Analtecendo

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]creditem ou não quando pensei no nome ‘Sexanálise’ para uma rubrica sobre sexo, tinha em mente o trocadilho freudiano para clarificar que o meu objectivo era o de dissecar ao tutano alguns aspectos da sexualidade humana. A reacção alheia era, no entanto, a surpresa e a jocosa expressão de quem tivesse visto em luzes neon as palavras SEXO ANAL. Sexanálise, sexo anal. Estou agora bastante ciente da semelhança. O momento chegou para todo um artigo sobre o tema.
 Sexo anal, uma prática de todo não exclusiva a casais homossexuais, é um tema surpreendentemente complexo. Chamar-lhe-ia polémico se não fosse a forma politizada do vocábulo que de uma forma exagerada nos leva à violência do que é ser enrabado social, política e sexualmente. Fico-me pelo enranbanço sexual-literário de quem se debruça (debruçar – linda escolha de palavra) pelo tema. Vi-me obrigada a falar sobre a referida actividade quando num romance do Jorge Amado há uma referência a sexo ‘por trás’. Uma aula de literatura numa Universidade chinesa levou a toda uma conversa que em muitas semelhanças teve com uma aula de educação sexual. ‘Há vários tipos de sexo’… etc, etc. Que não haja surpresa que, no romance, sexo anal era usado como o método de preservação de uma muito afamada ditadura da virgindade. Prática ainda comum para as que temem o coito pré-conjugal ou para quem prefere jogar pelo seguro, gravidez-wise. Para outros, o olho do cu é de uma santidade imaculada. Nas minhas informais observações, o mundo tendencialmente divide-se entre um puritanismo exagerado ou uma instrumentalidade do acto, ou seja, ou és essencialmente contra ou és a favor porque convém, pelas razões supracitadas. Existe, contudo, toda uma terceira categoria que nas formas sociais se dá menos a mostrar. Sexo anal, como parte de uma sexualidade normal e prazerosa por todos os envolvidos, é mais difícil de encontrar. Sexo
Aliás, é daquelas perguntas clássicas naqueles jogos parvos de objectivo a humilhação ou vanglória, tipo verdade ou consequência. ‘Gostas de levar no cu?’ Acho que conseguem sentir o peso das palavras a ecoar no universo do embaraço. Culpo o desenvolvimento semântico e morfológico da sodomia de toda a apreensão acerca do ânus. Em geral, há toda uma reacção visceral quando se pensa no corpo humano, qualquer parte que seja. O sexo ajudou a amenizar toda a feiura do corpo para algo digno de ser louvável e venerado, se mudou a nossa representação da nossa parte de trás, talvez não. James Joyce nas suas cartas de amor a Nora, de uma grande natureza erótica, até que é bem gráfico e honesto nas suas fantasias anais: ‘glorying in the very stink and sweat that rises from your arse’. Nem me atrevo a traduzir para português, só para não perder a sua genialidade. Mas isto do sexo anal anda a tornar-se cada vez mais mainstream, e graças às novas vozes de uma geração de um empoderamento sexual feminino, há dicas e discussões que se vêm à tona. Para quem tiver curiosidade, a Beatriz Gosta, o novo fenómeno no youtube, no seu último sketch da primeira temporada faz um ABC esclarecedor ao sexo anal, para todos os interessados em desenvolver a prática, bem informados. Até porque branqueamento anal já é uma preocupação em certos círculos, normalmente pornográficos, mas que demonstra toda uma nova consciência pela parte traseira que vai para além de umas bochechas jeitosas. 
A temática torna-se ameaçadora, até, se falarmos de sexo anal em homens heterossexuais. Para além de uns comentários parvos, o sexo anal não é falado de todo. Obviamente que mulheres não estão fisicamente preparadas para tal actividade, mas damos todos graças pela existência de sex shops e brinquedos que possam satisfazer qualquer fantasia. Os homens que poderiam achar alguma graça a tal ideia são muito poucos, sem surpresa. E agora perdoem-me porque vou me perder em raciocínios mais abstractos. Gosto de reflectir sobre simbolismos de todo o tipo de práticas e não consigo abstrair me do facto que a perseverança da virgindade anal heterossexual tenha mais do que se lhe diga. Para uma mente inocente como a minha que se prende pela tão pratica essência das coisas, anatomicamente falando, homens deveriam estar mais do que satisfeitos com uma proposta assim. Mas não estão. Rejeitam e repudiam. O porquê seria muito interessante de perceber. A resposta mais simples seria de uma inerente homofobia ou a descoberta de uma escondida homo-simpatia. Ou será um medo de perda de controlo que relações heterossexuais normalmente preconizam? Medo porque julgar-se-á frágil e indefeso. Numa posição de vulnerabilidade nunca antes vista ou sentida. Senhores, talvez uns exercícios de disrupção e contestação psicossocial façam bem à humanidade. Analtecendo o que o sexo tem de melhor. 


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