Especial 24 de Junho | Função Pública, um destino em crise para os macaenses

A função pública foi, desde há muito, um destino quase invariável para a população macaense. Mas com as mudanças registadas nos últimos tempos quisemos saber se a “tradição” se mantém. Uns dizem que sim, outros que não. As dificuldades causadas pela falta de “chinês” são o principal motivo, mas também a cultura de gestão e a atracção dos hotéis

[dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]rabalhar na função pública foi sempre um destino seguro, e comum, para as gentes da terra. A “malga de ferro”, assim chamarão alguns, ao invocarem o seu legado chinês para descreverem uma situação profissional estável e duradoura. Todavia, com as mudanças registadas nos últimos tempos, o HM quis saber se a tradição ainda se mantém. As opiniões dividem-se mas sente-se uma certa tendência para que a tradição deixe de ser o que era.
“Antes era diferente”, começa por dizer Guiomar Pedruco, empresária.
“O português ainda era muito usado na função pública, mas hoje não”, explica, aclarando que o seu ‘antes’ designa cerca de 20 anos atrás.
A língua é mesmo um dilema para a população macaense que não domina o idioma chinês escrito, levando mesmo Guiomar a falar em discriminação.
“Muitos não querem estar lá porque é tudo à base do chinês e eu sei que se sentem discriminados. O português é só para inglês ver”.
Antonieta Lam, funcionária pública, compreende a situação mas diz que “depende do serviço”, aventando que “onde usem menos português é natural que sintam mais dificuldades em trabalhar”.
Para além disso, Antonieta não acredita que tenha existido alteração na tradição pensando que os macaenses continuam a querer aderir à função pública.
“Não mudou nada”, garante, adiantando, todavia, que “reparo que hoje em dia os macaenses não falam tanto português como antigamente. Os pais quiseram que estudassem inglês ou chinês. Os que estão na função pública falam pouco português.”
Para além da língua, Guiomar descobre outra questão: feitio.
“Os macaenses barafustam muito e os chineses não gostam de nós por causa disso”.
Antonieta sabe do assunto mas acha que a cultura mudou.
“Eram refilões, sim, mas hoje em dia já não. A transição já foi há muito tempo e os macaenses adaptaram-se à forma chinesa de trabalhar”, garante.

A atracção hoteleira

Quem parece estar a desviar os macaenses da função pública são os hotéis.
“Hoje, os macaenses preferem hotéis e empresas privadas. Vão estudar para fora, só falam inglês e é para aí que vão”, diz Filomena, ex-funcionária pública e hoje a trabalhar para uma pequena empresa local.
A opinião é corroborada por Filipe Senna Fernandes, empresário.
“Muita gente tem optado pela hotelaria. Estudam na Austrália, na Suíça, voltam e trabalham para os hotéis.”
Também ele trabalhou para função pública mas apenas “quatro anos e meio”, diz-nos.
“Optei pelo turismo por achar ser o único departamento ligado aos mercados internacionais. O pensamento é diferente e a comunicação é essencialmente feita em inglês. Agora, talvez falem menos mas não tanto como outros departamentos”, explica Filipe que adianta ainda considerar que “os macaenses já não são assim tão tradicionais. São mais internacionais”, remata.

Cultura nova, vida nova

A mudança de cultura de gestão na função pública, todavia, parece exercer um peso determinante nos macaenses na altura da escolha.
“Conheço muitos que ainda lá estão só para garantirem a reforma”, diz Filomena adiantando mesmo que “com os portugueses as coisas eram mais simples. Faz o teu trabalho, acaba e vai-te embora”, explica exemplificando:
“Agora tem de se recuperar horas mesmo que se vá ao médico. Nem se pode ir tomar um café em paz. Antes as pessoas exageravam, iam e ficavam meia hora na conversa, mas agora também é demais. Controlam tudo”, desabafa Filomena mas não concluindo sem nos revelar que “eu e muitos outros não conseguimos trabalhar com chefes chineses. Eles não gostam de nós macaenses e são vingativos”.

Nota: Tentámos falar com vários macaenses que trabalham na função pública mas foi muito difícil recolher testemunhos. As respostas foram, normalmente, “de trabalho não falo”, ou “nesse tipo de assunto não toco” condimentadas com uma momentânea “falta de tempo para comentar”.
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