Scott Chiang, activista político e ex-presidente da Novo Macau: “Casos nos tribunais obrigam-nos a crescer”

As batalhas jurídicas que envolvem a Novo Macau obrigaram a um crescimento e uma aprendizagem em áreas que os membros nunca tinham imaginado necessitar. A explicação é de Scott Chiang que hoje começa a ser julgado, com Sulu Sou, por suspeitas da prática do crime de desobediência qualificada. Sobre suspensão do deputado, o ex-presidente considera que as vozes dos democratas vão continuar a ser ouvidas em Macau

 

A Novo Macau tem sofrido mudanças significativas. Jason Chao deixou a associação, elegeram Sulu Sou como deputado, Kam Sut Leng assumiu a presidência. Que balanço faz das alterações?

Há uma evolução natural e temos aprendido muito e depressa. As pessoas que assumiram as novas posições estão a ter um bom desempenho. As eleições trouxeram muitas mudanças para a Novo Macau e o facto de termos um deputado está a alargar o nosso campo de acção. É uma fronteira nova com que temos de trabalhar e que nos exige uma nova adaptação.

Quando fala de nova adaptação, o que quer dizer?

Ao contrário de associações tradicionais, não nos focamos apenas numa área de acção, temos de lidar com muitos assuntos e diferentes, o que exige aprendizagem. Por exemplo, não quero falar dos casos que estão nos tribunais, mas são episódios que nos obrigam a crescer e a aprender sobre determinadas áreas que, como associação, nunca pensámos que teríamos de aprender.

Quais são as suas motivações para ser um activista pró-democrata no contexto de Macau e da China. O que acredita que é possível alcançar?

Quero sempre melhores condições e alcançar mais, mais transparência nos que têm o poder, uma maior responsabilidade dos políticos e uma população com consciência cívica e bem-informada, capaz de votar no que é melhor para si. Quero uma Assembleia Legislativa que trabalhe para as pessoas e não contra elas. Quero uma sociedade em que uma associação como a Novo Macau não é precisa porque a população tem um pensamento crítico, sabe defender e reivindicar os seus direitos e não tem medo de se expressar.

Acredita que esse objectivo é alcançável?

Dentro de um certo tempo razoável…

O que considera um tempo razoável?

Talvez até ao fim da minha vida… (risos) Talvez, no futuro, as pessoas de Macau não se foquem muito na política, nem tenho a certeza absoluta que isso seja obrigatoriamente positivo. Mas se estiverem mais preocupadas com os seus direitos, se tiverem uma maior compaixão pelos cidadãos com menos sorte e posses… Era algo que também já me deixava muito contente. Acredito que é possível haver essa mudança.

Macau tem falta de solidariedade?

As maiores tragédias nesta cidade não acontecem porque há um regime do estilo fascista a reprimir as pessoas inocentes. Acontecem porque não há solidariedade, existe muito o pensamento perante a adversidade dos outros: “Tiveste azar” ou “Isso é um problema teu e eu não tenho nada a ver com isso”. Se mudássemos um pouco isso, haveria mais justiça e menos medo de proteger os nossos direitos. Era um ponto de chegada que me agradaria.

Sulu Sou foi suspenso da Assembleia Legislativa, apesar de nunca ter defendido a independência de Macau. Em Hong Kong também houve pró-democratas que perderam os mandatos e nem todos defendem a independência. Há espaço para esta nova geração pró-democrata em Macau e Hong Kong?

Acredito que sim. Podem tentar silenciar-nos a todos, podem suspender-nos para acabar com o barulho, mas as nossas vozes vão ser ouvidas. Vão continuar a surgir pessoas nas gerações mais novas com coragem e pensamento crítico para apontarem as práticas do sistema que não justas.

O ambiente criado à volta dos pró-democratas faz com que as pessoas tenham mais medo de serem associadas à Novo Macau?

Não, pelo contrário. Nunca promovemos uma política activa de angariação de membros, até porque não estamos dependentes do valor das quotas que os associados pagam. Mas a verdade é que Sulu Sou tem um carisma muito grande, quase como se fosse uma estrela, o que faz com que muitos jovens tenham a curiosidade de perceber como funciona a Novo Macau nos bastidores. Por agora, não faz sentido falar de medo.

Quantos membros tem a Novo Macau?

Temos cerca de 100 membros. Ao longo da história da associação nunca se passou essa marca. Os “nossos pais fundadores” também nunca quiseram fazer a associação crescer muito porque tinham receio da transferência da soberania. Na altura, esperavam um ambiente muito adverso para os pró-democratas após a transição.

Têm muitos relatos de membros prejudicados no trabalho por serem membros da Novo Macau?

Estamos a falar de uma característica muito chinesa, em que ninguém vai explicitamente colocar um cartaz no escritório ou emitir orientações aos trabalhadores a proibi-los de aderirem à Novo Macau. Mas sabem fazê-lo de outras formas e impor uma certa autocensura que leva as pessoas a pensarem: “Posso estar na Novo Macau, mas não posso aparecer nas câmaras”. Foi algo que aconteceu logo desde o início da Novo Macau, quando muitos membros eram funcionários públicos.

