Eunice Wong, cantora, apresenta álbum ao vivo no Macau Design Centre

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]asceu nos Estados Unidos, “porque era moda”. Cresceu em Macau, seguiu para a Birmânia e acabou por estudar e viver em Nova Iorque. Do processo saiu uma artista versátil, uma voz das que não aparece todos os dias, uma vontade deliberada de provocar e um som que dá para perceber não andar com más companhias. Ganhou pela segunda vez o subsídio do IC para novos álbuns e este sábado apresenta o mais recente, ao vivo, no Macau Design Centre, pelas 16h00. O segundo já está planeado

Saiu de Macau aos nove anos e depois foi para a Birmânia. Como foi isso?
Os meus pais tinham um negócio lá, eles são chineses/birmaneses mas nascidos em Macau e vivi lá cinco anos.

Que tal a experiência?
Diferente. Adoro a Birmânia mas os contrastes são enormes. Os ricos, muito ricos, os pobres muito pobres. Quer dizer, os meus pais eram dos ricos, fui para escolas internacionais.

Mas nasceu nos Estados Unidos…
Era moda na altura ter os filhos nos Estados Unidos. Os meus primos nasceram na Austrália, no Canadá… Além disso, o lado da minha mãe é Hakka, meio cigano. Gostam de ser nómadas.

Chegou aos Estados Unidos no princípio da puberdade. Como foi crescer em Nova Iorque?
Foi em Brooklyn, no Harlem… Não estava preparada. Na Birmânia não tínhamos muitas notícias, internet… às vezes nem electricidade. Então de repente estou em Nova Iorque e há tudo. Cultura, música, hip-hop, drogas… muitas coisas que nem tinha ideia que existiam.

Choque por uns tempos?

Um bocadinho. Estava habituada a uma Escola Internacional onde nem sequer pensávamos em raças, até gostávamos das diferenças, e de repente em Nova Iorque é tudo por raças. Na altura, nem pensava se era chinesa ou outra coisa qualquer. Mas em Nova Iorque é assim, segregado. De alguma forma, isso levou-me até este meu disco, “Humanize”. É tipo um lembrete para toda a gente, do género “oiçam, eu faço este disco porque sou humana, não porque sou chinesa, ou americana ou isto ou aquilo”.

Sentiu-se segregada, no mau sentido?
De uma forma intensa.

Então agora o que se considera?
Cheguei a um ponto em que sinto que ‘quanto mais pensas nisso mais te aborreces’ portanto adoptei a forma de me ver a mim e aos outros como humana em vez de tentar analisar de onde é que eles são ou assumir as suas vidas.

Como começou a música?
O meu pai é músico. A minha mãe não tem ouvido para os tons, por isso só posso ter herdado do meu pai. (risos) Ele toca guitarra e canta em bandas birmano/chinesas aqui e na Birmânia. Havia sempre música em casa. Ele toca muita música tipo Carpenters, Santana, The Beatles. Portanto cresci a ouvir isso e até estive em aulas de violino aqui em Macau, mas queria cantar. Sempre soube que queria cantar.

Como começou a envolver-se mais a sério?
Tinha uma banda de Rock quando estava no liceu em Nova Iorque. A “Just A pupil”, tinha um duplo sentido. Era eu e três colombianos.

E tocavam o quê?
New Rock, Pop Rock, adorávamos os Incubus e Rock Latino tipo Zurdok.

E em Nova Iorque tocaram muito?
Sim, ao longo dos anos toquei em muitos bares e cenas underground. Até tocámos no [clube] CBGB antes de o fecharem.

E depois dos “Just A Pupil”, que aconteceu?
Tivemos de nos separar. Os meus poemas, a minha direcção é sempre muito pessoal. Era teenager, escrevia muito sobre a “raiva dos adolescentes”, sempre muito zangada, e eles queriam fazer mais ‘dub reggae’, algo com o qual não estava muito familiarizada e depois fui para universidade e comecei a brincar com música electrónica. Comecei a produzir num computador, a fazer electrónica…

Qual era o curso?
Sociologia. No City College de Nova Iorque. Por isso vivi no Harlem uns cinco anos.

Como foi a experiência? Que tipo de vizinhança?
Era muito hispânica. Porque existe East Harlem, West Harlem e Central Harlem. Central Harlem é muito negro, East Harlem é muito porto-riquenho, West Harlem é muito dominicano (risos).

