John Ap, docente do IFT: “Serviço turístico é inconstante”

Com quase duas décadas de experiência na área do Turismo, o professor do Instituto de Formação Turística acredita que a detenção do antigo director do Hotel Lisboa teve pouco impacto no sector do turismo, mas contribuiu para limpar a imagem de Macau como um lugar de prostituição. John Ap pede mais formação para funcionários do sector e defende pacotes turísticos focados no património

[dropcap]D[/dropcap]epois de um ano muito difícil para o sector do Jogo, com grandes quebras nas receitas, que expectativas coloca para o desempenho dos casinos este ano?
Penso que vai continuar a ser um ano com desafios e temos de compreender que este negócio é feito de ciclos, especialmente se compararmos com os anos anteriores, em que existia um crescimento sólido, registado depois da quebra de 2009. Penso que é um bom grito de alerta para Macau, para não estar tão dependente das receitas do Jogo e para diversificar a economia o melhor possível. O sector tem sido dominado pelo mercado chinês e os turistas começaram a ir para outros destinos. Temos de optimizar e não ficar estáticos num só mercado, porque o panorama vai mudar. O Jogo cresceu muito depressa e tornou-se dominante, as pessoas não esperavam isso, comparando com outros países. Temos de pensar a curto e longo prazo e a longo prazo precisamos de pensar noutros mercados.

E a curto prazo?
É uma questão de fazermos ajustamentos em relação ao número de receitas e de visitantes. O que deve existir a curto prazo é uma melhoria dos serviços de turismo que são proporcionados, uma melhoria constante. Isso será melhor para Macau em vez de se limitar a receber mais turistas. Também temos de começar a pensar na forma como servimos os turistas, porque uma coisa que notei é que o serviço turístico é inconstante.

Como assim?
Os condutores de táxi, por exemplo, não ajudam os turistas com a bagagem, e até os podem expulsar do veículo. Depois há a questão dos autocarros públicos que estão sempre cheios ou os condutores simplesmente ignoram e fecham a porta. São pequenos pormenores que temos de melhorar para termos um melhor serviço. Macau é uma cidade muito chinesa e para quem não lê Chinês pode ser desafiante fazer turismo. Muitos restaurantes continuam a ter menus em Chinês. São pequenas coisas que devem ser feitas para facilitar a vida aos visitantes. Temos mercados emergentes como a Índia, Japão e Coreia e temos de pensar nestas coisas para tornar Macau num lugar mais atractivo e melhorar o ambiente.

A falta de atenção a estes pequenos detalhes pode piorar a imagem de Macau lá fora?
A imagem que Macau tem perante o mundo é de um lugar de Jogo. Isso está cimentado e aqui existem lugares históricos que tendem a ficar em segundo plano. Deveríamos promover o património através de pacotes turísticos específicos para esse fim, para um mercado muito específico. Acho que passear no meio de casas históricas e monumentos é bastante gratificante. Dá-nos a sensação de um lugar único, comparando com Hong Kong, por exemplo.

O Governo tentou promover o património com o programa “Sentir Macau passo a passo”, mas falhou por falta de adesão. Como é que o Executivo pode de facto promover mais esses lugares históricos?
Temos de ver o que falhou. E uma das razões para ter falhado tem a ver com a predominância do sector do Jogo. Agora que o sector está a decrescer, devemos fazer mais investigação na área do turismo para ajudar o Executivo a ver o que os potenciais turistas pensam. Temos de fazer uma investigação turística mais extensiva, para perceber porque é que os turistas vêm ou não vêm a Macau. Os acessos ao território sempre constituíram um problema, especialmente para o mercado internacional, porque o mercado chinês chega através das fronteiras.

É importante ter mais voos internacionais.
Sim. O Aeroporto Internacional de Macau é pequeno e tem um número limitado de voos e de companhias aéreas a operar. Depois há o sistema dos ferries que também precisa de ser melhorado. Macau tem de apostar na melhoria dos acessos, com serviços eficientes e melhores, com preços mais competitivos.

