Manuel de Arriaga | Proprietário não quer classificação e fala de manipulação

Lao Chau Lam diz que a consulta pública sobre a proposta de classificação do imóvel da Rua de Manuel de Arriaga foi “tendenciosa”, apenas porque o Governo quer que o prédio seja classificado como património. Apesar do IC admitir que não há consenso sobre a proposta, o dono do número 28 diz que o Executivo está a manipular a opinião à sua maneira e que quebrou uma promessa

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]proprietário do número 28 da Rua de Manuel de Arriaga não quer que o imóvel seja classificado e acusa o Governo de ter feito uma consulta pública “tendenciosa”. O dono do prédio de estilo Neo-Clássico e Art Dèco, que também ocupa o número 1 da Rua da Barca, admite ao HM não perceber muito da lei e mesmo confrontado com o facto do Governo admitir controvérsia na classificação do edifício, acusa o Executivo de estar a tentar fazer com que o prédio seja classificado.
Os recentes resultados da consulta pública sobre a proposta de classificação de imóveis do Instituto Cultural (IC) – onde este foi o único dos dez imóveis propostos que pertence a privados – mostram que mais de metade dos inquiridos concorda com a classificação do prédio. O Governo considere que “não houve consenso” quanto à sugestão de se classificar o edifício, nomeadamente – como esclarece numa resposta enviada ontem ao HM – por causa dos proprietários.
De acordo com as informações da consulta, 61,8% das 667 pessoas que apresentaram opiniões face a este prédio “concorda com a classificação”, sendo que apenas 38,2% não estão a favor de que se torne património. O Governo insiste que não há consenso, mas os números mostram que ganha a maioria a favor. O dono do prédio não tem dúvidas: houve uma alteração significativa na forma de ver o edifício e é o Executivo quem está por trás disso.
“Há dois meses, o Governo teve uma reunião connosco, pequenos proprietários. Na altura, perguntei como estavam os resultados da consulta pública e o Governo disse-me que estava quase a ‘meio-meio’. Pelo que entendi na altura, a proporção de pessoas que concorda com a classificação ainda não tinha chegado a metade. Mas agora os resultados dizem que é mais de 60% para 30 e tal% e estou com enormes dúvidas sobre isso. Certamente este resultado é questionável. Porque a reunião só foi há um ou dois meses e, na altura, já deveria ter acabado a consulta”, começa por referir ao HM Lao Chau Lam, para quem estes resultados “são muito injustos”.
“Já disse na sessão consultiva que a inclusão do edifício da Rua de Manuel de Arriaga número 28 é injusta porque, do meu conhecimento, durante a consulta pública o pessoal do Governo mostrou uma foto do edifício às pessoas e perguntou-lhes se a foto ‘de uma idosa quando ela tinha 18 anos era bonita ou não’”, acusa Lao Chau Lam, referindo-se à fotografia do prédio quando este estava ainda em bom estado.
Ao que o HM apurou, o livro da consulta pública tem, de facto, uma fotografia do número 28 quando foi construído e outras antes da demolição parcial a que foi sujeito, portanto fotografias de antes de 2013.

Se ninguém conhece, não vale?

Se é verdade que os proprietários já se tinham manifestado contra a classificação do prédio – dos únicos, segundo o IC, a manter o estilo Neo-Clássico -, também é verdade que Lao Chau Lam assegura que ainda não sabe o que fazer ao espaço, se o prédio for realmente abaixo. Ainda assim, a insistência é na demolição, até porque, diz, ninguém conhece aquilo.
“Os moradores da zona conhecem o edifício e já lhes perguntei e quase 90% disseram que não vale a pena ser preservado. O edifício já foi demolido, deixando só meia parte dele e, por causa das chuvas e vento, está muito danificado. Mas para outras pessoas – e vocês podem fazer inquérito sobre isso – não vai haver muita gente que conheça onde fica o edifício. Certamente que a consulta que o IC ou o Governo fez é tendenciosa. Foi uma consulta feita de forma escondida.”

CPU sem peso

Lao Chau Lam admite que não entende muito bem a Lei de Salvaguarda do Património e pede ao Governo, “através do HM”, que lhe diga o que pode fazer.
O diploma dedica vários pontos face a direitos e deveres dos proprietários de imóveis já classificados. Se nuns, os direitos dos proprietários são defendidos, noutros a lei permite a expropriação de bens imóveis em vias de classificação pelo IC, e depois de ouvido o Conselho do Património Cultural. Estes casos podem acontecer quando há uma violação grave dos deveres do proprietário e este corra risco sério de deterioração ou destruição, quando se revele a forma mais adequada de assegurar a tutela do bem imóvel ou quando os bens imóveis estão situados nas zonas de protecção ou ofendam ou desvirtuem as suas características ou enquadramento. Seja qual for o caso, contudo, o proprietário terá direito a ser compensado.
Depois do HM dar a conhecer a Lao Chau Lam estes pontos, o proprietário não baixa a guarda. “Não entendo muito bem a Lei do Património. Mas se calhar, eles também a podem explicar da forma que gostarem mais e eu também não sei o que podemos fazer. Depois de ler os jornais sobre os resultados das consultas públicas, sobre as opiniões públicas que o Governo criou, sinto-me muito oprimido e quase não consigo respirar”, atira.
O proprietário diz que o Governo ainda não o contactou, mas faz questão de dar um exemplo que considera ser semelhante ao do prédio de que é dono.
“Os comissários do património votaram 13 contra três, ganhando a demolição. Eles são profissionais, ou não eram intitulados comissários. A maioria deles acha que não vale a pena ser avaliado como património, mas agora o Governo quer criar uma opinião pública para mudar esta avaliação. Quando este voto saiu nas notícias, os moradores da zona consideram que foi a decisão correcta. Agora, em dois ou três meses, o Governo não quer seguir a opinião dos comissários.”

