BRICS: Análise comparativa da sua performance

* Por Rui Paiva

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]menção ao BRICS remete para uma pluralidade de realidades bem diversas, atentando ao que cada país membro representa sob o ponto de vista económico, financeiro ou enquanto actor global que, não obstante, consubstanciam um lobby de expressão mundial que representa 40% da população (três mil milhões de pessoas), e pouco mais de 20% do produto global.
A China destaca-se pela sua pujança económica e financeira, com elevadas taxas de crescimento, (se bem que a decair para perto dos 6%), e uma realidade global mais sólida do que os restantes países. Este crescimento é considerado como uma importante forma de legitimação do Governo e do Partido Comunista Chinês.
A diferença de dimensões realça-se no PIB da China, quatro vezes o do Brasil (e grosso modo também da Rússia e Índia), e vinte vezes maior que o da África do Sul. “A nova normalidade” é o conceito usado pelo governo chinês para definir o actual estádio, que significa a mudança de um crescimento forte para um crescimento menor, mas sustentável. Concretamente, em 15 de Março de 2015, aquando da 3ª sessão da 12ª Assembleia Popular da China (APN), o primeiro-ministro Li Keqiang refere numa conferência de imprensa que “a economia chinesa entrou na fase da nova normalidade”. Xi Jinping, num discurso muito importante apresentado em 28 de Março de 2015 no Boao Forum for Asia Annual Conference 2015 (a replica asiática do World Economic Forum, realizado de 21 a 24 de Janeiro em Davos), caracteriza da seguinte forma este estádio:
“Now, the Chinese economy has entered a state of new normal. It is shifting gear from high speed to medium-to-high speed growth, from an extensive model that emphasized scale and speed to a more intensive one emphasizing quality and efficiency, and from being driven by investment in production factors to being driven by innovation. China’s economy grew by 7.4% in 2014, with 7% increase in labor productivity and 4.8% decrease in energy intensity. The share of domestic consumption in GDProse, the services sector expanded at a faster pace, and the economy’s efficiency
and quality continued to improve”1.
E mais adiante quantifica o envolvimento chinês, afirmando“This new normal of the Chinese economy will continue to bring more opportunities of trade, growth, investment and cooperation for other countries in Asia and beyond. In the coming five years, China will import more than US$10 trillion of goods, Chinese investment abroad will exceed US$500 billion, and more than 500 million outbound visits will be made by Chinese tourists”.

Análise dos indicadores

De acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano, um indicador para aferir o grau de desenvolvimento humano e social, a Rússia é a melhor posicionada em 55º, seguida do Brasil em 85º, figurando entre os piores a África do Sul em 121º e a Índia em 136º. A China coloca-se a meio da tabela (101º). Na realidade, o PIB (em PPP), o maior produto decurso de alguns anos), leva a que se verifique a necessidade de recurso às suas diversas divisas, ou ao dólar norte-americano, a referência para os mercados financeiros, como ocorre nos pagamentos de negócios de petróleo (fala-se de petrodólares).
No plano político, desde logo sobressai a natureza dos regimes políticos, sendo três democracias e duas repúblicas de regime autoritário; e se a China é um actor global com uma projecção crescente, já a Rússia se tem destacado pela sua presente beligerância, mas há a ponderar outro aspecto que os caracteriza: a ‘vantagem’ de serem ambos membros do Conselho de Segurança da ONU, dando-lhes outra capacidade negocial.
Ora, por outro lado, devemos ter em conta que as posições expressas nesse mesmo conselho pelos vários BRICS não são idênticas, como aconteceu a propósito da resolução relativa à Síria: a Índia e a África do Sul a favor, e a China e a Rússia a vetarem a resolução. Analisando sob a perspectiva da Governance, não sendo nenhum dos países abertamente revisionista, é apontado outro indicativo de falta de unidade de acção: o caso da eleição para o FMI (de Christine Lagarde), não conseguindo entender-se para um candidato comum.
Passando à ordem social e demográfica, veja-se que a população (força de trabalho activa) tem e terá a médio e longo prazo um impacto diferente: a Rússia e a China com graus de envelhecimento que a Índia não acompanhará. Este factor tem um abalo muito significativo a nível de competição internacional, ou da criação de diásporas no mundo, na divisão internacional de trabalho (a China na manufactura e a Índia campeã dos serviços, por exemplo via call centres de multinacionais).

