Consequências do drama grego

[dropcap style=’circle’]Os[/dropcap] dias de tremenda tensão negocial à volta da grave crise financeira da Grécia vieram pôr em evidência algumas tendências da “nova” Europa. Principalmente três. As tensões nacionalistas estão a crescer por toda a Europa. Os partidos políticos pró-europeus, aqueles a que nos habituámos a chamar do “centrão”, preocupados com o crescimento dos extremismos, tanto à direita como à esquerda, foram criando as condições para que a coligação da esquerda radical grega (o Syriza) não conseguisse chegar a bom porto. A estrutura político-administrativa da União Europeia é incapaz de gerar consensos políticos.
Todas estas conclusões podem ser resumidas através de uma só ideia: a construção político-administrativa da União Europeia (UE) está em risco. A forma como os dirigentes nacionais vierem a lidar no curto prazo com os desafios que a crise grega lançou ditará o futuro da União.
A Europa institucional lidou com o Syriza com muita condescendência. Desde as primeiras reuniões em Bruxelas, nas quais participaram Alexis Tsipras e Yanis Varoufakis, no início do ano, que essa condescendência é visível. Deram aos radicais gregos o tratamento que era dispensado aos “miúdos” traquinas pelos directores de turma de um certo período da história (representados pela imagem do tradicional professor da escola primária, de régua na mão, sempre pronta a usar, mas não para medir uma qualquer distância entre dois pontos). A imagem do Presidente da Comissão Europeia numa dessas primeiras reuniões, abraçado a Tsipras, a puxar a sua própria gravata para ocupar o vazio da ausência de uma no colarinho do primeiro-ministro grego, acaba por ser uma excelente síntese da relação recente entre a União Europeia e a Grécia. Para dançar tango é preciso que haja uma convergência de vontades das duas personagens envolvidas. No caso de uma revisão estrutural da dívida grega e do processo de refinanciamento do país proposto pelo governo grego, Tsipras dançou sempre a solo. A UE, enquanto tal, optou por tocar uma outra música: a do pagamento dos empréstimos, no calendário que havia sido acordado com a Grécia no âmbito do primeiro e segundo resgates.
Como se veio a ver mais tarde – através do olhar de fora da UE trazido para o debate político pelos relatórios do Fundo Monetário Internacional (FMI) – a ideia de uma reestruturação da dívida grega, leia-se perdão de dívida, não apenas fazia sentido como se tornou agora num imperativo que o FMI coloca como condição essencial para continuar a ser envolvido no affair grego. Como em quase tudo na vida, as análises externas dão-nos uma perspectiva muito mais realista sobre um qualquer conflito. É isso que explica, por exemplo, a popularidade dos conselheiros matrimoniais. Quando um casal deixa de conseguir lidar com as tensões internas e recorre a um serviço de aconselhamento profissional fá-lo, em muitos dos casos, para obter uma análise aprofundada das raízes do conflito na esperança de as poder resolver. Em muitas das situações – e não apenas na vida familiar –, essa perspectiva externa traz uma nova luz aos problemas, que as partes envolvidas, com interesses específicos no conflito, não conseguem ou não querem reconhecer.
Na questão da crise europeia espoletada pela pré-insolvência grega, as análises mais certeiras e desapaixonadas que tenho tido a oportunidade de ler provêm de fora da UE. O FMI é uma dessas leituras obrigatórias. Até porque estão desprovidas das mensagens que o tal “centrão” europeu quer fazer passar. A dissimulada condescendência tinha apenas como objectivo fazer o Syriza saltar fora na primeira curva da estrada. A bem da “normalidade” política europeia, do pagamento dos empréstimos e da estabilidade do euro. grécia
Mas o problema grego veio, ao mesmo tempo, exacerbar um conflito latente entre nortistas e sulistas. Há uma linha de fractura que se agudiza entre o Norte e o Sul da Europa. Uma linha que teve na questão grega um momento de expressão das dissensões sobre o conteúdo da própria UE. A Europa é cada vez menos a Europa da solidariedade. Há uma narrativa que perpassa no Norte da Europa contra um Sul, imaginado a trabalhar menos horas, num ritmo mais descansado e que tem no Estado uma espécie de santo protector contra todas as intempéries. Esta narrativa fez escola quer nas elites, quer nas opiniões públicas da Alemanha, Holanda, Finlândia e Eslováquia, por exemplo, e foi escutada nas reuniões do Conselho Europeu pelo discurso de que já chegava de apoiar a Grécia.
Este ressurgimento dos nacionalismos europeus não é de hoje. Agravou-se com a crise financeira que assola a Europa desde 2008. E põe autores credenciados a questionar se a Europa continuará em paz na ausência de prosperidade. O euro, infelizmente, ao contrário de ter aproximado as diferentes economias da Europa – ou as diferentes Europas – veio agudizar as diferenças entre elas. Em países onde o desemprego jovem chegou aos 50 por cento e a ausência de ocupação atinge um quarto da população, a crise potencia situações em que europeus acabam por ficar contra europeus. A tendência – com o aumento da dimensão eleitoral dos partidos nas extremidades do sistema – será a de o discurso contra a integração se tornar mais e mais popular.
O futuro da Europa joga-se muito na resposta que os principais líderes políticos nacionais venham a dar às consequências que a crise grega teve nas estruturas político-administrativas da União Europeia. O combate aos nacionalismos emergentes não será fácil, sobretudo porque, a um certo nível, a construção europeia tem exaltado a existência do Estado-nação. A profusão de Estados-nação interessa naturalmente ao centro político-administrativo da União para reforçar o seu papel de facilitador de consensos. Mas esse é um dos seus principais problemas. A União não tem conseguido gerar consensos – além do caso grego, com todas as suas consequências políticas, outro exemplo recente é a abordagem ao fluxo de imigrantes africanos na Europa, em que a proposta inicial da Comissão foi simplesmente destruída pelos Estados-membros. Juncker é um eurocrata experiente, mas acaba de chegar à presidência da Comissão Europeia. Poderá estar a pagar o preço de uma certa indefinição de estilo inicial, mas o seu mandato adivinha-se extremamente difícil. E, no fundo, é a sobrevivência da própria União, tal como a conhecemos hoje, que poderá estar comprometida.

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