O Ouro do Silêncio

“A razão mesmo vencida, não deixa de ser razão”
António Aleixo

[dropcap style=’circle’]U[/dropcap]m dos mais fundamentais princípios de toda a governança é a existência de um pensamento ordenado, estruturado, para que se possa dizer que governar é também prever. A esse conjunto coerente de ideias dá-se o nome de ideologia.
Governar não é o mesmo que administrar. À governação cabe definir os objectivos e os modos de os atingir, coisa pouca para uma cidade com seiscentos mil habitantes mas que, pelo descontentamento que significativos sectores da população demonstram quanto a algumas (in)decisões ainda recentes, e outras candentes, parece não existir ainda um fio de pensamento, uma bem urdida meada, e subsequentes acções.
Recordemos: durante meses os táxis boicotaram a população local, lançando-se como lobos sobre os turistas, gerando conflitos, exclusões e outros descontentamentos que, felizmente, a nova administração decidiu debelar. SILENCIO
Os ambientalistas e alguma população não tolera o ar que se respira, os jactos do mortal monóxido de carbono que a superpopulação de carros e autocarros lançam sobre os cidadãos.
Ao longo da última década assistiu-se a uma verdadeira invasão desorganizada de automóveis novos-ricos, disseminados pelos vários estratos sociais da população, tempos de abundância e ostentação, a par do enorme enxame de motas e motinhas que povoam o quotidiano da cidade, sem que para isso houvesse mão. Foi entrada franca.
Perante esta situação, que já extravasou todos os limites do tolerável, não se ouviu para os lados da AL nenhuma voz que alertasse para o óbvio, isto é, para a hipersaturação que é aquele ponto em que todos os veículos colocados em fila ultrapassam, em muito, a quilometragem das vias de circulação urbana.
Falou-se, isso sim, dos malefícios do tabaco, o que me leva a pensar se será necessária uma auscultação sobre os Malefícios do Automóvel para que se tomem providências nesse sentido.
E como sobre estes assuntos tem reinado silêncio, houve quem se lembrasse então de embirrar com as consequências, e propor que os parques de estacionamento não tenham passes mensais. Isto quer dizer que não havendo garagem privada, o utente do passe mensal dos parques públicos não pode estacionar o carro perto de casa. Ao contrário, segundo luminosas ideias, mesmo que não queira, o dono do passe tem de sair do parque e aumentar o fluxo de trânsito, porque “é preciso dar a vez a outros”. Tal alegação encontraria em Magritte algum potencial acolhimento, se o artista ainda fosse vivo, e o Surrealismo fosse artisticamente vigente.
A primeira questão que se levanta é saber porque é que se emitiram passes mensais e porque é que há utentes para eles. Gostaria muito que certas luminárias soubessem responder adequadamente a esta questão.
Depois, desejaria, enquanto cidadão, ser elucidado porque é que nunca se pronunciaram contra a invasão de automóveis e motas e seus efeitos nefastos. Porque é que deixaram que o mal se fizesse e agora falam em farisaicas igualdades, e propõem debates.
Quando não se possui uma doutrina para a cidade, quando não se possui a cultura suficiente para compreender o que é uma cidade, quando as motivações são repentinas e despidas de uma lógica fundamentada, recomenda-se o recurso à sabedoria possível: em certas circunstâncias o silêncio é mesmo de ouro.

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