Pontos de convergência entre o BRICS
Abordando agora os aspectos que podem aproximar estes países e auxiliar a implementação de uma acção de colectivo, com impacto regional ou global, podemos destacar o facto de até agora não serem abertamente revisionistas (nenhum propondo a alteração da ordem internacional), afirmando-se pela manutenção do statu quo (dependendo todos os outros, de uma ou outra forma, da China). Afirmam-se mais como actores de um forum de reflexão e decisão sobre a ordem política internacional e sobre o sistema financeiro, numa união de esforços, mas acima de tudo uma forma de projectarem a sua posição, de se fazerem ouvir, dado que ganhando maior peso e capacidade de pressão poderão imprimir a sua vontade, instigando um espírito de união (relativa), que a crise financeira terá ajudado a fortalecer.
Na política interna serão eventualmente mais susceptíveis de enveredar por formas nacionalistas de comportamento, associadas a um proteccionismo comercial ou financeiro. Uma característica comum é a adopção de política sistemática de acumulação de reservas, atitude defensiva e de precaução desde a crise asiática4 de 1997, uma prática que ganhou maior expressão entre os países deste continente. Esta é uma medida com impacto nas suas balanças de pagamentos e na sua autonomia financeira em relação ao exterior, com efeitos muito positivos na capacidade de afirmação económica e financeira e autêntico ‘guarda-chuva’ ajudando a solucionar eventuais crises futuras (veja-se o caso presente da Rússia).
Também a China está a implementar reservas externas num modelo global, mas justificada parcialmente, em torno da insuficiência mundial de infraestruturas. A Índia poderá eventualmente ser a excepção, ao querer assumir-se como uma alternativa regional à China e tendo em conta a recente e aparente (com a Índia é preciso esperar para ver) assunção de uma parceria estratégica mais realista e profunda com os EUA; este factor poderá passar a reflectir um ponto de divergência futuro.
Importante também é o “factor liberdade”, em que as três democracias (do IBAS) se destacam pela positiva com uma pontuação de 2, quando a China e Rússia têm valores muito elevados: 6,5 e 6. A medida da desigualdade (distribuição de rendimento) é-nos facultada pelo índice de Gini2, muito elevado na África do Sul, com 0,65, melhor o da Índia nos 0,34, Rússia com 0,39, e Brasil e China ainda com muito espaço para percorrerem, com 0,52 e 0,47 respectivamente. Finalmente as Reservas Externas cujo caudal foi alimentado pela China até Junho de 2014 (um pico de 3,99 mil milhões de dólares), estacionando actualmente nos 3,887 mil milhões. Representam seis vezes as da Rússia, e cerca de dez vezes as do Brasil e da Índia. Este é um indicador de liquidez e de capacidade de financiamento de orçamentos expansionistas. Reservas que a China orienta para operações de M&A (aquisições e fusões) pelo mundo fora, contrabalançando a perda de dinamismo do seu modelo de desenvolvimento e rentabilizando assim esses recursos acumulados, ao mesmo tempo que vai gradualmente descolando da sua dependência do dólar norte-americano e perfilhando um outro importante desiderato, ainda longínquo: a projecção do yuan enquanto moeda de referência mundial.
O FMI tornou públicas projecções de crescimento do BRICS (2015/2016), que vêm fundamentar os receios de queda do crescimento da China (6,8/6,3%), comprovam a pujança da Índia (7,5/7,5%), o crescimento fraco da África do Sul (2/2,1%), o crescimento inócuo do Brasil (-1%/1%) (com fragilidades infraestruturais, corrupção do caso Petrobras e contestação social massiva) e finalmente uma Rússia fortemente abalada pelas sanções (crise ucraniana e tomada da Crimeia, a par da forte quebra dos preços do petróleo), com crescimento negativo (-3,8/1,1%).
Em síntese, assiste-se,
a) Brasil, com problemas políticos e sociais (dossiê corrupção), infraestruturas deficitárias, perdas de receitas de petróleo;
b) Rússia, com dificuldades advindas da quebra de preços de petróleo e devido às sanções aplicadas (ocupação da Crimeia), aliando-se tacticamente à China (v. g. nas áreas energéticas), demografia envelhecida a suscitar receios futuros;
c) Índia, com crescimento mais sustentado e expressivo, mas com uma vasta população rural e pobreza endémica, com muitas e importantes reformas por fazer, (dossiê fiscal por exemplo);
d) China, em mudança de modelo (de baseado nas exportações para um assente no consumo), e anterior crescimento rápido assente na voragem do imobiliário e das bolsas de valores, com problemas de equilíbrio entre a liberalização de sistemas (financeiro), e a centralização do poder;
e) África do Sul, relevante no seu continente, mas com xenophobia nas relações laborais, (mineiros imigrantes), fragilidades infraestruturais, necessidade de reformas estruturantes.
Será fácil o entendimento entre estes países tão diferentes?

