O ridículo que vem da guerra

Os meus amigos leitores podem não acreditar, mas aconteceu. Mais de dois milhões de ucranianos deixaram o seu país e passaram a ser considerados refugiados em vários países europeus. Na passada quinta-feira chegou um avião ao aeroporto de Lisboa com o mísero número de 250 pessoas. Bem, nem imaginam, o ridículo foi chocante. De repente, vimos um monte de gente a subir as escadas para o interior do avião.

Logo indagámos quem seria aquela gente toda? Era o Presidente Marcelo acompanhado de alguns ministros e os curiosos do costume. Que facto ridículo, primeiramente porque se trata de um número ínfimo de ucranianos que chegaram na maioria jovens ucranianas com crianças, segundo vêm cansados e traumatizados sonhando em sair rapidamente da aeronave e serem instalados em locais decentes, em terceiro lugar conhecem lá o Presidente Marcelo e os ministros e, muito menos estarem no avião com crianças cheias de fome a ouvir discursos dispensáveis e absolutamente desnecessários numa língua da qual não compreendem uma sequer palavra.

Mas, por que será que os políticos gostam de mostrar que fazem alguma coisa? Quando o país está quase na bancarrota sem poder abastecer os seus carros e camiões devido aos preços dos combustíveis insuportáveis, simplesmente porque os governos sempre quiseram ganhar fortunas com impostos na venda dos combustíveis.

Mas, a propósito da chegada de refugiados concordamos e damos todo o nosso apoio. No entanto, não podemos deixar de salientar que as instituições portuguesas de apoio social têm um comportamento execrável e deplorável. Cada refugiado, mesmo aqueles que chegaram há meses de outros destinos que não a Ucrânia, têm recebido mil euros mensais, uma casa do Estado e apoio gratuito à saúde. Tudo estaria muito bem, se o nosso vizinho não tivesse de receber apoio dos amigos para sobreviver. Ele tem pedido à Segurança Social, ele tem enviado emails para governantes, para a Câmara Municipal, para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e recebe sempre uma resposta negativa.

O nosso vizinho já passou fome. Já lhe levámos várias vezes comida e medicamentos, alguns amigos já lhe enviaram dinheiro para fazer frente às suas despesas, mostrou-nos um dia o extrato bancário e era em negativo de mais de 700 euros. A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa é a organização em Portugal mais chocante e reprovável. Recebe milhares de milhões de euros das apostas no Euromilhões e da raspadinha, mesmo assim nega apoio social a quem tem uma reforma de 280 euros. Isto é inacreditável.

Quando vimos o Presidente da República subir as escadas de um avião que chegou com refugiados da Ucrânia, obviamente que pensámos em acto contínuo que o professor Marcelo Rebelo de Sousa só conhece o seu povo para dar abraços, beijos e tirar selfies.

O Presidente Marcelo não faz a mínima ideia que mais de metade da população portuguesa está a sofrer. Depois da pandemia veio o desemprego e foram-se as poupanças. As casas de penhores podem testemunhar a quantidade de ouro que têm recebido daqueles que já não têm possibilidade de comprar seja o que for. Os políticos portugueses têm fundamentalmente de se começar a preocupar muito seriamente com os bairros de lata, com a classe média cada vez mais no limite da pobreza, com as reformas miseráveis, com as mães que têm de ser ajudadas pelos seus pais a fim de poderem comprar leite, roupa e fraldas para os seus bebés. Os canais de televisão não param diariamente de abordar a guerra na Ucrânia.

Em Portugal existe uma guerra, um outro tipo de guerra, uma luta contra a sobrevivência, especialmente no seio da classe média. Pergunta-se onde está o apoio social para os portugueses quando uma Santa Casa da Misericórdia nega esse apoio depois de verificar que o cidadão está mesmo em dificuldades, depois do cidadão provar que são os amigos que o ajudam, depois de provar que tem zero euros no banco, depois de apenas conseguir consumir uma refeição por dia.

Que faz a Santa Casa a tantos milhões de euros, se um velhote para ir para um lar ainda tem que entregar toda a sua reforma. Os portugueses que vivem bem, que têm propriedades, que são empresários ricos, têm de se convencer que a sua solidariedade pelos pobres tem de começar, que têm de deixar de assobiar para o lado quando os seus vizinhos venderam o carro, algumas mobílias valiosas, todas as jóias e nunca mais os viram no supermercado.

A propaganda televisiva tem mencionado até à exaustão a solidariedade pela Ucrânia para onde têm partido camiões e carrinhas cheios de géneros alimentícios, cobertores, carrinhos de rodas, muletas e o nosso vizinho nem tem dinheiro para comprar uma bengala. Apelamos apenas aos políticos e governantes portugueses que terminem com as acções ridículas em aeroportos e aterrem na realidade que os rodeia.

*Texto escrito com a antiga grafia

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