Promessa quebrada

Nos resultados da consulta pública consultados pelo HM, é possível perceber que quem concorda com a classificação considera que “o prédio possui valor cultural” e outros acreditam que a classificação só é possível depois de ser apresentado “um plano de restauro” que tenha em causa a ponderação dos custos e o consentimento do proprietário. Quem discorda, diz que o edifício está “num avançado estado de degradação” e que repará-lo pode ser “um desperdício de recursos”. A integridade do prédio e os custos das obras são os motivos que levam alguns a estar de pé atrás.
Para Lao Chau Lam, e apesar do Governo considerar – apesar dos resultados – que há um “elevado número de pessoas” contra a classificação do prédio, o Executivo quer seguir com a classificação.
“Quando antes perguntei ao Governo sobre se o edifício, se não for avaliado como património, pode ser demolido, o Governo respondeu-me imediatamente que podia. As duas casas perto do São Januário foram demolidas porque a avaliação dos membros permitia isso. Então quero perguntar ao Governo o que podemos fazer? O Governo fez a promessa mas agora não quer realizá-la”, diz.

O que é?

Na história que acompanha o edifício, fornecida pelo IC, pode ver-se que ao longo dos anos se mantiveram as fachadas, “como as elegantes e bonitas decorações e molduras e a entrada em arco decorada com colunas”, como descreve o Instituto. Pormenores como mosaicos e acabamento em estuque de Xangai, “populares na época”, levam a que o IC considere o prédio como uma das poucas obras do estilo Neo-Clássico e Art Déco “populares na primeira metade do século XX”.
Apesar do edifício incluir apenas parte da construção original, o IC descreve-o como sendo ainda capaz de mostrar a sua função como ponto nodal pela sua “localização estratégica” entre as duas ruas que ocupa e que eram “as principais vias do Bairro de San Kio”. Mas não só.
“Os detalhes arquitectónicos do edifício com os seus acabamentos requintados reflectem desta forma um estilo muito característico das habitações do século XX sendo este um dos poucos edifícios de referência na zona [que] mantém o estilo há mais de cem anos”. Isto devido principalmente à demolição de diversas casas nos anos 60 e 70.
O IC propôs a classificação do espaço como sendo um edifício de interesse arquitectónico. Construído em 1917/1918, a propriedade serviu como residência, escritórios e clínica de medicina chinesa, sendo hoje novamente utilizado como habitação. Mas, o IC também deixa o alerta: o prédio de 192 metros quadrados “está em mau estado de conservação” e viu uma parte do seu telhado ser demolida em 2013, uma questão que levantou polémica e que levou o Governo a impedir mais trabalhos de demolição.

Arquitecto português pede classificação de dezenas de imóveis

Na compilação das opiniões recolhidas sobre os dez imóveis propostos a classificação pelo IC pode encontrar-se uma opinião de um arquitecto português. João Palla Martins, que o HM tentou contactar sem sucesso, congratula o Instituto pela iniciativa de classificação, caracterizando-a como “a abertura de portas a novas oportunidades”. Na mesma opinião, o profissional pede que o mesmo seja feito “a uma miríade de lojas, bairros e casas isoladas que, fazendo parte da história de Macau, estão, as que sobram, em risco sério de desaparecimento”.
João Palla Martins defende, por exemplo, a abertura de um processo de classificação “urgente” para imóveis como o Pagode Sin Fong, a Casa de Chá Long Wa, a moradia “provavelmente dos anos 30” da Calçada da Vitória, o conjunto de casas do Pátio da Claridade, o Pátio dos Cules e das Seis Casas, o Pátio da Ilusão e o Cinema Alegria. Mas a lista continua, com mais templos e moradias, bem como com o Grande Hotel, o edifício dos CTT e da Escola Portuguesa, o conjunto de edifícios na Rua de São Domingos em frente à Livraria Portuguesa e os edifícios do Largo do Lilau, entre tantos outros.
Numa outra opinião, sem identificação e na secção referente às opiniões relacionadas com os bens imóveis propostos, pode ler-se que “é triste ver que a arquitectura comum de Macau tem sido destruída e não haja maior consciencialização da sua importância”.
A opinião refere precisamente o exemplo do número 28 da Rua de Manuel de Arriaga. “O desenvolvimento urbano da cidade pode, sem dúvida, estar em harmonia com a preservação dos seus edifícios históricos, pois é isto que distingue a cidade de todos os outros sítios da China.”

IC sem decisão tomada

O HM tentou saber junto do IC se continua a haver interesse em classificar o prédio, ou se o Instituto vai desistir devido aos resultados da consulta pública, que considera “divergentes e sem consenso”. O organismo responde que nesta fase, se mantém a juntar e analisar dados. “O procedimento de classificação [desse prédio] ainda está em curso, não havendo ainda um resultado final”, frisa na resposta ao HM. “O IC irá esforçar-se para concluir o procedimento com a maior brevidade, dentro do prazo legal, e fazer a respectiva publicação mediante Regulamento Administrativo.” Face ao prédio, e tendo em conta a lei, o IC diz que o procedimento de classificação deve ser concluído no prazo de 12 meses após a sua abertura e a fundamentação para a classificação de bens imóveis deve ter em conta “vários factores, incluindo a apreciação dos critérios de classificação, a opinião dos proprietários, o parecer do Conselho do Património Cultural e os resultados da consulta pública”.

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