E caiu no lado dominicano?
Sim. É incrível. Imensa comida dominicana. Música até às quatro da manhã com miúdos de três anos a correrem por todo o lado. Era divertido. Foi, decididamente, uma grande experiência.

E entretanto fazia-se música electrónica no quarto…
Entretanto fui interna para o Doug E. Fresh, um dos fundadores do beatboxing nos anos 80. Faz imensas cenas com a língua. É um verdadeiro ícone no Harlem.

Qual era o trabalho?
Promovia os artistas da editora dele, incluindo os filhos que têm um grupo de rap, também editei videoclips.

Faz muitas coisas diferentes. Estudou Sociologia, canta, produz música e vídeos…
Em Nova Iorque há muita gente assim. Que deitam as mãos ao assunto e fazem muitas coisas diferentes.

A vida é em Nova Iorque?
Sim, mas vim para Macau na esperança de conseguir organizar uma tournée asiática. Tem havido conversas reuniões com pessoas interessadas em organizar espectáculos na China. Venho cá uma vez por ano.

Como vê as transformações que aqui acontecem?
Muito orgulhosa. Antes tinha de dizer às pessoas onde era Macau mas agora isso não acontece. Não saber onde é Macau já é responsabilidade individual. Gosto que não esteja tão saturado como Hong Kong e continua a ser uma coisa nova. As pessoas continuam a achar Macau interessante. E as oportunidades também estão em aberto.

O que quer dizer com saturado?
Há mais artistas ‘indie’ em Hong Kong e a fazer música electrónica. Aqui ainda é novo. A atitude também é diferente, os artistas podem convidar bandas. Em Hong Kong há sempre muitos espectáculos a acontecer.

Já tocou em Hong Kong?
Sim, há ano e meio. Foi fixe. Trabalhei com os Soler e ajudei na mistura e produção de uma canção.

Ouvimos “Tame this heart”. É completamente diferente do que está a fazer agora…
É mais independente. Um tema muito pessoal. Era uma coisa que tinha de fazer apesar de sair da Pop. As pessoas podem gostar ou não. Estava num sítio escuro, deprimida, mas a sentir-me extra criativa. Criava uma canção a cada 15 minutos, esse tipo de criatividade.

Agora é mais Pop e comercial…
Sim. Mas algumas das canções do álbum também já são antigas.

E o que faz nestas canções?
Componho e co-produzo.

No vídeo de “Ain’t Nobody Else” há uma clara alusão a Bonnie & Clyde. A ideia é provocar?
Sim, definitivamente. Penso que há diferentes tipos de artistas que se encaixam em nós pelo estilo musical. Acho que sou do tipo que te faz sentir alguma coisa estranha, que provoca e que deixa também o sentimento de desconforto.

Fala-se que hoje não há estrelas rock. É tudo “pronto-a-servir”, receitas que se repetem. Os ‘rockers’ já não se atrevem. Concorda?
Sim. Sinto que quanto maior se é, mais controlo se sente porque cada vez se tem mais a perder. Por isso os artistas precisam de segurança, querem sentir-se a salvo. Muitos músicos criam para o mercado adolescente. Depois penso nos meus jovens e rezo sempre pela sua estranheza e pela sua diferença.

Com a evolução de “Tame this heart” para “Humanize” não está também a pôr-se a salvo?
De certa forma sim, mas esse tema é diferente. Não me preocupava quem gostasse ou não. Era um projecto muito pessoal. Lembro-me que era Inverno e queria sair daquilo, fazer outras coisas. Esse tema ajudou-me a mostrar o meu amor pelo ‘dubstep’ e pelos sons britânicos mais ‘dark’. Um tributo ao que tinha feito, ao passo que “Humanize” é mais um portfólio da minha melodia e das minhas letras. Bryan Spitzer

Está a seguir os passos de artistas como Madonna?
Adoro-a. Ela é uma artista e faz as coisas com a certeza de que tudo o que faz é novo. Vocalmente acho que somos muito diferentes, mas a minha maior influência é Shirley Manson dos Garbage. Desde pequena que gosto muito dela.

O que ouve agora?
Gosto muito de Lana Del Rey, somos muito do mesmo estilo e também da mesma idade. Também há influência dos Blues.  

Nesta digressão que pretende na China, com temas em Inglês, como acha que as pessoas vão reagir?
Tenho ouvido muita coisa acerca da China e acho que está faminta de novas culturas e novos sons.

Que podemos esperar do vosso espectáculo?
Com a saída deste álbum terei em palco um guitarrista que também é teclista, um DJ, bailarinos e eu.