Pontos de divergência entre o BRICS

Na ordem económica e financeira sobressai uma grande disparidade com tudo o que implica a sua projecção no mundo, capacidade de influenciar decisões de investimento ou de outra natureza económica e financeira, facilmente perceptível quando a China é quatro vezes superior ao Brasil, Índia e Rússia e vinte vezes à África do Sul. Acresce um manifesto diferente grau de desenvolvimento, de vontade ou de tendência reformista, assim como de modernização do sistema financeiro.
Nos recursos naturais e energéticos, refira-se a diferença de realidades para os diversos países: existência de recursos e sua exportação, característica da África do Sul, do Brasil e da Rússia. A Rússia, como um dos principais produtores energéticos, tem o seu orçamento muito dependente da venda do petróleo e gás, sendo muito afectada por variações, no sentido da baixa, do preço do petróleo, estando no outro lado da balança a China e a Índia (importadores de recursos naturais e energia). A China aproveitou a actual pressão sobre os preços energéticos para repor as suas reservas estratégicas.
No plano financeiro e monetário, a inexistência de uma moeda de referência de um dos seus membros, (estando a China a tentar internacionalizar o yuan3, o que só se verificará em pleno no decurso de alguns anos), leva a que se verifique a necessidade de recurso às suas diversas divisas, ou ao dólar norte-americano, a referência para os mercados financeiros, como ocorre nos pagamentos de negócios de petróleo (fala-se de petrodólares).
No plano político, desde logo sobressai a natureza dos regimes políticos, sendo três democracias e duas repúblicas de regime autoritário; e se a China é um actor global com uma projecção crescente, já a Rússia se tem destacado pela sua presente beligerância, mas há a ponderar outro aspecto que os caracteriza: a ‘vantagem’ de serem ambos membros do Conselho de Segurança da ONU, dando-lhes outra capacidade negocial. Ora, por outro lado, devemos ter em conta que as posições expressas nesse mesmo conselho pelos vários BRICS não são idênticas, como aconteceu a propósito da resolução relativa à Síria: a Índia e a África do Sul a favor, e a China e a Rússia a vetarem a resolução.
Analisando sob a perspectiva da Governance, não sendo nenhum dos países abertamente revisionista, é apontado outro indicativo de falta de unidade de acção: o caso da eleição para o FMI (de Christine Lagarde), não conseguindo entender-se para um candidato comum.
Passando à ordem social e demográfica, veja-se que a população (força de trabalho activa) tem e terá a médio e longo prazo um impacto diferente: a Rússia e a China com graus de envelhecimento que a Índia não acompanhará. Este factor tem um abalo muito significativo a nível de competição internacional, ou da criação de diásporas no mundo, na divisão internacional de trabalho (a China na manufactura e a Índia campeã dos serviços, por exemplo via call centres de multinacionais).

Notas
1 Xi Jinping – Towards a Community of Common Destiny and A New
Future for Asia (disponível em https://english.boaoforum.org/
hynew/19353.jhtml).
2 Quanto mais perto dos 0,5, menor desigualdade; quanto mais
aproximado do 1, maior grau de desigualdade.
3 O acordo de fornecimento de gás e petróleo que a Rússia
(Gazprom) e a China (China National Petroleum Corporation)
selaram em Maio de 2014, no montante de 400 mil milhões
de dólares, foi fechado em yuans e rublos, quando normalmente
estes contratos de energia são firmados em dólares, o que é
visto como uma parte da estratégia de descolagem da divisa
americana pois, quando assim acontece, obrigam-se os consumidores
de petróleo a pagarem nesta moeda, expandindo a sua
utilização.
4 A China por ter tomado uma atitude – política monetária – mais
radical, conseguiu evitar o efeitos das fortes pressões especulativas
que outros países asiáticos sofreram, caso da Tailândia
e Indonésia, por exemplo.

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