Isabel Capeloa Gil, reitora da Universidade Católica Portuguesa: “USJ precisa de muito para crescer”

A reitora da Universidade Católica Portuguesa está de visita a Macau para estreitar laços com o Governo e com a Universidade de São José. Na calha está a criação de pós-graduações em Direito, bem como um mestrado em Ensino de Português Língua Estrangeira. Isabel Capeloa Gil destaca a boa gestão da instituição levada a cabo por Peter Stilwell, mas assume que o caminho ainda está a ser construído

[dropcap]V[/dropcap]eio a Macau para ter encontros com o Governo e também para acompanhar o progresso da Universidade de São José (USJ). Que planos concretos traz na bagagem?
Temos uma relação forte com a USJ, que foi criada há 20 anos através de uma participação entre a Universidade Católica Portuguesa (UCP) e a Diocese de Macau. É importante para nós acompanharmos o desenvolvimento dos cursos e também desenvolvermos novas iniciativas. Estamos num momento em que a universidade já tem o seu rumo autónomo, e interessa estudar possibilidades de ligação em áreas específicas entre aquilo que se faz em Macau e as iniciativas que se fazem em Portugal. É isso que estamos a estudar em algumas áreas em particular, como o Direito e a Economia.

A USJ pode ter uma licenciatura em Direito?
Não está nada explorado, nem discutido. Neste momento estamos sobretudo a trabalhar na área das pós-graduações, em articulação com a escola de Direito da UCP no Porto. Depois há outras áreas, como o ensino do português, e outras que ainda estão a ser estudadas. Há uma cooperação muito forte com a Faculdade de Indústrias Criativas [da USJ].

Em Macau, a qualidade dos cursos de Direito tem sido questionada. Seria importante para a UCP, através da USJ, marcar uma posição nesse sentido?
Se houver interesse da parte do território e das autoridades locais, estamos disponíveis. Queremos que essa necessidade surja da parte das autoridades locais. A UCP tem vindo a inovar no ensino do Direito em Portugal. Criámos, há dez anos, a Global School of Law, que internacionalizou o ensino do Direito. A Católica mudou o paradigma em Portugal, mas não só. Tem vindo a ser considerada pelo Finantial Times como uma das dez universidades mais inovadoras no ensino do Direito em todo o mundo. Temos interesse em estudar parcerias na área do Direito Internacional e se houver de facto uma abertura…

Para que haja licenciatura em Direito, além das pós-graduações.
Para já, o que está estudado com a USJ são apenas pós-graduações.

Quando podem arrancar?
Creio que para o ano poderão ser oferecidas.

Que outras iniciativas, em termos de cooperação, estão a ser pensadas?
Estamos a estudar também possibilidades em áreas alvo, como é o caso da área das ciências, no sentido de termos parcerias ao nível da investigação com um dos centros que temos no Porto, na área da biotecnologia. Posso dizer também que uma das iniciativas que estamos a desenvolver em Macau, e que é uma das áreas prioritárias, é o lançamento de um novo curso de mestrado do Ensino de Português Língua Estrangeira, entre a UCP e a USJ. Os alunos de Macau que estão em Portugal a estudar português na UCP vão ter um ano curricular em Portugal e, depois, o acompanhamento do estágio será feito em Macau. É um projecto-piloto, com dupla titulação, e no fundo vai testar possibilidades de termos outras licenciaturas e mestrados com dupla titulação.

A UCP vem também à procura de uma maior internacionalização, à procura do que tem sido feito por outras universidades portuguesas?
Pretendemos ter contactos com outras universidades locais porque a UCP tem um plano de desenvolvimento estratégico muito ligado à internacionalização. É feito através da captação de alunos e da possibilidade de intercâmbio dos nossos alunos para fora. Já temos várias iniciativas com a USJ e também com a Universidade de Macau. Temos estado cada vez mais a desenvolver parcerias de investigação com Macau, Hong Kong e a China. A UCP vai ter um Instituto Confúcio, porque a China é uma área muito importante para o desenvolvimento da universidade. Já o era no passado, neste momento também é, pois temos muitos parceiros aqui em Macau.

Sobre o Instituto Confúcio. É importante para a UCP uma aproximação à China, uma tendência que se tem verificado no ensino superior em Portugal?
A UCP tem uma aproximação à China desde a sua fundação. Essa aproximação foi feita, inicialmente, através de Macau, sendo que as primeiras parcerias com universidades chinesas remontam ao final dos anos 90. Entretanto, essas parcerias têm sido alargadas e posso falar de uma cooperação muito forte na área do Direito, com a Universidade Tsinghua e com a Communications University, onde somos parceiros estratégicos. Estamos presentes em feiras na China, temos um contingente bastante razoável de estudantes chineses, e também alunos nossos que vão para a China. Com a criação do Instituto Confúcio vamos alargar ainda mais as possibilidades ao nível das cooperações. A China é um grande potentado, não só na área da economia, mas também tem um enorme potencial na área do ensino superior.

