Estudo aponta para aposta na energia solar em Macau. Arquitectos de pé atrás

Macau deveria apostar na energia solar para preservar o ambiente, defende um estudo de três investigadores chineses. Especialistas locais até concordam, mas apontam para a falta de espaço e poluição

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]instalação de painéis solares no topo de edifícios, em Macau, pode reduzir até 10% as emissões de carbono na região. É esta a conclusão de um estudo de três investigadores chineses da Universidade de Xangai em parceria com uma norte-americana – Zhengwi Li, Steve Quan e Perri Pei-ju Yang. Embora este tipo de mecanismo esteja a disseminar-se em vários países, Macau faz pouco uso dele e arquitectos contactados pelo HM estão divididos: é uma ideia inovadora, mas que pode não ser adaptável à vida urbana da cidade. Em cima da mesa estão problemas como a falta de sol devido à poluição e escassez de espaço para a instalação.
O estudo teve em conta os bairros do Yao Hon (na zona norte) e os NAPE, onde se situam os casinos MGM, Wynn e StarWorld. A ideia seria aproveitar a “alta densidade” de edifícios construídos com recuo – prédios em que uma parcela de andares mais baixos é mais larga do que os mais altos – e em feitio de pedestal – condomínios com pódio, como os Nova City ou Nova Taipa – para instalar painéis solares e assim poupar energia. Aqueles construídos em recuo têm, de acordo com os autores do artigo, a vantagem de permitirem uma muito maior entrada de luz solar dentro dos apartamentos de baixo, já que existe menos sombra.

Maldita poluição

Tiago Quadros é um dos profissionais que concorda com a ideia, ainda que com reticências. O profissional defende que a instalação de painéis fotovoltaicos pode ser benéfica, não houvesse o problema da falta de espaço. É que esta é uma das questões com que urbanistas e arquitectos se debatem e que impossibilita a realização de projectos mais amigos do ambiente. Verdade é que o clima e a poluição também não ajudam. É o que diz também a arquitecta Ana Macedo e Couto.
“[Seria interessante que o estudo] considerasse os dias onde o sol não está encoberto seja por poluição ou pela alta taxa de humidade no ar, pressupondo que tem impacto na eficácia da utilização de painéis solares”, começa por dizer ao HM.
Não obstante, a profissional apoia a ideia defendida no estudo, acrescentando que também nos seus projectos se esforça ao máximo pela implementação de técnicas e materiais amigos do ambiente. “Alinho muito mais pela eficiência energética dos edifícios, tanto pelos materiais e técnicas utilizados como pela instalação de sistemas que permitam de alguma forma a produção de energia ou redução desta. Com painéis solares, por exemplo”.
Também o engenheiro electrotécnico Francisco Carvalho faz a ressalva do problema da poluição, embora a ideia agrade. “Os painéis fotovoltaicos, para funcionarem com o seu rendimento máximo, necessitam de ter o sol a incidir directamente nas células fotovoltaicas. Macau, durante grande parte dos dias, está coberto por uma névoa de poluição ou por nuvens atmosféricas, o que iria dificultar bastante a produção de energia eléctrica”, explica o profissional. 

Ainda falta

Para o engenheiro, os painéis fotovoltaicos só terão viabilidade “daqui a uns anos”, quando o seu custo for menor. Dessa forma, será possível “comprar” mais potência num espaço mais reduzido. “Para se ter uma instalação com uma potencia considerável, teremos de instalar muitos painéis solares. Este tipo de instalações necessita sempre de uma área grande e aqui não é coisa que se encontre com facilidade. Mesmo instalando no cimo dos prédios existentes, as áreas nunca são suficientes para se poder obter uma potência produzida considerável”, esclarece Francisco Carvalho. “Quando os painéis fotovoltaicos forem mais rentáveis, iremos obter uma maior potência/m2 e aí provavelmente será uma excelente solução para ser implementada em cidades como Macau.”

