Gincana de automóveis na Feira de Macau

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]m pleno Grande Prémio, escrevemos hoje sobre a primeira corrida de carros realizada em Macau, organizada por iniciativa do Sporting Club desta cidade, fundado dois meses antes, a 11 de Setembro de 1926 e inserida no programa das festas da Feira e Exposição Industrial.

Às 14 horas de Domingo, 5 de Dezembro, com uma enorme assistência ocorreu a gincana de automóveis, presidida pelo Governador interino Almirante Hugo de Lacerda. Encontravam-se inscritos dezoito concorrentes, cuja lista era a seguinte: o carro número 1, conduzido por A. Luz trazia como acompanhante a Melle. A. Brandão; o n.º 2 por Lo Yam-Man (Lu-Ia-Pat), levava ao lado a Miss Choi; o n.º 3 por Dr. Pedro Lobato e damizela Amália Nolasco; o n.º 4 por Henrique Nolasco e D. Orlinda Leitão; o n.º 5 por Dr. Sousa Afonso e Melle. Luísa Ambar; o n.º 6 por F. Borralho e damizela B. da Silva. A única condutora feminina, Melle. Angelina Santos corria no carro n.º 7 acompanhada por Avelar Machado e ficou em segundo lugar. Já o carro n.º 8 guiado pelo Eng. Brandão de Vasconcelos trazia como pendura Melle. Maria Pacheco; o nº 9, conduzido por D. João Vila-Franca levava ao lado Melle. Beatriz Nolasco; o nº 10 com Elísio Mendes e damizela Alice Ribeiro; o nº 11 com Dr. António Leitão e Mme. Maria Gellion; o nº 12, Rui de Menezes e a sua esposa; o nº 13, Ten. A. Machado e Melle. A. Santos; o nº 14, Carlos Silva e Melle. Celeste Vidigal; o nº 15, M. Ribeiro e Melle. G. Silva; nº 16, M. Borges e Melle. B. Ramalho; nº 17, M. Contreiras e Melle. Si-Ling e o nº 18, L. Rodrigues e Melle. L. Rodrigues. No percurso foram colocados vários obstáculos para criar mais emoção e dar mais interesse à prova. Havia o serviço de fiscalização da pista e para a classificação dos concorrentes, sendo o júri composto pelos Srs., Capitão-de-Mar-e-Guerra Ivens Ferraz, Coronel J. A. dos Santos e Eng. C. Alves. “Os prémios foram seis e ganhos pela ordem numérica ascendente, pelos automóveis concorrentes números 10, 7, 12, 15, 3 e 11. Um dos concorrentes do carro nº 11 referiu que não quiseram aceitar o respectivo prémio, por não ter sido atendida uma reclamação feita ao júri”. Por ocasião da gincana houve apostas sobre os concorrentes, na forma de aposta proporcional (pari-mutuel), pelo sistema das corridas de cavalos. Esta iniciativa reverteu com 20% da importância dos bilhetes vendidos a favor do Asilo da Santa Infância e o produto líquido foi distribuído por três prémios, cabendo ao primeiro 60%, ao segundo 25% e ao terceiro 15%. Os bilhetes premiados, que não foram pagos nesse dia, vieram-no a ser na sede do Sporting, à Avenida Ferreira de Almeida.

Se só a 11 de Outubro de 1914 circulou o primeiro carro em Portugal Continental, um Panhard et Levassor, de 1200 centímetros cúbicos e 3,75 cavalos, guiado entre o Barreiro e Santiago do Cacém pelo Conde Jorge de Avillez, já em Macau e ainda antes de 1906, o chinês Chân Fóng (陈芳, 1825-1906) foi o primeiro a importar um carro, um Chevrolet. Em 1907 existiam já sete automóveis e em 1911, apareceu o primeiro táxi. Os registos mais próximos que encontramos da data desta gincana são de 1928 e referem haver na cidade 134 carros ligeiros particulares.

Outros divertimentos

No dia anterior à gincana automóvel, a 4 de Dezembro, ocorreu às 21:30 no ringue, instalado no meio da Feira ou no cinematógrafo da Exposição, como noutro artigo de A Pátria vem referido, três combates de boxe entre jogadores de Hong Kong e Macau, tendo os últimos vencido em toda a linha. Nesse Sábado, despertando um enorme interesse entre o público, o programa tinha como ponto forte o combate de boxe a opor o mais afamado pugilista de Macau, o amador Sr. Pinto da Silva contra o Sr. Kid Raymond, profissional de Hong Kong e cujo palmarés era invejável, pois vencera por KO, ou aos pontos, os últimos dez combates que realizara, parecendo não haver rivais à altura. Ambos traziam dois dos seus alunos para complementar o programa e aquecer a plateia, jogando-se assim três combates de dez rounds cada um. O júri era composto pelo Tenente-médico João Rosa e o Tenente José Lopes Bragança por Macau e de Hong Kong, o Sr. Ligores e Noronha. O primeiro combate opôs João Conceição contra Batling Ilartino, tendo o representante de Macau vencido no segundo round. O seguinte foi entre Joaquim P. Góis e o representante de HK, J. Soares, que perdeu por pontos ao oitavo round. Por fim veio o combate mais esperado e o que trouxera toda aquela assistência ao recinto. Pinto da Silva venceu logo no segundo round Kid Raymond e se houve um certo desconsolo pela brevidade do combate, a vitória de Macau elevou os ânimos aos habitantes desta cidade, habituados nos desafios desportivos a perder para Hong Kong.

O programa para o feriado de 1 de Dezembro e dia seguinte, propunha no Campo da Feira uma importante festa organizada pelas tropas terrestres da guarnição militar da cidade. Apresentava “divertimentos nunca vistos em Macau, tais como, o combate de galos pelos timorenses, dança de guerra pelos praças indígenas de Moçambique, com lanças e cutelos afiados”. Outras surpresas não específicas estavam programadas e constaram de saltos suecos, corrida de velocidade de 80 metros, lançamento de granadas, corrida de bicicleta (negativa), assim referia A Pátria, de onde retiramos grande parte das informações aqui registadas. Realizaram ainda, corrida de estafetas (com sarilhos), de obstáculos e de púcaros, assim como luta de tracção com equipa de oito praças. Na preparação destes praças, para a festa ter o melhor brilho possível, concorreram vários oficiais, sob a orientação do Coronel Joaquim dos Santos. No dia 2 fez-se um jogo de futebol entre as selecções da Marinha e do Exército.

De referir que o preço da entrada geral no Recinto da Exposição Industrial e Feira de Macau custava 5 avos nota ou prata, ou 10 avos cobre. Nessa altura o jornal A Pátria custava 10 avos em prata. À venda havia também, para comodidade das famílias numerosas, ou colectividades, maços de dez e cem bilhetes, a custar respectivamente 50 avos e 5 patacas prata e podiam-se comprar antecipadamente na Direcção das Obras Públicas do Porto, na Livraria Portugália, na 1ª Secção à Praia Grande e na filial do Banco Nacional Ultramarino. Pelos 12 mil bilhetes de entrada para a Exposição, vendidos até ao fim da tarde do dia da inauguração, percebe-se o enorme interesse que esta teve na cidade e arredores, encontrando-se o recinto, com uma iluminação deslumbrante, até à meia-noite apinhado de visitantes.

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