O que é que o Instituto Confúcio da UCP pode trazer de novo em termos do ensino do chinês e de investigação nessa área?
Estamos ainda a desenvolver o plano de actividades do instituto, que vai estar sediado no Porto. Será importante para a universidade, que já tem um Instituto de Estudos Orientais e um mestrado de Estudos Asiáticos de grande sucesso. Com a presença do Instituto Confúcio vamos ter uma maior capacidade de desenvolver iniciativas ao nível do estudo das relações entre Portugal e a China, mas também um conhecimento muito maior da cultura chinesa e o desenvolvimento político nos últimos anos. O instituto não se vai confinar só à língua.

Falando da USJ. A universidade passou por um grande processo de reestruturação em 2009, mudou de reitor, fechou cursos, despediu professores. Era fundamental esse processo?
A vinda do professor Peter Stilwell ocorreu muito tempo antes de me tornar reitora. Mas devo dizer que o trabalho do padre Peter Stilwell tem sido importante. As universidades são instituições aprendentes, moldáveis. À medida que o tempo evolui, elas vão-se transformando e adequando às necessidades. Esse trabalho mostra que a universidade está viva. Muitas vezes é necessário fazer um ajustamento para que haja um desenvolvimento. Foi isso que o reitor da USJ fez e agora a universidade passa por uma nova fase de desenvolvimento.

Uma fase que inclui a construção de um novo campus, que tem vindo a sofrer alguns atrasos no projecto. Isso tem sido um entrave?
O novo campus é certamente muitíssimo importante para a afirmação da universidade. Todos nós precisamos de uma casa para viver. E a USJ vai finalmente ter uma casa sua. Temos acompanhado à distância todas estas vicissitudes, mas estamos com grande interesse em ver o novo campus e vai ser muito importante para o futuro desenvolvimento da universidade. Encaro os atrasos como sendo normais, isso acontece com todos os projectos de construção.

A que se refere concretamente quando fala de um novo desenvolvimento da USJ?
Creio que as unidades [educativas], depois deste trabalho que o professor Peter Stilwell fez, terão novas iniciativas. A unidade que conheço melhor é a Faculdade de Indústrias Criativas, que está com uma enorme pujança. Há uma vontade de desenvolver iniciativas na área da criatividade, que é muito importante. Foi sinalizada pelas autoridades chinesas como uma das áreas de aposta no último Plano Quinquenal. No mundo inteiro, a área das indústrias criativas é muitíssimo importante para o Produto Interno Bruto (PIB) dos países. Em Portugal acordámos para esta questão há cerca de quatro anos e o discurso político começou a dar enorme importância a esse sector. Há uma mudança de ‘mindset’ e a Ásia é uma zona do globo absolutamente pujante ao nível do financiamento das indústrias criativas. Olhamos para Hong Kong, Singapura e o Japão, e Macau tem tudo a ganhar com a aposta nesta área de desenvolvimento.

A USJ, ao contrário de outras universidades locais, não pode receber alunos vindos da China. É outro constrangimento?
Acredito que o reitor da universidade tem desenvolvido uma série de iniciativas para tentar desbloquear esta questão. Certamente que receber alunos da China trará maiores possibilidades de desenvolvimento à universidade, como em todas as universidades de Macau. O mercado da China Continental é enorme, o diálogo tem vindo a ser desenvolvido e vai continuar. É uma questão que tem sido acompanhada com grande cuidado, mas estou confiante de que a universidade vai conseguir desbloquear este desafio.

Um desafio que tem implicado uma grande ginástica financeira por parte da USJ.
Sobretudo ao nível de finanças sustentáveis. O importante é sermos responsáveis pelo financiamento que se recebe, com as propinas dos alunos, e a actual gestão tem sabido fazer isso com grande coerência. É uma situação semelhante à que se vive em Portugal: a UCP não recebe fundos públicos e tem feito uma gestão eficiente enquanto instituição pública não estatal. Exige uma enorme responsabilidade de gestão. Acho que há bastante semelhança no modelo de gestão.

Mas se a UCP não recebe fundos públicos, a USJ, sendo uma universidade privada, tem apoios do Governo e da Fundação Macau. Sem essa ajuda financeira teria sido mais difícil erguer este projecto?
Se calhar, sim. Esta é uma questão a colocar ao reitor, mas asseguro que sim. [A USJ] é uma instituição pequena que ainda precisa de muito para crescer e para se desenvolver, mas o percurso das universidades é mesmo assim.

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