Sombra que mata

Para dois dos especialistas contactados pelo HM, a sombra também é um ponto negativo para a implementação deste tipo de práticas. Para Tiago Quadros, é preciso não esquecer que está em acção a Lei de Sombras – cálculo que define o ângulo do projecto de forma a minimizar a sombra nos passeios – que, feitas as contas com a escassez de terreno, deixa pouca margem para a implementação de energias renováveis. Se todos os edifícios de uma zona de construção altamente densa forem altos, coloca-se o problema do sol não ser capaz de chegar aos andares mais baixos e até ao passeio. Já Ana Macedo e Couto tem “sentimento ambíguos” quanto a esta norma.
“Acho que se pode tornar impraticável, tendo em conta a alturas dos novos edifícios e a largura de ruas que deveriam impor para cumprir a lei, mas por outro lado, ter arruamentos excessivamente largos não tem em consideração a mobilidade pedonal”, defende a arquitecta.

E tudo o resto

Quando questionados acerca da redução da pegada de carbono, tanto Ana Macedo e Couto como Francisco Carvalho apontam para falhas noutros factores que não o do sol. Outra das razões para o aumento dos valores de energia consumida é, de acordo com a arquitecta, a “falta de eficácia com que todos os edifícios são ainda hoje construídos”, insistindo-se em janelas de vidro simples ou falta de isolamento térmico.
“São coisas que considero que deviam ser requisitos mínimos nos dias de hoje e que, uma vez que não estão em prática no território, acabamos por ter edifícios que, do ponto energético, são muito pouco eficientes, exigindo o uso quase constante de equipamentos de ar condicionado para proporcionar temperaturas adequadas para a sua utilização praticamente durante o ano todo e não apenas nos meses extremos”, alerta. Francisco Carvalho lembra que “os grandes empreendimentos” como casinos e hotéis são quem mais oportunidades tem para instalar painéis fotovoltaicos e quem mais consome electricidade na região. No entanto, o mesmo especialista revela que a energia solar tem dois inconvenientes: é que não só faz uso de tecnologia “bastante dispendiosa”, como tem “pouco rendimento”, que aponta estar na ordem dos 15% a 20% quando comparada a outras que chegam aos 60%.

“Não deveria ser possível fazer projectos sem considerações ambientais”

Leis obsoletas dificultam melhorias, defende arquitecta

[dropcap style=’circle’]P[/dropcap]ara a arquitecta Ana Macedo e Couto, falta rever uma série de leis e regulamentos relativos à construção no território. Além da obrigatoriedade de utilizar determinados materiais e técnicas de poupança de energia, a profissional recomenda ainda que todas as renovações de prédios tenham em conta a protecção ambiental e seja criado um código especial para o ramo.
“Hoje em dia, não deveria sequer ser possível submeter um projecto sem estas considerações [ambientais] e muito menos [sem haver] qualquer fiscalização de obra que garanta que tudo é feito correctamente”, atira Ana Macedo e Couto, quando questionada acerca das normas vigentes na região.
No fundo, sobre quem recai a responsabilidade por estes males? A arquitecta atribui parte da culpa ao Governo e outra à “legislação obsoleta”. Para resolver o problema, sugere que se arrume a casa de alguns regulamentos que precisam de novas roupas.
“É uma vergonha um território como o de Macau, que tem tido uma vaga de crescimento enorme, continuar com legislação obsoleta”, avança. Questionada sobre se a adopção de medidas de poupança pode ser um problema para os construtores na altura de fazer contas à obra, a arquitecta concorda, mas defende que é preço a pagar pela melhoria do ambiente. “É um custo que deve ser reflectido no valor do imobiliário, obviamente, mas no território oculto de um imóvel não reflecte nada mais que a especulação e a ganância”, critica.
A fiscalização de obras na cidade é um tema sensível para Ana Macedo e Couto, que pede mudanças profundas no actual sistema de inspecção. “Deveria ser obrigatório os edifícios terem uma certificação de qualidade e que qualquer projecto de renovação contemplasse alguns mecanismos que ajudem a caminhar nessa direcção”, acrescentou. “Se houvesse um conjunto de exigências para os locais de construção e a seguir para a fiscalização, as coisas acabariam por, com certeza tomar o rumo certo.”
A arquitecta vai mais longe e afirma mesmo ao HM que Macau até poderia ser um exemplo a seguir, mas falta vontade dos governantes e construtores. “Porque é que Macau não é o sítio onde se experimenta, o sítio que está no topo da inovação? Há dinheiro e o território tem dimensão para se poderem controlar as ‘experiências’”, sugere.

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