A transição agravou esse problema?

Passou a ser mais frequente, porque as pessoas não querem ser vistas como causadoras de problemas. O cenário é muito semelhante, só que as gerações mais novas são muito corajosas e sabem dividir a vida profissional da vida política. Percebem que as duas não têm de estar ligadas. Ter um emprego não implica abdicar de ter opinião. É uma mudança muito positiva.

Há membros da Novo Macau a trabalhar para o Governo?

Não tenho conhecimento de a existência de algum caso.

Houve avisos do Governo para que os funcionários públicos não participassem na manifestação de apoio a Sulu Sou?

Tivemos relatos dessas situações, mas como já aconteceu anteriormente não temos provas e, por isso, o que podemos dizer é que é especulação… São relatos que nos parecem credíveis. As pessoas sabem como funcionam as coisas e acreditam que é plausível que isso tenha acontecido. O Governo devia mudar a sua postura face às manifestações, não devia encorajar a participação, mas também não é positivo se houver este clima de suspeição.

Olhando para a situação de Macau, que balanço faz da situação do segundo sistema e a região?

Na minha opinião, o sistema não está melhor do que há cinco anos. Já o desenvolvimento social, principalmente a nível material, teve uma evolução muito positiva, talvez melhor do que em qualquer outra parte do mundo. Este aspecto material é muito importante porque permite dotar as pessoas de uma maior consciência cívica.

Essa consciência pode ser uma semente mais democrática?

Talvez as pessoas não queiram uma sociedade mais democrata, mas querem explicações. Querem perceber como é que um Governo que tem recursos tão grandes é incapaz de resolver os problemas do sistema de transportes. Há cada vez mais pessoas a exigirem que o Governo resolva os problemas e apresente resultados.

Foram estas exigências que levaram as cerca de sete mil pessoas à Praça da Assembleia Legislativa contra a lei para dar mais benefícios aos membros do Governo aposentados?

Sim. As pessoas de Macau não se preocupam muito se os poderosos ficam mais ricos e tiram uma grande parte dos dinheiros para si, sendo pagos muito acima do que merecem. Mas também querem ver alguns resultados. Quando surgiu essa proposta, as pessoas consideraram que era um abuso face às incapacidades governativas.

 

 

“Autoridades querem ainda mais poder”

Qual é a sua opinião sobre a nova lei da cibersegurança?

É uma lei feita numa zona cinzenta. Evoca-se a necessidade de proteger os cidadãos e, depois, garantem-se enormes poderes às autoridades. É muito importante perceber como vai ser utilizado esse poder.

Considera que pode haver abusos?

Era uma pergunta que gostava de ver respondida. Parece-me muito claro que as autoridades não vão parar e querem ainda mais poder, ao mesmo tempo que não têm qualquer pudor em mostrar esse mesmo poder na cara dos cidadãos. Na última vez que fizemos uma pesquisa, e falando de uma forma muito geral, a percentagem dos gastos com a segurança em Macau em proporção do PIB era a mesma que o do Interior da China, numa área chamada estabilidade nacional. Esta área do orçamento não trata dos assuntos militares, são os gastos com o controlo da Internet, de informação, entre outros…

Após a passagem do Tufão Hato, o secretário Wong Sio Chak disse que o Governo ia equacionar vigiar as aplicações móveis para evitar que se espalhassem rumores. É uma questão que preocupa a Novo Macau?

Por causa dos chamados rumores foram detidas quatro pessoas após a passagem do Tufão Hato. Como é que eles poderiam ter feito essas detenções se não estivessem já a vigir as conversas? A minha especulação é que eles querem é legalizar algo que já fazem. As autoridades querem estar à vontade para fazerem tudo o que querem, mas para estarem mesmo à vontade querem um “selo legal”…

Quando a Novo Macau organizou um referendo sobre o sufrágio directo, foi levado para a esquadra com Jason Chao e mais outros três voluntários. Como ficou o caso?

Foi arquivado, mas nos próximos cinco anos, se tiverem provas novas, podem reabri-lo. Ainda não podemos dizer definitivamente que não vamos a julgamento…

 

“Não há apoios financeiros do exterior”

No passado chegaram a circular rumores que a Novo Macau poderia estar a ser financiada por instituições do exterior interessadas em criar instabilidade em Macau. Confirmas que houve financiamento do exterior?

Não, isso nunca aconteceu. O nosso maior apoio financeiro foi sempre a contribuição dos nossos membros que eram deputados na Assembleia Legislativa. Também temos donativos individuais, mas nenhuma dessas fontes de financiamento o faz de forma regular e consistente, comparando com as contribuições dos deputados. Nunca tivemos apoio de qualquer instituição.

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