Atlântico sul “é fundamental” na relação entre Brasil e China, mas pode ser factor de competição

O professor catedrático Daniel Cardoso defendeu esta segunda-feira que o Atlântico Sul “é fundamental” nas relações entre o Brasil e a China, mas pode ser factor de competição que, com os Estados Unidos da América (EUA) pelo meio, será “perigoso”.

Por vários motivos, um dos “mais relevantes” os recursos petrolíferos, mas também as trocas comerciais, o Atlântico Sul “é fundamental” na relação entre o Brasil e a China, mas também pode ser factor gerador de competição, se a China prosseguir o seu caminho para se tornar numa potência marítima, e com os EUA pelo meio será até “perigoso”, disse Daniel Cardoso.

O catedrático da Universidade Autónoma de Lisboa falava na 2.ª sessão das Conferências de Primavera 2022, que decorreram na Casa de Macau, em Lisboa, em que foi orador no painel sobre “Atlântico Sul nas relações entre China e Brasil: Competição, cooperação e desafios”.

“O Atlântico Sul é uma área que necessariamente é considerada estratégica pelo Brasil”, afirmou Cardoso. O Brasil “tem ambições de projectar o seu poder político, militar e económico para além do Atlântico Sul, chegando à África e à Antártica”. Por isso, esta zona é “fundamental para a política externa brasileira e também para a sua política comercial e para a sua estratégia militar”, sublinhou.

Na opinião de Daniel Cardoso “há razões muito fortes para que as autoridades brasileiras considerem este espaço geopolítico muito importante”.

O Brasil é já “um importante produtor e exportador de petróleo e grande parte do petróleo que extrai é desta região [Atlântico Sul], mais especificamente de uma área conhecida como o pré-sal”.

Um petróleo extraído a grande profundidade que requer “sofisticação tecnológica muito grande”, e que a Petrobras, empresa brasileira de petróleo, tem vindo a conseguir através de consórcios com empresas estrangeiras, “a maioria chinesas”, realçou, salientando que a China não só investiu como também financiou estes projectos, através do seu Banco de Desenvolvimento.

Cooperação e competição

Nas relações entre a China e o Brasil no Atlântico Sul, o professor não tem dúvidas em afirmar que o factor mais relevante “é o petróleo”. Mas em segundo lugar, vem o comércio. “Os dados são muito significativos, 99 por cento (…) das exportações do Brasil para a China vão por mar”, referiu. Até porque além das importações de soja, a China já é também o maior importador de petróleo brasileiro.

“Para enquadrarmos estes interesses da China no Atlântico Sul não se pode deixar de falar do grande projecto da Rota da Seda, que tem também uma dimensão marítima. Dos três corredores marítimos da nova Rota da Seda aquele que mais interessa ao Brasil é o que atravessa o Índico e pode ir para o Atlântico Sul, ou pode passar pelo Atlântico Norte e chegar ao país da América do Sul”, frisou.

Na opinião, de Daniel Cardoso, entre o Brasil e a China, hoje “há cooperação, mas também há espaço para competição” e, essa tem sido uma tendência.

“A competição pode-se materializar em primeiro lugar no que respeita à presença em África”, e em segundo lugar no que respeita á Antártica, regiões em relação aos quais os interesses dos dois países não estão alinhados, considerou.

Mas, para além disso, pode nascer ainda um novo factor de competição entre o Brasil e a China. “Se a China se quer tornar numa potência marítima vai ter de apostar no seu desenvolvimento tecnológico, e o Brasil, com a larga costa que tem e com o empenho que tem na sua industrialização, este desenvolvimento tecnológico pode ser também um dos objectivos dos governos brasileiros. Por isso,(…) pode vir a haver mais competição do que propriamente cooperação entre os dois países” neste domínio, considerou Daniel Cardoso.

Neste cenário, o professor realçou que é preciso não esquecer o factor Estados Unidos, que são um país “importantíssimo” naquela área, considerando o Atlântico Sul “como teoricamente a sua área de influência”.

Por isso, uma forte presença chinesa no Atlântico Sul, em cooperação ou em competição com o Brasil, “vai sempre suscitar alguma atenção e cautela da administração norte-americana”, sublinhou.

“O perigo é que à medida que a competição entre os EUA e China aumenta, essa competição em várias plataformas do mundo, pode ser projectada também para o Atlântico Sul”, concluiu.

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