Trouxe essas pessoas?
Não, vivem em Macau e estamos a ensaiar. São maravilhosos. Conheci-os pelo boca a boca, a perguntar a amigos, e toda a gente foi muito receptiva.

Houve alguma espécie de casting?
Acho que felizmente segui o meu coração.

Como vai ser o espectáculo em Macau?
Vou ter um VJ, o Miguel Khan. Gostava de ter uma componente visual sólida. Obviamente que desta vez só terei bailarinos para algumas canções mas gostaria de ter muito mais. Era muito importante ter mais músicos em palco e instrumentos a tocar para a minha voz. Espero que o espectáculo também junte isso tudo.

Quem desenvolve o conceito?
Há um coreógrafo que me ajuda. Não há uma organização para a coreografia.

Uma coisa completamente nova este espectáculo em Macau?
Sim e a primeira vez com este lineup.

Vive da música?
Trabalhava em Nova Iorque. Trabalhava para uma empresa de cuidados de pele online. Eles apoiavam-me no horário e na pele também. (risos)

Acham possível profissionalizar-se enquanto músico?
Fazia anúncios para televisão e isso abriu-me os olhos para a produção musical. Na medida em que é produzida para enaltecer um objecto. Era como os negócios imobiliários. Só se ganha depois de vender e aí ganha-se muito, mas era muito arriscado e decidi afastar-me porque estava muito focada na criação musical gratuita. Quanto a ter uma carreira profissional, sim, penso que a terei. Quanto ao ganhar dinheiro, agora ele vem dos espectáculos.PRINCIPAL SEGUNDO TEXTO_Eunice and Suki Wong

Onde se vê no futuro?
Quero fazer muitos espectáculos. Estados Unidos, China… especialmente na China e na Ásia que estão a crescer.

Quando for mais velha, vê-se como produtora, actriz, realizadora, ou nada disso?
Gostaria de fazer mais projectos artísticos e de vídeo. Escultura, sei lá. Tenho muitas ideias estranhas. Há uma noites tive esta ideia de “Vershina” numa mistura de Versace com China, uma ideia de moda chocante. Mas enquanto estiver na música quero um tipo de trabalho das Nações Unidas, viajar pelo mundo, fazer salvamentos de emergência. Aprendi Francês na escola e recentemente soube que precisava disso para as Nações Unidas.

Também pode usar o Francês nas canções…
Pois, mas talvez o Português. E adoro o Casanova e talvez introduza algum jazz e alguma representação. Quero fazer muitas coisas.

“Melhor que uma editora. Não me limita”

 “Humanize”, o álbum que Eunice agora apresenta, já tinha sido apoiado pelo Instituto Cultural em 2014. Agora o segundo também vai ser. Com este apoio, o novo trabalho, diz, “vai mudar tudo. Acho que vão passar a ver-me um bocado pela Ásia.”
O prémio do IC, no valor de 215 mil patacas (a confirmar), vai permitir-lhe arrancar já para a produção do segundo álbum onde o Inglês não será total, como agora. “Estou excitada por poder incluir alguns temas em Mandarim.”  Já sabe que vai trabalhar com alguns pesos pesados da Pop, como Jordan Jaeger que produziu “Cups” cantado por Anna Kendrick para o filme “Pitch Perfect”, entre outros trabalhos para artistas internacionais. “Conheci-o numa empresa onde costumava trabalhar”, conta, “fizemos um EP, eles gostaram, por isso agora vamos fazer um álbum. Estou super feliz.”
Eunice explica que o IC “tem sido fantástico” com ela. “Melhor que uma editora discográfica porque não limitam o que eu posso fazer.”
O tema do próximo álbum vai ser “’The girl who’… Quero deixar assim aberto”, avança Eunice, “quero que as raparigas preencham a seu bel-prazer”. Com esta experiência, a artista espera que o trabalho fique mais inclusivo. “Quero envolver a minha audiência mais, criar mais proximidade.”
Uma chamada à imaginação mas também, e sobretudo, ao sonho. “Cada tema vai ser dedicado a mostrar tudo o que uma rapariga pode fazer.”
Em termos musicais também já está tudo muito claro. “Quero fazer produções mais minimais com mais camadas de vozes, usar vozes como instrumentos de apoios nas músicas.”
A artista confessa ainda que “fascina-a ideia” de usar diversas línguas. “Parece-me a direcção correcta para um artista de Macau. Usar todas estas línguas. O Português, o Inglês, o Chinês. Nós podemos fazer isso.”

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