Intenções duvidosas

Um acontecimento político ocasional não consegue verdadeiramente congregar os partidos e associações que o integram, já que cada grupo tende a desconfiar das intenções dos restantes. Quanto mais significativas forem as alterações registadas na cena politica, maior tendência terão os partidos para “dançar conforme a música”, num jogo óbvio de namoro ao poder. Toda a gente sabe que os factos históricos têm sido, desde sempre, intencionalmente distorcidos. A História contada pelos vencedores é sempre manipulada a seu favor, não deixando lugar à existência de outras interpretações. O Poder teme que a mais pequena centelha possa causar um incêndio. Quem persistir em defender os seus ideais, e não quiser colaborar com a “situação”, acaba por ser empurrado para fora do barco até porque, hoje em dia, o patriotismo já foi “privatizado”. Vivemos uma era sem monarquias absolutas, mas também vivemos o período mais autocrático de sempre. É, no entanto, hora de despertar as consciências, hora de agir e lutar por uma democracia que tanto tem custado a conquistar.
Ninguém até agora abdicou facilmente do Poder, porque o Poder implica dinheiro, estatuto, influência e o mais variado tipo de regalias. Qualquer coisa que lembra “O Triunfo dos Porcos” de George Orwell, está a tomar forma por esse mundo fora, em nome dos mais variados “ismos”. As pessoas assemelham-se cada vez mais aos pais do protagonista do filme de animação japonês “Spirited Away”, que se empanturravam até não poder mais, ao ponto de parecerem porcos prontos para a matança. Os que estão agarrados ao poder, ou os que ignoram totalmente o sofrimento de quem vive abaixo da linha da pobreza, todos os dias recebem louvores na imprensa. Ninguém está interessado em perceber as causas da pobreza sistemática e das dificuldades permanentes de tantos milhões de seres humanos, quando está a sondar o mercado para comprar um apartamento.
É muito mais fácil deixar ao abandono lotes de terreno do que construir, até porque a erva daninha está baratíssima se comparamos com as despesas de uma família normal.
Quando a pressão exercida pela lava na crosta da Terra não pára de aumentar, os vulcões sofrem erupções e os terramotos acontecem. Quando os edifícios construídos com materiais deficitários se cruzam com um terramoto, caem inevitavelmente. Se queremos evitar as tragédias, temos de eliminar os riscos. Infelizmente, existem precedentes históricos que nos mostram ser habitual culpar as vítimas pelas consequências das calamidades.
A seguir ao grande incêndio de Roma, Nero não criou uma Comissão de Inquérito Independente e declarou que os cristãos tinham sido os responsáveis. Na “Noite dos Cristais” do Reich (Reichskristallnacht) em Munique, os judeus foram as vítimas. O mais certo é também não ter sido criada nenhuma Comissão de Inquérito para apurar a identidade dos culpados.
Sobre os confrontos entre a polícia e os manifestantes, ocorridos no primeiro dia do Ano Novo Chinês em Hong Kong, os noticiários oficiais declararam que nenhum dos vendedores ambulantes tinha sido formalmente acusado. Antes pelo contrário, os detidos encontram-se entre o grupo de pessoas que se mobilizaram via internet para apoiar a causa dos vendedores ambulantes e organizaram este suposto “motim”. Afirmar que os Serviços de Informação da Polícia não conseguiram ser eficazes e reunir material relevante sobre esta “mobilização de massas”, seria um insulto à competência da Polícia e ao bom senso dos cidadãos. Em 2015, na altura do movimento “Occupy Central”, todos os participantes foram identificados e listados. Podem sofrer restrições se quiserem visitar a China continental ou apenas dar um salto a Macau. É natural que, como quase meio milhão de habitantes de Hong Kong protestou contra a implementação de leis criadas a partir do Artigo 23 da Lei de Bases de Hong Kong, a China continental tenha passado a prestar particular atenção às questões políticas da região e que esteja muito bem informada sobre os movimentos de oposição em Hong Kong. O Governo Central poderá saber mais sobre estes movimentos do que os seus próprios membros.
Em qualquer jogo de xadrez, seja chinês ou ocidental, as peças mais numerosas são os peões. Existe um ditado chinês que reza o seguinte: “o soldado que atravessou o rio não tem forma de voltar atrás”. Os agentes da polícia que cumpriram as ordens dos seus superiores, são obviamente seres humanos com sentimentos, como qualquer outro cidadão, manifestante ou agitador. É, portanto, indispensável que, quer a vida, quer os direitos, de todas as pessoas sejam respeitados.
Um certo intelectual de Hong Kong escreveu uma história sobre formigas. Umas eram vermelhas e outras pretas e, por causa de terem sido instigadas, envolveram-se numa grande luta. Embora os seres humanos sejam superiores às formigas, não conseguiram impedir que se disparasse o primeiro tiro em Sarajevo, que conduziu à I Guerra Mundial. Será esta a tragédia da Humanidade, ou antes um destino urdido por esquemas e intrigas que tecemos uns contra os outros?

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