Carmen Amado Mendes, presidente do CCCM: “Queremos congregar a comunidade científica” 

Tomou posse há dois anos e desde então que tem procurado re-organizar as instalações do Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM) e reunir académicos, empresários, diplomatas e o público em geral. Com um novo plano estratégico em vigor para um período de dez anos, Carmen Amado Mendes fala de falta de recursos humanos e das dificuldades financeiras colmatadas com o apoio de instituições

 

Que balanço faz destes dois anos à frente do CCCM?

Penso que a análise que fiz no plano estratégico foi muito realista e não tive surpresas face aos problemas que identifiquei e aos desafios que me esperavam. Estes dois anos têm sido uma tentativa de dar resposta a isso e desenvolver projectos que posicionem o CCCM no lugar de promoção do conhecimento na área dos estudos asiáticos, e não apenas junto de um público especializado, como os académicos, mas do público em geral. Queremos também abranger essa função de think-thank, incluindo os diplomatas e os empresários. Mas as dificuldades que identifiquei no início mantiveram-se ao longo destes dois anos.

E quais foram, concretamente?

A maioria delas esteve ligada com a falta de recursos humanos e financeiros. Sem o apoio da Fundação Jorge Álvares teria sido impossível concretizar muitas das obras de transformação do Centro, ou coisas básicas como a instalação do sistema Zoom no auditório. E o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) também facilitou, pois ao atribuirmos bolsas de doutoramento FCT a estudantes que ficam envolvidos na nossa actividade científica, ganhámos muito em recursos humanos qualificados. Temos dificuldades financeiras, acentuadas pelo atraso na aprovação do Orçamento de Estado. Temos ainda a questão das instalações provisórias, pois durante todos estes anos de vida do CCCM temos pago renda pelo espaço onde tínhamos a biblioteca e o arquivo, e isso não fazia qualquer sentido. Finalmente conseguimos concluir as obras no nosso edifício onde fica o museu, o que nos permitiu mudar a biblioteca, e deixar de pagar renda. Com isso promovemos o uso de salas de aula para as formações que disponibilizamos e gabinetes para investigadores. Estou contente por estarmos já numa fase final.

O CCCM estava subaproveitado nas suas funções?

Não faço essa afirmação. Acho que é difícil alguém estar na presidência do Centro, e tendo em conta a limitação dos recursos humanos e financeiros, concentrar-se em muitas coisas ao mesmo tempo. A presidência anterior teve a grande visão de apostar em projectos científicos que posicionaram o CCCM no mapa numa área de investigação específica, inclusivamente de muitas instituições europeias, que eu tenho vindo a aprofundar e a tornar mais abrangente. No entanto, tenho dado prioridade à requalificação das instalações, e também à resolução de uma série de problemas burocráticos, como a legalização de espaços. Foi opção minha apostar em juntar os académicos e criar condições para que as pessoas viessem ao Centro, criar bolsas de doutoramento para trazer jovens investigadores e publicar dissertações de mestrado e teses de doutoramento de valor. Temos como áreas privilegiados de investigação as relações internacionais, a História, filosofia, línguas e tradução chinês-português, incluindo línguas minoritárias, como é o caso do crioulo macaense. Mas isso não significa que não nos possamos abrir a outros campos de investigação, como o científico e, por exemplo, promover o diálogo entre a medicinal ocidental e a chinesa, bem como outro tipo de ciências.

Relativamente ao projecto do think-thank. Quais as grandes questões às quais o CCCM pretende dar resposta?

Ainda não podemos falar em órgão, nem em grupo de pessoas, é apenas uma ideia que sempre me acompanhou ao longo da minha vida académica. Sempre mantive esta preocupação com a aplicabilidade prática da investigação, numa ligação com diplomatas e com empresários interessados nas áreas desenvolvidas no Centro. À medida que vamos juntando académicos de várias áreas de trabalho, empresários e diplomatas, conseguimos organizar eventos dos quais estes grupos profissionais retirem alguma vantagem e utilidade para a tomada de decisões. Quis dar a conhecer o Centro aos diplomatas da Ásia que estão em Lisboa, porque muitos deles achavam que o facto de o Centro ter Macau no nome que a sua missão se restringia ao território, e tenho dito que a sua missão é a promoção das relações Europa-Ásia. Os diplomatas têm mostrado interesse e temos desenvolvido acções de cooperação concretas.

Pretendem reforçar as parcerias com Macau, por exemplo?

Temos com a Universidade de Macau (UM) um protocolo com resultados concretos e evidentes de colaboração profícua. Um desses resultados é o envolvimento da UM na criação de publicações conjuntas do CCCM, bem como a criação de uma rede de arquivos digitais de todas as bibliotecas e arquivos que, em Lisboa, têm documentação sobre a Ásia [Portuguese Asian Digital Archives Network]. A UM tem sido o nosso parceiro privilegiado entre as instituições de ensino superior em Macau, disso não há dúvidas. Estabelecemos também protocolos com a Universidade de São José e com a Universidade Cidade de Macau, que tem tido um envolvimento muito activo nestas conferências que estamos a organizar. O CCCM manteve o acordo com o Instituto Politécnico de Macau. Estamos a negociar um protocolo com a Universidade de Ciências e Tecnologia, e com o Instituto de Estudos Europeus assinámos um acordo em Junho do ano passado. Fora do meio académico, gostaria de destacar a cooperação com o IPOR, que contamos que tenha resultados concretos a curto prazo.

Que outros projectos relevantes vão desenvolver nos próximos tempos?

Vamos aumentar a oferta formativa, por exemplo na área da história da arte e da caligrafia chinesa, em cooperação com o Center for Language Education and Cooperation (CLEC). Em breve vamos fazer uma Oficina de Patuá e manter a colaboração com a Universidade Alcântara Sénior no ensino da disciplina de cultura chinesa e História de Macau. Estamos em conversações com uma rádio local para a criação de visitas de estudo online ao nosso museu, bem como de um programa do ensino da cultura chinesa em mandarim, patuá e cantonense. A nível dos museus estamos a criar o circuito asiático, que será um roteiro para quem tem interesse em ver arte relacionada com a Ásia em Lisboa. Contactámos todos os museus que têm colecções ou peças relevantes sobre este continente. Estamos também a concluir a edição de um Catálogo do Museu, que conta com o apoio de instituições de Macau. Mas os projectos mais próximos são mesmo as três conferências da Primavera, dedicadas a Macau, China e restante Ásia. Tive a preocupação, quando cheguei, de considerar o Centro como uma plataforma de ligação dos académicos e estrangeiros, com ligação a Portugal, que trabalham sobre a Ásia. Não temos recursos fixos, com um grande número de investigadores, mas temos uma grande capacidade para atracção e junção desses académicos. Em Portugal não somos tão poucos a trabalhar sobre a Ásia, mas somos poucos por instituição. Se não trabalharmos em conjunto, dificilmente teremos visibilidade internacional. A prioridade é congregar a comunidade científica; quero que estas conferências sejam de toda a comunidade.

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