O que fazer com tantos refugiados?

[dropcap style=’cirlce’]O[/dropcap]s números justificam a interrogação. Só no que diz respeito aos deslocados do conflito na Síria haverá neste momento mais de 10 milhões de pessoas longe das suas casas, 40 por cento dos quais no estrangeiro. Ao contrário da narrativa que alguma imprensa internacional tenta fazer passar e a ideia que a sucessão de cimeiras da União Europeia possa transmitir, a maior parte dos refugiados não está no interior das fronteiras da Europa. Segundo dados da Organização Internacional das Migrações (OIM), até Outubro terão chegado à Europa cerca de 650 mil pessoas, muitas oriundas da Síria e do Iraque, mas também da Eritreia, da Somália ou do Afeganistão.
O país que mais refugiados acolheu até agora é a Turquia, onde se encontrarão à volta de 2 milhões de sírios. Este número explica a disponibilidade da União para custear parte da despesa de Ancara com os refugiados. A oferta de 2 mil milhões de euros teria um objectivo muito claro: garantir que os turcos mantivessem as fronteiras da Turquia com a Grécia fechadas a não europeus.
Além da Turquia, onde estarão perto de 20 por cento de todas as pessoas que saíram da Síria desde o início da guerra civil, em 2011, só no Líbano, um Estado com pouco mais de 5 milhões de pessoas, haverá mais de 1 milhão de Sírios. Em termos globais, segundo dados do Alto do Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), ainda encabeçado por António Guterres, há por esta altura 60 milhões de deslocados em todo o mundo. Um número mais elevado do que em qualquer outro momento desde o fim da II Guerra Mundial, há 70 anos.
A grande preocupação para muitos responsáveis políticos da União Europeia nos últimos meses tem sido a de travar a vaga tão grande de candidatos a asilo, mas também a emprego. Tem sido esse o sentido das decisões tomadas pelos 28 Estados-membros nas cimeiras, a começar pela mais recente, de “pagar” à Turquia para manter os refugiados fechados no seu território, ou a mais “antiga” de aceitar apenas 160 mil pessoas no interior da União nos próximos dois anos. Isto já para não mencionar as decisões individuais de países como a Hungria, que construiu vedações nas fronteiras com a Sérvia e com a Croácia.
A União Europeia é naturalmente um destino atractivo, quer para refugiados, à procura de um local estável, desenvolvido, onde possam (re)encontrar a paz, quer para imigrantes económicos, a tentar uma nova vida, em países em que o trabalho é ainda bem pago e os apoios sociais existentes. A União corresponde à ideia idílica de paraíso na terra. A guerra está fora das suas fronteiras há 70 anos, o grau de integração política e económica fez da Europa um dos blocos mais poderosos do mundo.
Esta atracção é explicada também por uma prática que não se consegue apagar de um dia para o outro, apenas por que o número de candidatos a asilo aumentou exponencialmente. Ao contrário de outros países, destinos típicos de imigrantes, como os Estados Unidos, o Canadá ou a Austrália, em que prevalecem mecanismos de quotas ou de sorteio, a União tem tido uma política de portas abertas aos imigrantes.
O número total de autorizações de residência atribuídas pelos 28 Estados-membros da União Europeia foi, só no ano de 2014, de 2,3 milhões. No ano passado, foram admitidos pela primeira vez na Europa, para trabalhar, estudar ou por razões familiares, quase três vezes mais pessoas do que o número de candidatos a asilo que já chegaram ao continente europeu desde o início do ano.
Os números, divulgados na semana passada pelo Eurostat da União Europeia, representam uma diminuição de 2.2 por cento em relação ao ano de 2013. E de 9 por cento quando comparados com os de 2008. Quase um terço das autorizações de residência foi concedido no âmbito de reuniões familiares, cerca de 25 por cento foram autorizações de trabalho e 20 por cento no quadro de autorizações para prosseguir estudos. Ucranianos, norte-americanos e chineses estão entre as nacionalidades que mais procuraram a Europa para residir.
Tendo em conta estes números e a incapacidade de os Estados lidarem, por si só, com uma vaga tão grande de refugiados, sobretudo os países em redor da Síria e do Iraque, dois investigadores da Universidade de Oxford, Alexander Betts (especialista em imigrações) e Paul Collier (um economista bem conhecido pelo seu livro “The Bottom Billion” e as armadilhas ao desenvolvimento que têm afectado os países mais pobres do mundo onde vivem mil milhões de pessoas) acabam de propor nas páginas da Foreign Affairs a criação de zonas económicas especiais para refugiados, onde os deslocados poderiam desenvolver os seus negócios e contribuírem quer para o desenvolvimento dos países de acolhimento quer para a futura reconstrução dos seus países de origem.
Ao contrário de pagarem as tendas miseráveis em que os refugiados são mantidos e os mantimentos que lhes são distribuídos, os Estados de acolhimento, com a ajuda das principais potências económicas, que já contribuem bastante para a manutenção das operações do ACNUR e de outras agências que trabalham com os refugiados, investiriam em bairros residenciais e em zonas industriais, ajudando os refugiados, nas palavras de Betts e Collier, a ajudarem-se a eles próprios. Não se julgue que isto é perpetuar uma situação que se quer provisória. Os estudos mostram que os refugiados (os tais que vivem nas tendas miseráveis) acabam por ficar, em média, 17 anos nos países de acolhimento.
Todos os problemas podem ser vistos como situações, desafios ou oportunidades. O que parece é que muitos dirigentes políticos europeus ainda não passaram a fase de olhar para a vaga migratória como um problema.

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