O fecho das salas VIP dos casinos deve também representar um grito de alerta junto do Executivo?
Sim. Mas isso está relacionado com as medidas anti-corrupção introduzidas por Pequim, que estão a ser positivas para a China, não tanto para Macau (risos). Essa questão sempre foi levantada, sobre qual seria a percentagem do dinheiro vindo da China que estaria envolvido em sistemas de lavagem de dinheiro. Esse deve ser um ajustamento feito a longo prazo e Macau terá de se ajustar a essa realidade.

Após a abertura de todos os empreendimentos de Jogo no Cotai vamos ter um mercado estável, mas com menos visitantes? Qual a sua previsão?
O sector do Jogo vai ajustar-se como fez em 2009 com a crise económica global. Se olharmos para as bases do mercado de Macau em termos de estadia é baixo, porque a maior parte dos visitantes fica no território apenas um dia, um dia e meio. Mas mesmo mantendo uma taxa de ocupação de 80% é bom, porque a média a nível mundial é de cerca de 60%. Na área hoteleira Macau está a ter um bom desempenho e com mais hotéis e quartos isso pode levar as pessoas a ficar mais tempo, porque quanto mais tempo ficarem, mais vão gastar, embora o mercado do Jogo fique estável.

Será difícil ter recursos humanos suficientes para responder à procura e às necessidades que o Cotai vai trazer?
Esse será outro desafio. Devemos estabelecer uma força de trabalho estável que tenha formação e as competências necessárias para dar resposta a um serviço de luxo que os turistas estão à espera. Parte do problema em Macau é que as pessoas que trabalham na indústria do turismo não olham para o serviço como algo que deva ser de luxo. Não basta sorrir para o cliente e muitas vezes notamos comportamentos que são semelhantes a robots e não se olha para as necessidades do cliente. Temos de dar formação também aos supervisores e funcionários da linha da frente. Isso é muito importante para manter os clientes.

Alan Ho, antigo director do Hotel Lisboa, está neste momento a ser julgado por alegadamente pertencer a um grupo organizado de incitamento à prostituição. Que impacto é que esse caso teve, se é que teve, junto do sector do Turismo?
O impacto é mais para a família do que para o sector. A prostituição é das profissões mais antigas do mundo e vai sempre existir nas suas diferentes formas. Tem algum impacto ao limpar um pouco a imagem internacional de Macau, que é um lugar conhecido por ter prostitutas e casas de massagens.

Esta semana um especialista disse que os confrontos em Mong Kok, Hong Kong, atraíram mais turistas para Macau na Semana Dourada. Acredita que os tumultos vividos na região vizinha podem trazer, de facto, mais turistas?
Esse confronto mostrou algum descontentamento da população e tem de haver diálogo. Durante o Occupy Central muitas pessoas pensaram tratar-se de algo violento, quando o mais violento que aconteceu foi o uso de gás pimenta, aquilo não passou de uma demonstração ou manifestação. Mas Hong Kong continua a ser um lugar seguro, tudo depende das zonas. Penso que a imagem internacional de Hong Kong não ficou afectada e penso que isso não vai ajudar assim tanto Macau. Olhando para o património, novamente apostaria na criação de pacotes turísticos em Macau, como algo para trazer pessoas do mercado de Hong Kong.

Centro de formação a funcionar este ano

Há poucos meses no IFT, John Ap tem estado a trabalhar no arranque do Centro Global de Formação e Educação no Turismo, anunciado em Outubro do ano passado no âmbito do Fórum de Economia Global. Ao HM, John Ap confirmou que este Centro visa criar programas de formação para membros dos governos de outros países. “Prevemos que vá entrar em funcionamento em Junho e vamos ter o primeiro grupo de formandos do Camboja e depois mais um programa de formação para formandos do Afeganistão”, apontou.

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