As longas metragens de Jean Eustache, La Maman et la Putain e Mes Petites Amoureuses

[dropcap style=’circle’]L[/dropcap]a Maman et la Putain traz sobretudo a lembrança de uma era que passou, o início do nosso tempo, um em que as mulheres já se não deixam seduzir pelos soldados, um tempo em que o uniforme militar perdeu o seu charme para se ver substituído pelo prestígio do homem de sucesso, os seus carros e o seu emprego fixo.
Quando o nosso herói, Alexandre, no início do filme, pede emprestado um carro a uma vizinha esta diz-lhe, aproximadamente, que o carro não tem o pisca do lado esquerdo e que, para contornar esta falha, inventou um pequeno truque – evitar virar à esquerda. É aí que o filme de Eustache nos convence. Um homem de sucesso não conduziria um carro sem indicador de mudança de direcção, acho eu. Alexandre não tem direcção e esse é o seu segredo e o seu charme.
O que em La Maman et la Putain causa uma nostalgia paralisante é o modo como é usado o tempo. Como pode aquele que era o tempo do ócio e da largueza ter-se transformado, hoje, num tempo dedicado todo ele à utilidade?
Este filme não precisava, além disso, de ter 3 horas para se explicar, mas, no fim, percebemos que a ele se poderiam generosamente juntar mais 3 horas e meia porque esta história, autorizada já longe dos primeiros entusiasmos da nouvelle vague, faz parte de uma fase de confirmação, de uma fase em que se perdeu a necessidade de anunciar um cinema novo com estridência e em que se pode permitir uma auto satisfação.
Os temas, longamente debatidos, são os do costume, o amor, o ciúme e a frequência da cidade, neste caso, como em tantos outros filmes da época, Paris, e, sobretudo, a necessidade imperiosa da liberdade. Aqui a liberdade é a do amor e a do usufruto do ócio.
A imagem é a dos cafés, a dos cigarros constantes, da música e das referências ao cinema e, mais escassamente, ao sistema político. O que mais perturba é a incontornável instalação do tempo burguês, a instalação do tempo comercial e o tópico da pressão social em direcção ao conformismo – que levou à ditadura actual dos produtos gourmet, do design, da correcção política e do desporto.
Por isso este filme teria de ser longo e extremamente palratório, para lembrar como a conversa e os cigarros são essenciais à felicidade. Num dos seus primeiros filmes curtos, Le Père Noël a les yeux bleus, um dos personagens fala de um outro referindo-se-lhe nestes termos: não me consigo lembrar dele senão com um cigarro na ponta dos lábios. Hoje ele serve para percebermos que nos roubaram o tempo.
Não é, como se poderia esperar, mais um filme francês de conversa, mas não é fácil de isolar de onde é que vem a sedução que o envolve.

Jean Eustache realizou, para lá de várias curtas metragens, apenas duas longas, La Maman et la Putain e Mes Petites Amoureuses, respectivamente em 1973 e 1974. Não viveu muitos anos, escolheu suicidar-se com um tiro. Não conheço muitos cineastas que se tenham suicidado com um tiro. Talvez o cinema não seja uma actividade muito séria.

O mes petites amoureuses,
Que je vous hais!
Plaquez de fouffes douloureuses
Vos tétons laids! (Rimbaud)

Mes Petites Amoureuses é menos urbano e menos cool. Não tem jovens de cachecol e o centro das atenções não é um jovem urbano, intelectual e irritante mas um pré-adolescente de cidade de província, acólito de igreja e de ideias fortes.
Pode ser uma história autobiográfica de Eustache mas se não o for sê-lo-á de muitos outros jovens pré-adolescentes de cidade de província. Seja como for, uma infância na província, com os seus odores fortes e uma imobilidade húmida, marca mais que a juventude na grande cidade. É emblema da sua cruel intenção o início irónico do filme, uma canção: (. . .) douce France, cher pays de mon enfance (. . .) mon village (. . .) où les enfants de mon âge/on partagé mon bonheur/oui je t’aime . . . douce France. Será tudo menos doce esta França estática, monótona e triste e é difícil, dado o título do filme, não pensar na infância difícil e cheia de peculiares agressividades do autor do poema que o informa, Rimbaud.
Quando o pobre rapaz é obrigado a deixar a avó e a escola para ir viver com a mãe e um espanhol de semblante duro e sofredor com quem mantém uma relação ainda meio escondida da sociedade local, dá-se o começo do incómodo (a mãe distante) e do fascínio que algumas mulheres lhe causam. O crescimento de Daniel far-se-á de silêncios e de faltas de oportunidade, estas inevitáveis a partir da altura em que a mãe o retira da escola para o pôr a trabalhar.
Se o protagonista de La Maman et la Putain praticamente não se cala durante todo o filme, em redor do jovem Daniel permanece um silêncio que o distingue dos que o rodeiam.
A sentença a que não poderá fugir é declarada por um amigo (Maurice Pialat) do mecânico de motas para onde a mãe o envia para trabalhar: nunca serás mais que um pobre diabo como nós.
Em Mes Petites Amoureuses (muito mais do que em La Maman et la Putain) há uma imensa capacidade de nos dar a ver os perigos que o futuro nos pode reservar, uma imensa capacidade de nos dar a ver como se instala em torno de um jovem talentoso, apodrecenta, uma inevitável desilusão.

Subscrever
Notifique-me de
guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
Ver todos os comentários