um jovem português. A mulher já viveu muitas mudanças na China e agora é rica, mas o amor que tinha durante a juventude desapareceu, mesmo que agora ela tenha tudo. O conto pretende demonstrar que a China está sempre a querer comprar, investir, ganhar e a mulher é o símbolo da China, porque quer comprar o amor do jovem português, mas o amor não é verdadeiro. O conto fala também da bandeira nacional da China em Macau, qual é a relação entre os dois lados e como o país recupera da perda de tempos antigos. A identidade dos portugueses em Macau também é um episódio. Antigamente, o Ocidente comprava o Oriente, agora é ao contrário. Tentei usar uma história simples para expressar significados complicados.

Um dos seus livros – “A minha geração” -, publicado em 2010, fala sobre como os chineses que viajam para Hong Kong, Taiwan e interior da China mantêm ou reconfiguram  as suas identidades.  Esta questão voltou a ser polémica recentemente, depois de acontecer o caso da cantora taiwanesa Tzuyu, que levantou a bandeira de Taiwan num programa de televisão coreano, mas foi criticada por outro cantor taiwanês por ser apoiante da independência da ilha Formosa. Vários anos depois da publicação da sua obra, como agora olha para esta questão?
Esta questão tem existido porque o intercâmbio dos dois lados do estreito se alargou. Quando escrevi o livro, achei interessante porque todos falavam a língua chinesa mas sentiam-se estranhos uns aos outros. Penso que os sítios por onde uma pessoa passa tornam-se parte dela. Por exemplo, eu vivi em tantos sítios diferentes, que considero que sou de Hong Kong, de Taiwan, de Tóquio. Sou de Paris e sou de Xangai. Espero que todos estes locais façam parte de mim, porque conheço e respeito todas as partes, ainda que considere que não preciso de uma divisão tão clara.

Para Macau, Taiwan é sempre uma referência, em aspectos como o trânsito, infra-estruturas e protecção ambiental. Como vê as diferenças entre cidades como Hong Kong, Macau e Taiwan?
Considero que Taiwan tem uma coisa que Hong Kong e Macau não têm: sufrágio. É muito importante porque as opiniões da população são expressas. O povo preocupa-se com a sua terra, o seu ambiente, então pensa em melhorá-los e espera, através de eleições, escolher pessoas que ajudam a elaborar políticas [nesse sentido]. Se o Governo não representa a população, mas apenas comunica com os grupos mais ricos, então não pensa em melhorar políticas, pensa apenas em números. Em Taiwan as opiniões da população são mais fáceis de ser ouvidas, é a vantagem quando comparado com Hong Kong e Macau. É um ambiente “de pessoas”, não “de números”.

Consegue-se distinguir as vantagens de Hong Kong e Macau?
O Estado de Direito. Em Taiwan, o interesse humano é maior mas as leis são menos dedicadas. Admiro que Hong Kong não exclua os estrangeiros porque é gerido pelas leis e também pela igualdade. Em Taiwan isso é pior.

O que pretende passar para a audiência de Macau nesta edição do Rotas das Letras?
Espero que Macau pense na sua cidade, na sua cultura. Agora o sector do turismo é um dos aspectos fundamentais, a cidade recebe sempre estranhos, que entram e saem todos os dias. Qual é o significado disso? Quando se é generoso ao receber os estranhos, o que se pode preservar? Se têm uma sala em casa para receber visitantes, o que é essa sala? É preciso pensar que essa sala é a divisão principal da “casa”. Espero que a minha presença faça reflectir como as pessoas locais são importantes e, ao mesmo tempo, espero ouvir as pessoas a falar e a pensar sobre qual é a sua cultura.

Como foi partilhar sessões com o historiador José Pacheco Pereira e o escritor Chan Koonchung?
Fiquei surpreendida ao saber que José Pacheco Pereira tem a maior biblioteca privada de Portugal. Quando conversei com ele, disse-lhe que somos da cidade e que os prédios são uma coisa muito aborrecida, não conseguimos viver numa casa grande, o espaço é muito precioso. Como escritora de outra geração, tenho experiências diferentes, porque a minha geração é obrigada a ser “digital”, os livros são electrónicos, é outro modelo de leitura. Sobre Chan Koonchung, que já conheço há 20 anos, ele foi convidado por mim e temos contextos semelhantes porque nascemos em grandes cidades, preocupamo-nos com as cidades e, portanto,  escrevemos muito sobre isso.

A curto-prazo que planos tem para a sua carreira literária?
A escrita agora é a minha vida. Estou a escrever uma novela, está a meio. Além disso, vou publicar este ano uma colecção de prosa. As colunas que escrevo para os jornais chineses também vão manter-se. No final deste ano, vou mudar de Nova Iorque para Hong Kong, novamente. Portanto, ainda posso participar na próxima edição do Rota das Letras (risos).

PERFIL

Hu Ching-fang (C.F. Hu ou Lolita Hu) é ensaísta e romancista. Nascida em Taipé, viveu em Hong Kong, Xangai e Pequim, publicando livros e escrevendo artigos em Hong Kong, na China, em Taiwan e em Singapura. Os seus trabalhos exploram a temática da vida urbana nas grandes cidades, as identidades culturais num mundo globalizado, o inevitável destino de solidão do ser humano moderno. Com o livro “The Third Person” recebeu o Prémio Golden Tripod, de Taiwan, para a melhor publicação literária de 2013. A colectânea de contos “Floating” (2014) é o seu mais recente título. Reside presentemente em Nova Iorque, depois de ter vivido em Tóquio.

Subscrever
Notifique-me de
guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
Ver todos os comentários