Recordações do pato amarelo

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]dorei, adorei, adorei. Quando dou comigo a pensar no pato amarelo de borracha “ancorado” este mês no Porto Exterior, interrogo-me: “o que diria Warhol?”. É possível que alguns leitores não façam ideia de quem seja Andy Warhol, mas também não são obrigados a conhecer toda a gente, pois não? Fica bem o apontamento cultural, mesmo atendendo ao facto de que Warhol nada diria, uma vez que já lá vão uns bons trinta anitos que o artista foi “fazer tijolo”. A minha opinião sobre o referido objecto, autoria de um holandês, certamente aficionado da passa (isso nem se pergunta, ora essa) é apenas esta: tomates. Isso mesmo, e quando me perguntam “se já fui ver o pato amarelo”, respondo categoricamente que não, pois recuso-me a aceitar por questão de princípio que “ir ver” um pato de borracha coloca-se como alternativa de entretenimento neste bosque desencantado da pasmaceira cultural que é Macau. Quer dizer, “fui ver” as ruínas de Angkor Wat, no Camboja, em finais do ano passado, e ainda no último fim-de-semana “fui ver” a nova peça dos Doçi Papiaçam Di Macau. Ora aqui estão dois bons usos para dar aos olhinhos. Um pato de borracha é que não, “plamordedeus”.
Mas eu sou eu, pronto, e seja lá quanto se pagou para ter ali aquela versão gigantone de um comum objecto que se pode encontrar no banho dos bebés, não saiu do meu bolso (pelo menos directamente, entenda-se), e quem quiser ir lá tirar uma foto a fazer um “vê” com os dedos, força, que no que toca à exposição ao ridículo, do chão já não se passa. E que digo eu, se a amanuense responsável pela parte do circo na dualidade “panis et circenses” se orgulha do pato, e chega mesmo ao ponto de “colocar Macau no mapa”? Já não era sem tempo, ufa, que foi preciso um patão de borracha para fazer aquilo que outros eventos de monta não conseguiram, como são exemplos os Jogos da Ásia Oriental, ou ainda os primeiros Jogos da Lusofonia, que por alguma razão estranha não deixaram o mundo inteiro a suspirar por nós, aqui em Macau, roídos de inveja de nós por não viverem aqui. Ainda bem que foi um pato e não o navio escola Sagres, livra! Isso é que não pode ser, pá. Depois de cinco séculos de humilhação, colonialismo, blá blá blá vir ainda para aí essa “ameaça” da parte dos “piratas”. 12516P19T1
Mas deixemos de lado os piratas e falemos de gente honesta. Está aí mais uma polémica com o selo da Fundação Macau, essa generosa entidade que tão descomprometidamente se oferece para gastar o tesouro, poupando-nos assim a tão enfadonha tarefa. Desta vez a FM decidiu contemplar a Universidade de Jinan com 100 milhões de yuan, que em patacas dá mais trinta e tal milhõezitos, coisa de somenos importância para esta gente – é como quando os arqueólogos falam em “milhões de anos”, como quem bebe um copo de água, estão a ver? O motivo de tanta generosidade é muito simples: a instituição de ensino em causa “contribuiu de forma significativa para o progresso da RAEM”. De facto, e não há metro cúbico de oxigénio que eu respire sem dar graças à Universidade de Jinan, sem a qual Macau não seria muito diferente de um povoado Cromagnon. Só 100 milhões? Têm a certeza que chega? Vejam lá bem.
E foi tudo legal, há que deixar bem claro, e quem disse que não foi? Eu concordo, mas permitam-me que mude por instantes para a norma brasileira da nossa língua: “Foi legal pacas, cara. Pô, essa nota daê chega pa tomá um suco bem acompanhado, e depois caí num sambinha, né? Um rolé responsa , morou?”. Quem nāo pensa assim são os gajos da democracia e etcetera, enfim, os suspeitos do costume, e não é que os tipos até ameaçam com uma manifestação de “milhares segundo a organização” e “meia dúzia de pelintras” segundo as autoridades? Ora essa, mas 100 milhões não chega nem para encher a caixa-forte do outro pato, não o de borracha, mas o Tio Patinhas, essa versão Disney do Dr. Stanley Ho. Grave, grave foi o Atum General ter-se feito àqueles 50 milhões, isso sim, que ao câmbio da humilhação, colonialismo, blá blá blá multiplica-se por mais milhões, enquanto estes cemtozitos, epá, convertem-se em Dongs vietnamitas e pronto, não se fala mais nisso. (Pensando bem o General até foi bem…”sonsinho”, pronto, ficamos por aí).
Ah Macau, Macau, a terra do pato de borracha que daqui a uns dias se vai e não volta mais, deixando aqui sós os outros, os de carne e penas. Adorei, adorei, adorei.

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