Hugo Teixeira, fotógrafo | O bambu e os mestres

No próximo dia 13 é inaugurada a exposição “Transcience: Daredevils and Towering Webs”, um conjunto de fotografias que retratam andaimes de bambu e os mestres que os montam, pela lente de Hugo Teixeira, na sua primeira exposição em Macau. O HM foi falar com o homem atrás da câmara

O que podemos esperar desta exposição?
Podem ver cianotipia e ambrotipia, são os dois processos de fotografia que prefiro usar. Na cianotipia tiro fotografias num tom azul sob papel de aguarela, que é um processo antigo, enquanto a ambrotipia é fotografia a preto e branco sobre vidro. São ambos processos do século XIX. As cianotipias são imagens de diversos edifícios em Macau cobertos por andaimes em bambu, um projecto que comecei há algum tempo só por interesse pessoal. Depois, a ambrotipia são retratos dos mestres que montam esses andaimes em bambu. A ideia foi unir os dois processos num mesmo tema mas, ao mesmo tempo, ter duas vertentes diferentes para se poder perceber o valor e as diferenças entre ambos.

De onde veio a ideia de fotografar andaimes?
Quando cheguei a Macau adorava andar pela cidade, perdia-me durante horas. Vivo aqui há seis anos. Quando cheguei houve diversos temas que me interessaram, que me chamaram a atenção e que comecei a fotografar, só por brincadeira. Depois, mais tarde, explorei com tempo e cuidado. Os andaimes foi um tema que permaneceu até hoje, e que acabou por interessar o João Ó, que me convidou para fazer uma exposição. Ele também trabalha em bambu, fez várias instalações e estruturas com esse material. Foi um tema em que pude ligar os dois processos fotográficos, no fundo, a fotografia que eu gosto de fazer.

Como começa o seu interesse pela fotografia?
Comecei por roubar a máquina da minha mãe, tirar umas fotografias e depois levar nas orelhas por cortar cabeças, pernas, etc. Mais tarde, fui atraído pela tecnologia. Tinha um amigo que comprou uma daquelas primeiras máquinas automáticas, DSLR. Gostava de ver como aquilo funcionava. Foi um interesse partilhado com outros amigos, isto com 17, 18, 19 anos, e começámos a fotografar como hobby. Nesse tempo, claro, ainda analógico, o digital ainda estava a começar, mas foi aí o princípio.

O gosto aprofundou-se…
Depois de acabar o curso universitário fui para Portugal e interessei-me mais pelo lado de fotojornalismo e da fotografia documental. Nos Estados Unidos tinha começado o curso de Belas-Artes, mas depois vi que não teria emprego, e virei-me mais para a linguística. Fui criado com duas línguas e tinha o interesse por línguas e comunicação. Quando fui para Portugal, fiz o curso de fotojornalismo e fotografia documental na ETIC e depois vim para a China. Comecei a explorar temas de uma forma mais documental, mas ficou-me o interesse por estes processos antigos que aprendi nas Belas-Artes. Tinha um professor que até o papel produzia, fazia as fotografias de raiz. Naquela altura fiquei curioso, mas acabei por não explorar logo as técnicas. Aí fazia mais fotografia a preto e branco, papel, mais tradicional. Mas aquilo ficou.

Alguma ideia porquê?
Estas técnicas antigas já tinham sido a última tecnologia de há muito tempo. Gosto da ideia de pegar numa tecnologia ultrapassada e explorá-la como alternativa.

Curiosa forma de viver a fotografia na era do Instagram.
O Instagram, as selfies, toda essa cultura não me parece que tenha vindo substituir nada do que era feito antes, mas é uma nova vertente. Pessoalmente não me interessa, não gosto muito de partilhar nas redes sociais, mas aprecio como outro meio, outra opção.

Quais são as suas principais influências?
Toda a escola de Dusseldorf, adoro tipografias, repetir o mesmo tema para explorar uma estrutura. Ultimamente, Mark Klett e Trudy Smith. Eles começam do arquivo fotográfico e tentam colocar essas imagens no contexto contemporâneo. O Mark, por exemplo, fez um grande trabalho com fotografias de arquivo de São Francisco em 1906, depois do grande terramoto que destruiu a cidade. Depois fotografou os mesmos locais em 2006, um século depois. Trudy fotografa temas mais sociológicos. Gosto muito do trabalho que fez sobre a forma como se criou a identidade canadiana. Partiu daquelas primeiras imagens dos territórios não povoados, novos territórios recém-colonizados do Canadá.

As suas influências são só fotógrafos?
Não, também cineastas, como por exemplo Wes Anderson. Gosto daqueles enquadramentos direitinhos, tudo muito simétrico, de frente, ou de cima. Os andaimes em bambu são estruturas grandes, muito simétricas. É uma forma diferente de olharmos para os edifícios, são coisas muito temporárias, mas permitem-me focar-me apenas na forma, em vez de ser o edifício tal, ou a igreja tal. Fica simplesmente a forma, depois resta-me procurar um ângulo que permita captar aquele retrato do edifício. Acho um desafio interessante.

Como é o seu processo criativo?
Por exemplo, quando vou a caminho do trabalho, dou uma volta a pé, vejo uma coisa e capto com o telefone. Ah, porque eu sou professor de Inglês, trabalho no Instituto de Formação Turística, já estive no Politécnico, no Externato de São José. A fotografia sempre foi um hobby. Mas gosto de andar e procurar coisas para fotografar, excepto no Verão, em que não dá para andar por aí com a máquina. Depois volto, com mais tempo, porque estou a fotografar com máquinas de grande formato. Normalmente, cativam-me estruturas, enquadramentos, não sei por que me chamam a atenção, mas há algo diferente a que quero voltar, que quero ver com mais cuidado. Primeiro ando à procura dos ângulos certos, como são edifícios enormes, para variar o ângulo, por vezes tenho de me deslocar um quilómetro. Depois volto com a máquina, com o filme, com tripé, e capto quatro ou cinco fotogramas. O passo seguinte é ir para casa revelar, tentar não deixar cair os negativos no meio do chão, tentar não abrir a máquina com as luzes ainda acesas. Metades das vezes tenho de voltar e fotografar outra vez (risos). Depois da revelação vem a digitalização. Grande parte das imagens que vou mostrar já tirei há um ano ou dois. Vivo algum tempo com as imagens, depois faço ampliações digitais sobre acetato, assim como algumas pequenas provas para ver se realmente resulta. Só posteriormente é que faço o formato maior.

E o retrato dos mestres de bambu?
A ambrotopia teve um processo completamente diferente. Convidámos os mestres lá para minha casa, para o terraço. Foi um processo mais simples, fiz uma ou duas imagens, eles perderam a paciência e foram-se embora. Fica aquilo, porque uma imagem é final, é o positivo sobre vidro. Digitalizei mais tarde porque aquilo ainda leva verniz. É um processo mais rápido. Na cianotipia faço grande, depois repito três, quatro vezes até acertar o contraste.

Como surgiu esta oportunidade de retratar os mestres?
Os retratos foram com a ajuda do João Ó, que é o curador da exposição. Ele trabalha já há algum tempo com os mestres do bambu, inclusive convidou alguns para ir a Portugal montar bambu no Museu de História Natural e Ciência de Lisboa. Aproveitei esses elos que ele estabeleceu para fazer a parte dos retratos. Nós partimos da ideia de querer mostrar os processos, não queria apenas mostrar fotografias aleatoriamente. Peguei nos edifícios que já tinha fotografado há algum tempo e tentei com a ambrotipia. Acho que retrata as pessoas de uma forma muito interessante, muito diferente. Como o João já tem estas relações estabelecidas, aproveitámos para convidar os mestres para irem lá a casa. O processo demorava muito tempo, e nalguns casos os senhores já tinham alguma idade, eram reformados, mas porque um amigo de um amigo convidou, eles apareceram. Fazia uma imagem, revelava, e eles perguntavam: ‘Está tudo bem, posso ir embora?’, ‘Pode ir embora, muito obrigado senhor Ho’. Outros que conheciam melhor o João ficavam. Bebiam umas cervejinhas, fumavam um cigarrinho e conversávamos um pouco. Mas foi o João que permitiu fazer a ligação. Porque eu, embora esteja cá há seis anos, não falo chinês para poder estabelecer aqueles elos.


As teias e os mestres

O nome da exposição é “Transience: Daredevils and Towering Webs”, e estará patente na Taipa Village Art Space, entre 13 de Janeiro e 31 de Março. Usando técnicas que remontam ao séc. XIX, o luso-americano Hugo Teixeira foca uma das características de Macau: os andaimes de bambu que enchem a cidade, assim como os mestres que os construíram. As estruturas assemelham-se a gigantescas teias, e são o suporte das aranhas que ousam desafiar a gravidade para construir os prédios de Macau. Também os mestres que montam estas estruturas foram alvo da lente de Hugo Teixeira, em retratos com uma força que só uma técnica cuidada consegue captar.

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